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As lutas pela Terra dos índios

Terra, Maria Paula Costa Rêgo. Foto: Guto Muniz /Dvulgação

Maria Paula Costa Rêgo espalha beleza no espetáculo que fala sobre indígenas Foto: Guto Muniz /Divulgação

Quanta deslealdade, covardia, desumanidade enfrentam os indígenas brasileiros até hoje. Os gananciosos da terra impingem a pecha de inimigo aos povos primordiais. E partem para o ataque pelas vias legais, com criações de leis que retiram direitos das tribos. Operam na parcialidade da mídia e constroem narrativas que tentam justificar o saque aos territórios. As ideias tacanhas de superioridade persistem na mente dos que defendem commodities, manipulados pela política neoextrativista do governo e pelos saqueadores legitimados em ruralistas e poderosas mineradoras. 
Os estragos são medonhos aos recursos naturais do País. É possível que não tenhamos noção.

Um pouco desse quadro inspirou a coreógrafa e bailarina Maria Paula Costa Rêgo, do Grupo Grial de Dança, a montar o solo Terra. O espetáculo rendeu o prêmio de melhor criadora-intérprete da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) para Maria Paula. Além de cinco troféus do Prêmio Apacepe de Dança 2014, do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos, nas categorias Melhor Espetáculo, Trilha Sonora, Figurino, Bailarina e Iluminação. 

A peça coreográfica traz uma radicalidade política dos guerreiros que persistem na luta contra a destruição da Amazônia, suas riquezas e culturas e de outros territórios. Dos que resistem pela terra a dentro desse Brasil afora. Nos passos e gestos pulsam uma ligação com o solo venerável e com a natureza.

Após penúltima apresentação de Terra, sexta-feira (10/02), na curta temporada do espetáculo na Caixa Cultural Recife, pergunto o que Maria Paula encontrou no lugar mais próximo que chegou do índio brasileiro. Ela responde, tristeza. E explica que sua pesquisa ficou à margem de tribos de resistências, que não dão confiança ao “homem branco”, com razão; que sofrem com as manipulações governistas de entidades que deveriam defendê-las. 

Na sua investigação Maria Paula e seu diretor Eric Valença encontraram os indígenas desgarrados de suas tribos, bêbados e degradados vivendo das migalhas do capitalismo e ainda assim levando na bagagem sombras dos símbolos de sua cultura. Dessas raspas, dessas frestas, dos assombros cometidos pela barbárie de grupos anti-indígenas são erguidas imagens de uma força metafísica.

tera foto guto muniz

foto: Guto Muniz / Divulgação

 Meia tonelada de areia no palco. Foto: Marcos Aurélio / Divulgação

Meia tonelada de areia no palco. Foto: Marcos Aurélio / Divulgação

Maria Paula ocupa o espaço com seu virtuosismo e abraça a luz de Luciana Raposo. Com essa iluminação, o local é povoado de outros seres, a guerrear, brincar e fazer seus rituais. Os movimentos e a materialidade formada pela areia jogada ao ar e a iluminação precisa criam corpos que dialogam com a bailarina. A lona, que ora representa a terra invadida, que resiste, que esconde riqueza, possibilita ótimas combinações coreográficas.

A trilha sonora de Naná Vasconcelos convoca tribos diversas desses Brasil das desigualdades. Elas vão para a guerra, mas também mostram inocência e alegria da descoberta e muitos atributos estéticos, traduzidos nos efeitos sonoros desconcertantes, que criam  onomatopeias e sons da natureza com muito rigor.

São muitas problematizações desse estanho mundo contemporâneo levantadas pela encenação Terra, guiadas nos passos da tradição dos brincantes populares, que já fazem parte da pesquisa do Grial.

Plena e consciente do domínio da emoção que pode extrair do seu corpo, Maria Paula vivencia os vários estados de espírito dos índios nossos irmãos de misérias e de grandezas.

Para o índio, a terra é sagrada. Não pode ser encarada como algo que a cobiça desmedida do homem civilizado sangra até exaurir. A intérprete insiste nesse acorde e cria imagens que traçam um caleidoscópio histórico, desde os exploradores das primeiras colonizações europeias, aos violentados atuais nos seus direitos conquistados.

Esse é um dado aterrador. Mas, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade, durante a ditadura militar brasileira, pelo menos oito mil indígenas foram assassinados, por ação ou por omissão do Estado. 

A invasão dos territórios continua, os massacres e todas as violências se inscrevem nos giros no ar desse espetáculo tão repleto de sentidos, nos rolamentos e em toda a habilidade da bailarina de jogar com meia tonelada de areia instalada na cena.

Como defende o organizador do livro Memórias sertanistas: Cem anos de indigenismo no Brasil (Ed. Sesc), “Não é preciso ‘genocidar’ os indígenas para que outros brasileiros, nas cidades, sejam felizes”. Terra grita pela defesa do índio e mostra as armas se for necessário ir pro ataque. Com coragem, humanidade e beleza.

Ficha técnica:
Direção: Maria Paula Costa Rêgo e Eric Valença
Intérprete: Maria Paula
Trilha sonora: Naná Vasconcelos
Figurino: Gustavo Silvestre
Luz: Luciana Raposo
Pintura de cenário: Manuel Dantas Suassuna.

