Arquivo da tag: Diego Albuck

Equilíbrio nos trilhos de Williams

Propriedade condenada, texto de Tennessee Williams, direção de Érico José. Foto: Pollyanna Diniz

Quem conheceu Tennessee Williams diz que estar ao lado dele não era exatamente agradável. O dramaturgo e diretor Arthur Laurents, em entrevista a Richard Eyre, registrada no livro Talking Theatre, diz: “You should never have met Tennessee. He was usually drunk. He made silly jokes. I didn’t know him all that weel. He wasn’t the kind of person you wanted to spend time with. For me particularly because I revered his work, so I didn’t want to be disappointed in the person”.

Bêbado ou não; perturbado por um biografia punk-hardcore, que inclui uma lobotomia sofrida pela irmã; Williams era genial. Tanto é que foi o vencedor do Pulitzer por duas vezes, com Um bonde chamado desejo e Gata em teto de zinco quente. A história guardada na memória e na gaveta do encenador Érico José por alguns anos, no entanto, não é desses mais badalados, que viraram inclusive filme, mas o texto curto Propriedade condenada, de 1946. Foi essa a montagem (o texto foi traduzido por Diego Albuck) que Uerla Cardoso e Augusto Nascimento, da Escola de Teatro da UFBA, apresentaram no último sábado na VI Mostra Capiba de Teatro.

O texto de Tennessee é extremamente político. Fala do esfacelamento de um sociedade a partir de uma história particular: da garota Willie – a mãe dela fugiu com um homem, o pai desapareceu, a irmã foi abusada e morreu de tuberculose, e a menina herdou os seus amantes. Um enredo por demais indigesto. Willie e o adolescente Tom se encontram nos trilhos de um trem e é quando Willie começa a contar ao amigo parte da sua história.

Embora seja forte e fundamental, não é só no texto que está o vigor da montagem proposta por Érico José e por seu assistente de direção Vinícius Lírio; mas sim no trabalho de corpo dos jovens atores. Érico partiu das suas pesquisas sobre butô e biomecânica para levar ao palco algo que não tem necessariamente a ver com emoção – mas com energia. Há uma interação entre os atores que transcende o diálogo.

Para completar, as cenas são construídas como verdadeiras coreografias, como a entrada do garoto com uma pipa; a dança dos dois; um rio que aparece nos meios do trilho. A montagem também é rica em signos que podem ser interpretados a partir do olhar de cada espectador. Os personagens, por exemplo, têm os corpos pintados de branco numa referência clara ao butô, o que não exclui outras camadas de significados.

Pode existir, por exemplo, uma relação com o imaginário, com o sonho, com o surreal – em certo momento Tom diz algo do tipo: “mas essas histórias parecem ter sido inventadas, Willie”. Será que aconteceram mesmo? Há ainda uma dicotomia que se estabelece muito – entre o equilíbrio e o desequilíbrio; desde o andar nos trilhos, até a relação de energia entre os dois atores.

Apesar de muito jovens, Uerla e Augusto estão muito bem em cena (até cantam em inglês). Cenografia (trilhos de madeira cortam o palco) e iluminação ajudam na tarefa de trazer o espetáculo ainda mais para perto do público. Se o texto é mais um dos elementos dessa encenação, tudo parece ter sido muito bem dosado. E, além de tudo, Propriedade condenada ainda serve para mostrar como as pesquisas surgidas dentro da universidade podem ser levadas ao palco de forma muito bem sucedida.

Uerla Cardoso como a garota Willie

Postado com as tags: , , , , , , , , , ,