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Censura à Paixão de Cristo em Arcoverde

Artistas e produtores de Arcoverde protestam contra suspensão da peça. Foto: Fah Queiroz/ Divulgação

Artistas e produtores de Arcoverde protestam contra suspensão da peça. Fotos: Tiago Henrique/ Divulgação

O cancelamento do espetáculo Horizonte da Paixão dividiu a cidade de Arcoverde no Sertão de Pernambuco. De um lado os conservadores, que seguiram os conselhos de um padre da cidade – que pediu para os fiéis boicotarem a peça. Do outro, a indignação dos artistas que se alastrou em protestos pelas redes sociais e engrossou um movimento contra a censura. A peça, realizada há 15 anos, recria os últimos dias da vida de Cristo. A montagem tem em seu elenco artistas do grupo de teatro do Sesc Arcoverde, dos alunos da Educação de Jovens e Adultos e do grupo da Terceira Idade Novo Horizonte.

Segundo os próprios artistas, Horizonte da Paixão se propõe desde sua estreia, há 15 anos, a inserir cenas que tratem de questões contemporâneas para aproximar da realidade do público, para despertar reflexão sobre os ensinamentos de Cristo. “Nunca o espetáculo tentou ser um espelho da Bíblia, ou teve por finalidade catequizar segundo qualquer religião”, comenta o ator William Castilho.

A peça, patrocinada pelo Sesc e apoiada pela prefeitura, foi apresentada na quinta-feira. No programa Sexta-feira Santa na Rádio Independente FM, a principal emissora de Arcoverde, o Padre Adilson Simões pediu aos fiéis que boicotassem o espetáculo, que segundo ele apresentava cenas sacrílegas, desordenadas e absurdas. Os artistas garantem que o padre não assistiu ao espetáculo. E que sua opinião foi a partir do relato de três pessoas.

Durante sua fala na Independente FM, o Padre Adilson repudiou a cena da “Santa Ceia”, em que o ator que interpreta Jesus aparece de calça jeans e faz seu discurso em cima da mesa. Disse o padre: ”Na Santa Ceia, em todas as apresentações teatrais, cinematográficas e outras mais, nunca se viu Jesus, na hora sublime de dar-se no Pão, em pé, sobre a mesa. Isto é crime, deboche sobre uma religião. Na diversidade, respeitemo-nos mutuamente”.

Esse pronunciamento do padre inflamou fiéis mais conservadores, que, segundo os artistas, criou um clima de revolta contra o movimento artístico da cidade, inclusive com ameaças de agressão física. “Além dele ter falado sobre cenas que não existiram e sobre uma apologia ao aborto que nunca foi abordada no espetáculo. Após sua fala, ligou diretamente para o Presidente do Sesc, que de forma arbitrária, sem consulta e respeito ao trabalho realizado pela equipe do projeto, cedeu à pressão do clérigo e cancelou o espetáculo”, comenta o professor de dança Fah Queiroz.

O ator Djaelton Quirino, que interpreta o Cristo, respondeu em sua conta pessoal no Facebook, argumentando que todos tem direito a se manifestar, o padre, o pai de santo, o espírita, o ateu, quem quer que seja. Mas ninguém tem o direito de censurar ou cercear a liberdade de expressão de outro. “O padre não é Deus, se engana se acha isso, e até mesmo Deus nos deu livre arbítrio”.

Cartaz da peça

Cartaz da peça


Na nota oficial divulgada na sexta-feira, a direção do Sesc expõe as razões do cancelamento do espetáculo. O teor da nota foi gravada e retransmitida no sistema de som nos locais das apresentações.

“À Comunidade de Arcoverde,
A direção do SESC Pernambuco, entidade laica e privada sem qualquer vinculação política ou religiosa, informa à comunidade de Arcoverde e região, que o espetáculo Horizonte da Paixão, promovido pelo SESC há 15 anos, tem a natureza puramente artística.

Por outro lado, a Direção do SESC/PE com a intenção de evitar qualquer interpretação, desrespeito e intolerância às crenças e valores éticos e morais do cristianismo, e à forte tradição da celebração da Semana Santa, profundamente arraigada na cultural do povo brasileiro, determina a suspensão do espetáculo Horizonte da Paixão, hoje e amanhã, dias 03 e 04 de abril de 2015″. Assinam a nota Josias Albuquerque – Diretor do SESC/PE, Antônio Inocêncio de Lima – Diretor Regional do SESC/PE e Andrea Marquim – Gerente do SESC Arcoverde.

