João Cabral de Melo Neto (1920–2000) admitiu que escreveu O Cão Sem Plumas sob o impacto de uma notícia que leu numa revista de que a expectativa de vida no Recife era de 28 anos, e, na Índia, de 29. Na obra composta entre 1949 e 1950, o escritor ergueu suas imagens poéticas à distância, da sua memória do rio, pois nessa época, como diplomata, morava em Barcelona.
O Recife que a lente do rio revela é uma cidade sem cuidado, sem enfeites. A lama, a água quase estagnada do Capibaribe transforma o homem também em paisagem. O movimento moroso, quase estancado contagia o ser.
O poema de João Cabral de Melo Neto é a inspiração do espetáculo Cão sem Plumas, da Cia. de Dança Deborah Colker, que estreia neste sábado e é reapresentado no domingo, no Teatro Guararapes. Para erguer a montagem, a coreógrafa veio a Pernambuco em 2015, quando percorreu o Capibaribe da nascente à foz. E no ano passado, quando acompanhada por seus bailarinos, realizou uma residência artística em várias cidades do estado – entre Sertão, Agreste e Recife. E exibiu trecho da encenação no Marco Zero.
Mas o processo criativo começou há quatro anos, quando Colker releu a obra de Cabral e se entusiasmou por levá-la ao palco.
O primeiro espetáculo assinado por Deborah com temática explicitamente brasileira traça o percurso do Rio Capibaribe, expõe a pobreza da população ribeirinha, a destruição da natureza, a ganância das elites, a vida no mangue.
O tom é de crítica, de coisas inconcebíveis que acontecem pelo descaso dos governos. A vida Severina desse bicho-homem que segue pulsante na paisagem caudalosa, ganha os passos de uma coreografia que evoca a movimentação dos caranguejos. O geógrafo Josué de Castro (1908-1973), autor de Geografia da fome e Homens e caranguejos, investigou essas mutações. E o cantor e compositor Chico Science (1966-1997), principal nome do manguebeat, levou para a música pop os conceitos de Castro, para miscigenar uma das criações musicais brasileiras mais potentes dos últimos tempos.
Cobertos e lama os bailarinos misturam na dança o maracatu e o coco, e também o samba, o jongo e kuduro. A trilha sonora original é assinada pelos pernambucanos Jorge Du Peixe, da banda Nação Zumbi e Lirinha (ex-cantor do Cordel do Fogo Encantado, poeta e ator), além do carioca Berna Ceppas, que integra a equipe de Deborah desde Vulcão (1994).
O cinema amplifica o poder da obra, com cenas de um filme feitas por Deborah e pelo cineasta pernambucano Cláudio Assis (diretor de Amarelo Manga, Febre do Rato e Big Jato). As imagens são projetadas no fundo do palco e produzem outras camadas nos corpos dos 13 bailarinos. Além do registro fotográfico feito por Cafi.
No repertório do grupo estão montagens mais pop como Velox (1995), Rota (1997) e Casa (1999). E os de apelo mais subjetivos, dos afetos como Nó (2005), Cruel (2008), Tatyana (2011) e Belle (2014). Em 2009 Deborah elaborou Ovo, para o Cirque de Soleil. E no ano passado foi a diretora de movimento da cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Ficha técnica
Criação, Coreografia e Direção: Deborah Colker
Direção Executiva: João Elias
Direção Cinematográfica e Dramaturgia: Claudio Assis
Direção De Arte e Cenografia: Gringo Cardia
Direção Musical: Jorge Du Peixe e Berna Ceppas Participação Especial Lirinha
Desenho De Luz: Jorginho De Carvalho
Figurinos: Cláudia Kopke
Patrocínio: Petrobras
SERVIÇO
Cão sem Plumas, da Cia. de Dança Deborah Colker
Quando: 3 de junho (sábado), às 21h e 4 de junho (domingo), às 20h
Onde: Teatro Guararapes – Centro de Convenções, s/n, Olinda
Ingresso: Plateia: R$ 120 e R$ 60 (meia) para o setor 1, R$ 100 e R$ 50 (meia) para o setor 2 e R$ 80 e R$ 40 (meia) para o setor 3; Balcão: R$ 50 e R$ 25 (meia), à venda na bilheteria, nas lojas Chili Beans e no site Bilheteria Digital
Duração: 1h10 minutos
Classificação: Livre
Informações: 3182-8020