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Mental disorder

O silêncio e o caos. Foto: Renata Pires

O silêncio e o caos. Foto: Renata Pires

O performer Dielson Pessôa

O performer Dielson Pessôa

O silêncio e o caos

Dielson provoca interação com o espectador

Palco Giratório

O olho, o gesticular dos dedos e da cabeça, o movimento desordenado que se irradia por todo o corpo. Dielson Pessôa é um louco, um desajustado passando por um surto psicótico, no solo O silêncio e o caos, que estreou ontem (28), no Teatro Marco Camarotti, dentro da programação do Palco Giratório.

O corpo parece não encontrar o equilíbrio e vai se quebrando diante dos espectadores ao som da potência da música de Renato da Mata (A trilha é, na realidade, de AD Ferreira. A ficha técnica divulgada no catálogo do Palco está errada!). O performer provoca a “normalidade” e nos coloca quase como espectadores de uma experiência científica, acompanhando os passos de um rato de laboratório que pode nos desconsertar pela capacidade de expor o que nos dá repulsa. Os dedos lambidos, o olhar que amedronta, a presença que se instaura independentemente das barreiras.

O espaço limitado pelas pessoas é quebrado pela “invasão” de Dielson. Algumas vezes, ele apenas passa ao lado se exibindo ao espetáculo da apreciação; mas é muito mais provocador quando chega perto, quando parece que vai encostar ou realmente toca o público. Sempre com um olhar perturbador, na iminência de uma ação que pode não nos deixar intactos. Que certamente não nos deixa.

Noutro momento do espetáculo, o próprio performer coloca os ganchos das cordas no figurino. Como se estivesse atando-as ao corpo. A camisa de forças reprime, a música clássica se mistura à eletrônica, a potência da loucura na arte se irradia. Mas essa loucura é vista como prisão; com um peso que o personagem não consegue carregar.

Quais são os limites entre a sobriedade e a loucura? A linha parece muito tênue; como se todos, em algum momento da vida, estivéssemos a um passo do transtorno mental. A loucura, aliás, é medida em relação a uma dita normalidade, definida por padrões sociais, humanos. Escrevendo para a Cult de outubro do ano passado, o psicanalista, psiquiatra e professor Mário Eduardo Costa Pereira fala sobre os manuais de diagnóstico psiquiátricos. “É interessante observar que apesar de se servirem decisivamente da noção de ‘mental disorder‘ (transtorno mental), definida de maneira pragmática, nenhuma edição do DSM (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, da Associação Psiquiátrica Norte-Americana) preocupou-se em delinear a ‘order‘ face à qual determinado comportamento ou estado mental constituiria uma ‘disorder‘.”

Em O silêncio e o caos, ainda são os estereótipos do que conhecemos como loucos, as características externas, o olhar, o gesto, a inquietude, que denunciam o que virá na cena – é fato que essa não se limita a tais parâmetros, se expande, toma força. Mas de que forma esses conceitos pré-estabelecidos (ou seriam mesmo características intrínsecas ao transtorno mental, das quais o espetáculo não poderia fugir?) são desestabilizados pela obra de arte?

Outra questão diz respeito à loucura como detonadora de potências, como o estopim da sensação de liberdade, mesmo que falsa, mesmo que esse conceito de liberdade possa ser bastante discutido. Quando o surto se instaura, não agimos mais de acordo com regras e convenções. Mesmo assim, não há o ensaio dessa liberdade no solo, mas sempre o aprisionamento, a angústia, a opressão sem escapatória.

Dielson Pessôa é um pernambucano de 29 anos que dançou por oito na Cia de Dança Deborah Colker e passou ainda pelo Balé da Cidade de São Paulo. Em 2007, ganhou o prêmio de melhor bailarino pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). A presença efetiva de Dielson em cena é o que mais se sobressai no espetáculo: o seu domínio do discurso que se reflete no corpo, em conseguir que o outro entenda esse universo, mesmo que ele seja tão particular, tão impenetrável. Dielson expôs a sua própria bipolaridade, mas não fez do espaço cênico local de terapia. Transformou a experiência e o conhecimento em obra de arte – e, por isso mesmo, capaz de nos levantar tantos questionamentos, de nos fazer querer discutir sobre.

O encontro entre Dielson e Maria Paula Costa Rêgo, que assina a direção do espetáculo, é provocador. Não tem como deixar de lembrar que, ano passado, Maria também ganhou um APCA por seu solo Terra. Os dois são criadores capazes de friccionar as próprias certezas, de brincar com as possibilidades do corpo, da cena, da mensagem.

Além da música de Renato da Mata AD Ferreira, também se mostra fundamental para a dramaturgia que se estabelece a iluminação de Jathyles Miranda – como ele conseguiu compreender e traduzir em luz a movimentação de Dielson em cena. É de uma beleza que desconcerta, ao chegar com tanta definição somente ao local desejado, ao se espalhar como sangue ou se incorporar ao cenário de Dantas Suassuna. O figurino, que também se mostra um elemento dramatúrgico, tem a assinatura de Gustavo Silvestre.

Em O silêncio e o caos a intensidade é a da loucura. Da eletricidade que percorre não só o corpo, mas principalmente a mente. Que desestabiliza e nos tira as certezas. Loucura que é como a própria arte – provocadora, inquietante, instável. E mesmo quando as luzes acendem, as palmas ecoam e o espaço começa a ficar vazio, é difícil retomar o ritmo da “normalidade”. Não faz mal. Talvez ela nem exista mesmo – seja na arte ou na própria vida.

Performer se relaciona com alguns espectadores de forma direta

Performer se relaciona com alguns espectadores de forma pessoal

Música é de Renato da Mata e iluminação de Jathyles Miranda

Música é de Renato da Mata AD Ferreira e iluminação de Jathyles Miranda

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