Protesto dos artistas de Arcoverde ganha força nas redes sociais

Protesto dos artistas de Arcoverde ganha força nas redes sociais

Fah Queiroz se disse chocado com o veto. Ele postou no Facebook: “Esse abuso de poder… esta distorção dos fatos… dos clérigos de nossa cidade em pleno século XXI, proibir (conseguir o cancelamento) do Horizonte da Paixão, tão tradicional em nossa cidade. Estamos voltando a Idade Média. A quem recorrer que não voltem as folgueiras????????”

“Os artistas de Arcoverde, foram censurados por um líder religioso que conseguiu disseminar em seu discurso ódio e segregação causando o fim da Paixão de Cristo da cidade que era realizada há 15 anos estamos hoje fazendo um manisfesto e tirando fotos com a mão tapando a boca e com a #ContraCensuraArcoverde”, reforça William Castilho.

Elis Regina, moradora da cidade também postou nas redes sociais: “Em pleno século XXI e a Igreja Católica ainda tem o poder de censurar a arte. Sim isso está acontecendo aqui em Arcoverde, interior de PE, onde vetaram a Paixão de Cristo, promovida pelo Sesc da cidade, por ter um cunho artístico e laico, normas do próprio Sesc! Pelo simples fato de ficarem incomodados dois padres conseguiram cancelar as apresentações e o pior mobilizar a cidade contra os artistas! Agora, minha amiga e seu grupo estão amedrontados até de andar na rua com receio do que pode acontecer. Absurdo! Até quando essa tirania? Não irão nos calar, a arte é superior a tudo isso! Enquanto jogam ódio e preconceito, iremos responder com protesto, amor e arte. ‪#‎ContraCensuraArcoverde‬ ‪#‎teatro‬ ‪#‎arte‬ ‪#‎contracensura‬”

Padre Adilson Simões em seu depoimento na rádio

Padre Adilson Simões em seu depoimento na rádio


No sábado, o Padre Adilson Simões voltou a se pronunciar, desta vez através do Facebook:

“Prezados amigos e amigas, reiniciando meus exercícios espirituais, nesse sábado santo, venho dizer-lhes que eu, Padre Adilson Simões, não pedi a suspensão da peça Horizonte da Paixão, há anos encenada em nossa cidade. Eu, no uso dos meus direitos, como cidadão cristão, sacerdote de Nosso Senhor Jesus Cristo, no uso do Ministério, a mim confiado pela Igreja, na unção do Espírito Santo, dirigi-me a direção geral do Sesc-PE e apresentei-lhes a minha indignação quanto ao conteúdo, cenas e interpretação da referida apresentação teatral nos dias mais santos do calendário litúrgico, a saber: o TRÍDUO PASCAL (quinta, sexta e sábado santos). Sim, apresentei o meu protesto, por dever pastoral, zelo pelo sagrado e amor ao que é Divino e o farei sempre, como sempre o fiz, em defesa da fé cristã. Agora, pergunto-lhes, amados e amadas: – O povo acostumado a assistir a Paixão de Cristo, em todos os lugares do mundo com piedade, foi respeitado, na forma como encenaram e interpretaram o texto, no contexto do tempo da Semana Santa? Quem, conhecendo as Sagradas Escrituras, católicos, evangélicos, ortodoxos ou simples estudiosos da religião, pode dizer, a partir dos textos originais no hebraico, grego ou latim, que tenha havido, na Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, discurso feminista ou colocações sobre a legitimidade do aborto e outros males do mundo atual? Pergunto ainda, onde e com que autoridade artística, cultural, ou científica, pode-se, por bel prazer, alterar textos originais? Durante 10 anos estudei Sagrada Escritura. Pela graça de Deus, tive a felicidade de ter acompanhamento de grandes mestres da teologia católica, formados na Universidade de Jerusalém, o maior centro de estudos bíblicos do mundo, e com eles e na vida, pelas revelações do Espírito Santo, aprendi que a Paixão de Cristo é o ato supremo do amor de Deus pela humanidade e, por sua natureza humana e divina, é o ápice da vida cristã.Termino, com as palavras do Cardeal Odilo, Arcebispo de São Paulo, ”se querem respeito, respeitem!”
Contem sempre com minhas orações. Tenham todos e todas uma Santa Páscoa, em Cristo Ressuscitado, vida em plenitude”.

Peça é apresentada há 15 anos em Arcoverde

Peça é apresentada há 15 anos em Arcoverde

Neste domingo, artistas e produtores culturais de Arcoverde soltaram carta aberta em que condenam a censura ao espetáculo.

