O último Leia-se: Terça!, no Espaço Muda, estava lotado. A edição batizada de Faca de dois gumes juntou a leitura de dois textos – Febre que me segue, de Breno Fittipaldi e Sodomia song, de Wellington Júnior, ambos com direção assinada por Wellington Júnior.
O tema comum às duas leituras é a relação gay, ainda tão incendiária quanto no tempo de Oscar Wilde.
As recentes manifestações de repúdio à união homoerótica ou à relação de amor entre pessoas do mesmo sexo – como as protagonizadas por Myrian Rios (que disse em alto e bom som que tem o direito de não contratar funcionários gays) e de Jair Bolsonaro (que distribuiu panfletos em escolas no Rio de Janeiro contra um kit que combatia a violência contra homossexuais) serviram de elementos na dramatização.
Sem dúvida, a temática desperta paixões, inclusive àquelas mais irracionais contra o direito inalienável de cada um “escolher” sua forma de prazer.
Quando Wellington Júnior abriu a portinha da sala que abriga as montagens e leituras, ele avisou que a teatralização já estava valendo. Enquanto o público buscava um cantinho para sentar – e era muita gente no corredor, quatro atores assumiam o discurso mais conservador, reverberando posições evangélicas, direitistas, reacionárias, para aquecer a plateia. O clima estava pronto.
Febre que me segue conta a história dos encontros amorosos entre Pedro e Lui, um homem de quarenta e um e um garoto de dezoito anos, seus conflitos e desejos. Em volta de uma mesa, os os atores se revezaram entre os personagens. Breno Fittipaldi assume o papel do que faz as pontuações/ interdições dos diálogos e devaneios dos personagens. Além dele, participaram do elenco Nelson Lafayette, Rodrigo Dourado e Tiago Gondim.
É interessante que esses assuntos saiam do gueto e reverberem no teatro. Público para isso existe.
O texto de Breno oscila entre entusiasmos juvenis de descoberta emocionais, dialeto da tropa e clichês do palavrório amoroso. Tem uns insights bons, mas precisa ser bastante trabalhado.
Já Sodomia song é mais desbocado, irreverente, agressivo, quase explosivo para tratar da relação carnal, das fantasias com pai, e de toda a imaginação de falos, e até mesmo a iconaclastia de convocar Jesus Cristo e seus apóstolos.
O elenco diz que o quadro é uma masturbação ao som de Lady Gaga. Um dos atores fica ao fundo, Tiago Gondim, em uma simulação mais explícita, mas não tão visível do ato solitário, enquanto os outros três atores se revezam numa ejaculação de palavras e sutis gestos de orgasmo. Como o texto é mais punk, mais pancada, ele tem um efeito mais eletrizante na plateia. Mas como dramaturgia requer também fugir dos caminhos fáceis.
De todo modo, essas leituras às terças funcionam com um laboratório em que experimentos podem ser testados para plateias atentas e dispostas a participar do jogo.