Carta aberta do Movimento Cultural de Arcoverde em resposta ao cancelamento do espetáculo Horizonte da Paixão.
Horizonte da Paixão, espetáculo artístico e não catequético, com liberdade poética não para reescrever a história mas para interpretar e aproximá-la do público, independente de credos, ideologia política, raça, etc. O Movimento Cultural sempre esteve aberto ao diálogo com todos os líderes religiosos da região, embora não tenhamos sido procurados antes, durante ou depois do espetáculo nestes 15 anos de realização. A história representada não possui direitos autorais sendo assim domínio público e podendo ser interpretada do ponto de vista dos que a fazem, observando os valores morais e éticos da sociedade e o respeito às transformações desses valores. Sempre existiu, acima de tudo, o respeito às crenças e signos religiosos. A versão do espetáculo para 2015 segue o conceito dos anos anteriores, que é aproximar a história do público, sobretudo os jovens, trazendo uma reflexão para a atualidade. A Arte permite a reinterpretação de signos não se detendo a doutrinas e dogmas religiosos. Ainda assim jamais foi nossa intenção ferir essas simbologias. Quando a montagem propõe a reinterpretação dessa história confia na inteligência e discernimento do público, sem provocar a fé, apenas suscitar questionamentos do mundo atual, sabendo que a fé não está diretamente ligada a conceitos estéticos. Não cabe à Arte julgar ou alterar a fé. O espetáculo vem propondo desde seu surgimento cenas contemporâneas como a participação de jovens reeducandos da FUNASE (Fundação de Atendimento Sócio-educativo) e modificando seus cenários e figurinos.

Em torno da apresentação de 2015, criou-se um burburinho com interpretações do espetáculo por líderes religiosos que assumidamente não o viram, se utilizando de discursos de terceiros. Numa demonstração de abuso do poder de influência em meios de comunicação de massa, incitaram inverdades, revoltas, boicote e intolerância. A partir desse discurso gerou-se uma série de ações de represálias, agressões verbais e ameaças de protestos e à integridade física dos integrantes do espetáculo, causando mal-estar entre a comunidade religiosa e a comunidade artística. Vale frisar que a comunidade artística também é integrada por pessoas religiosas. O Sesc Pernambuco, responsável pela realização deste projeto, optou pelo cancelamento de forma arbitrária, sem consulta prévia, não levando em consideração a opinião dos artistas envolvidos.

Repudiamos a atitude e os termos utilizados pelo senhor Adilson Simões ao dizer que o espetáculo foi feito de forma “desonerada”, “absurda”, “sacrílega”, “abortiva” e “feminista”. Em nenhum momento existe menção ou apologia ao aborto. Em relação ao feminismo, entendemos o momento de respeitar o ser humano independente de gêneros. De acordo com a Constituição Federal Brasileira em seu artigo 5 º, parágrafo 1º “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição”.

Repudiamos que em pleno século XXI um espetáculo seja censurado em razão da divergência de opiniões, que os artistas sofram retaliação da sociedade por sua visão artística, que seja desrespeitado todo o tempo dedicado ao processo de produção, planejamento, criação e ensaios. Repudiamos que o público que há tantos anos acompanha o projeto Horizonte da Paixão seja lesado e volte para casa por não poder apreciar o espetáculo que já estava pronto. Repudiamos os prejuízos econômicos, turísticos, culturais e sociais advindos da extinção deste projeto e por fim, repudiamos o retrocesso que fere a sociedade e cultura arcoverdense e principalmente a Constituição Federal, que reza no seu artigo 5º, parágrafo 9: ‘É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

diretor Ney Mendes está preocupado com a relação entre artistas e público

diretor Ney Mendes está preocupado com a relação entre artistas e público

Segundo Ney Mendes, o diretor do espetáculo, o movimento está tomando uma proporção bem grande. “O nosso movimento está botando a cara na rua e nas redes não é pelo cancelamento do Horizonte por parte do Sesc, ou pelo fato de o Padre ter exposto sua opinião”, explica. Ele garante que o grupo poderia ter apresentado o espetáculo, sem figurinos, sem cenários, sem o nome Horizonte da Paixão (já que esse pertence ao Sesc). Mas o problema é que no discurso sobre o espetáculo o padre utilizou de termos como: “desordenado”, “absurda”, “sacrílega”, “abortiva” e “feminista”, causando um grande mal-estar, chegando ao ponto de os artistas envolvidos no espetáculo sofrerem ameaças de populares embasados nesse discurso infundado.

Nossa preocupação é com o futuro teatral da cidade, como esse momento pode reverberar na relação entre o público e os artistas”, atesta o diretor do espetáculo Ney Mendes. “O padre alega que na encenação ao colocarmos Jesus sobre a mesa estávamos debochando da religião, apesar do espetáculo ter natureza puramente artística, nunca foi nossa intenção denegrir ou debochar de qualquer que seja o símbolo ou a religião, e que se o padre (apesar de assumidamente não ter assistido o espetáculo) tivesse nos apresentado a sua indignação de forma pacifica através do diálogo, poderíamos ter resolvido esse problema sem maiores prejuízos”, nos conta o diretor.

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Fazendo graça com Shakespeare

Romeu e Julieta - Igual ao outro só que diferente. Foto: Pollyanna Diniz

Romeu e Julieta – Igual ao outro só que diferente. Foto: Pollyanna Diniz

O Teatro Geraldo Barros, na cidade de Arcoverde, a 257 km do Recife, estava lotadíssimo. Foi no mês passado, na segunda noite da mostra que leva o mesmo nome do teatro e faz homenagem ao ator, diretor e gestor falecido em 1999. O Satisfeita, Yolanda? foi convidado para conferir a programação de teatro do festival e depois realizar análises críticas e debates com os grupos. Uma experiência muito interessante, que nos fez compreender mais de perto as dificuldades e os desafios de quem não está nos grandes centros e ainda conhecer talentos e promessas.

O grupo Teatro de Retalhos, do Sesc Arcoverde, tem praticamente um fã-clube na cidade. Atrás de mim alguém dizia que aquela era a terceira vez que via a peça Romeu e Julieta – Igual ao outro só que diferente. É um espetáculo corajoso, que demonstra a ousadia do elenco – Djaelton Quirino (que também assina texto e direção), Carol Viana (também responsável pela direção de atores), Alex Pessoa (cenografia, ao lado de Djaelton), Éder Lopes, Ênio Felipe e Thyago Ribeiro. Eles pegaram um clássico (mas não um qualquer – porque tem aqueles clássicos que ninguém conhece, né?!) e dessacralizaram a obra, adaptando o texto de Shakespeare para tratar dos temas que bem desejavam, fosse a indústria cultural ou os entraves burocráticos para manter um grupo de teatro no Brasil.

Montagem do grupo Teatro de Retalhos vai participar de festival no Espírito Santo.

Montagem do Teatro de Retalhos vai participar de festival no Espírito Santo

A pesquisa do Retalhos passa pelo melodrama e pelo circo-teatro (por isso a peça inclusive tem muitos pontos em comum com O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, da Trupe Ensaia Aqui e Acolá, um fenômeno recente do teatro pernambucano). No palco esbanjam leveza, jovialidade, desprendimento e timing para a comédia. Os personagens se transformaram em Julieta “Capeletti” e Romeu “Ravioli”; Julieta é meio “víborazinha”, como diz um dos personagens, uma “periguete” adolescente. E Romeu ganhou trejeitos femininos, mas continua completamente apaixonado por sua amada.

Apesar de todas as sacadas interessantes na construção do espetáculo, a montagem é longa – fazer uma encenação é também saber cortar, se livrar dos excessos, reduzir. Isso leva a outro problema – a peça quase não nos dá fôlego, tempo de respiro. É sempre um crescente; como se o grupo tivesse que, a cada cena, idealizar soluções mirabolantes melhores do que as que acabaram de ser vistas. Dependendo da apresentação, da educação da plateia, a reação das pessoas chega até a incomodar, de tão eufórico que o público fica.

O elenco é bastante homogêneo, determinado, disposto. Mas há ajustes; alguns mais necessários, como, por exemplo, no momento em que um dos atores interpreta uma apresentadora de televisão. A atuação precisa ir além da voz gritante, do bate-cabelo de um lado para o outro, dos espasmos. O grupo também pode se apropriar mais da musicalidade e da iluminação como elementos da narrativa.

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Festival – Depois da Mostra Geraldo Barros, o Teatro de Retalhos vai participar do Festival de Teatro Nacional de Guaçuí, no Espírito Santo, no dia 23 deste mês. Antes disso, eles se apresentam de sexta (9) a domingo (11), sempre às 20h, no Teatro Geraldo Barros. Os ingressos, que já estão à venda no setor de Cultura do Sesc Arcoverde, custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada). Não há previsão de apresentações no Recife, mas o ator e diretor Djaelton Quirino confirmou que vai inscrever o grupo no Janeiro de Grandes Espetáculos. Estamos torcendo para que seja selecionado!

Confira um trechinho da peça:

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