Serviço
Terra – Grupo Grial de Dança
Onde: CAIXA Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife, Recife/PE)
Quando: 2 a 4 e 9 a 11 de fevereiro de 2016, às 20h
Ingresso: R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia)
Informações: (81) 3425-1915
Classificação indicativa: 16 anos
Duração: 45 minutos

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Coragem de ser Terra para mãos, pés e vistas

 

Maria Paula Costa Rêgo no espetáculo Terra. Foto: Guto Muniz / Divulgação

Maria Paula Costa Rêgo no espetáculo Terra. Foto: Guto Muniz / Divulgação

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As conquistas e perdas dos povos indígenas e a certeza de que a luta continua. Foto: Guto Muniz/ Divulgação

O quanto de índio há em você, cidadão brasileiro? questiona o espetáculo Terra, derradeira parte da trilogia Uma história, duas ou três, do Grupo Grial, concebido e dançado pela bailarina e coreógrafa Maria Paula Costa Rêgo. E se posiciona a favor dos povos primordiais, que historicamente foram ameaçados, subjugados e rebelados; que tiveram seus territórios confiscados por leis feitas pelos beneficiários. Resistiu, Resiste.

Terra condena nos passos da dança contemporânea o genocídio desses povos e o preconceito que persiste até hoje. No corpo da bailarina pulsa a identidade e os movimentos das manifestações populares indígenas do Nordeste brasileiro.

Diálogo com o presente e com a luta. A peça coreográfica tem direção assinada por Maria Paula Costa Rêgo e Erick Valença. A trilha sonora, criada pelo percussionista Naná Vasconcelos, está carregada de efeitos sonoros, com onomatopeias e sons da natureza. E o cenário é assinado pelo artista plástico Manuel Dantas Suassuna.

A temporada integra as comemorações de 20 anos do grupo Grial, criada por Ariano Suassuna e Maria Paula Costa Rêgo e vai de 2 a 4 e de 9 a 11 de fevereiro de 2017, na CAIXA Cultural Recife.

A encenação é uma das mais premiadas do grupo. Terra ganhou o Prêmio APCA de 2013, na categoria Intérprete-Criadora, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. O solo também arrebatou cinco troféus do Prêmio Apacepe de Dança 2014, do Festival Janeiro de Grandes Espetáculos.

Entrevista: Maria Paula Costa Rêgo

 Bailarina e coreógrafa do Grupo Grial. Foto: Victor Muzzi

Bailarina e coreógrafa do Grupo Grial. Foto: Victor Muzzi

Ariano Suassuna criou junto com você o Grupo Grial em 1997. Que falta faz Ariano Suassuna para você?
Eu gostava de mostrar a obra finalizada para Ariano, e discutir aquele material. A conversa era sempre muito maior, ele mostrava vídeos e músicas e dava muitas voltas em torno da arte almejada por nós. Este PAR, está me fazendo muita falta.

Qual a importância do Balé Popular na sua vida?
Foi minha segunda grande vivência, e sem ter passado pelo Balé Popular do Recife, eu certamente não teria chegado ao Grupo Grial.

Prêmio é importante? Por quê e para quê?
Quando uma instituição de respeito reúne pessoas conceituadas na sua área, para decidirem quem deve ganhar um prêmio pela sua obra, este prêmio tem um valor imensurável. Abre portas, chama olhares, além de confirmar que as suas escolhas estéticas reverberam de alguma forma.

Como você ultrapassou os limites territoriais e venceu o Prêmio APCA de 2013?
Os limites territoriais são ultrapassados quando acreditamos que ele não existe. Existe a dificuldade financeira, mas criamos espetáculos pensando em alcançar o mundo, então estas dificuldades diminuem.

Qual o seu pensamento em dança e como ele foi construído?
A minha primeira experiência de dança foi com Improvisação, e com o aprimoramento desta técnica, eu tive conhecimento do meu corpo e da capacidade que este corpo tem de materializar sentimentos através da qualidade dos seus movimentos. Ao vivenciar o Balé Popular, eu me joguei naquilo que, para mim, era muito mais que o movimento da dança popular, era o jogo cênico da brincadeira. Estava largada a minha jornada no universo das tradições.
Quando viajei para a França, meus estudos giravam em torno desta questão, mas eram sempre na teoria que eu evoluía. A prática deste discurso veio a se concretizar com a criação do Grupo Grial em 1997. De lá para cá, são as criações que me dão as respostas para minhas questões de construção de uma dança onde o cerne é a tradição popular. Cada criação coreográfica, uma pergunta e, certamente, 2500 respostas!

Poderia elucidar a frase de que o Grupo Grial faz criações com temas e inspirações populares trabalhadas numa chave erudita, porque isso parece um bordão.
O Grupo Grial trabalha com o UNIVERSO DAS TRADIÇÕES festivas e sagradas brasileiras. Quando adentramos nestes universos, os percebemos pelos nossos “olhos” de estrangeiros. Vivenciamos de dentro, ao mesmo tempo que ligamos uma segunda intenção que fica no alerta, “à cata” de elementos de criação contemporânea, de composição coreográfica (e tudo que ela engloba). Essa percepção pode acontecer muito rápido, como pode durar anos! Esse material (imaterial) se amalgama com nosso fazer de dança diário (estudos técnicos e teóricos), e que, juntos, ficam à serviço das nossas criações coreográficas.

Terra é um solo da Maria Paula, criação do grupo Grial que leva para a cena uma discussão densa sobre as origens do Brasil, através da metáfora da terra, do chão que pisamos. O que você acrescenta para falar de Terra.
TERRA, é também uma metáfora do homem moderno que tem se deixado roubar seus espaços (a palavra espaço significa também conquistas sociais).

O tempo traz experiência, mas deixa suas marcas no corpo, na presteza do gesto. Como criadora o que significa dançar hoje? Quais as diferenças de 20 atrás?
TODAS AS DIFERENÇAS! Antes eu colocava o vigor à serviço do que eu estava interpretando, hoje eu coloco a minha dramaturgia corporal a serviço da história.

Sempre me parece muito estranho traduzir corpo em movimento, energia, desenho coreográfico, a dança contemporânea para texto. Colocações como “O trabalho aborda temáticas como memória, tempo e transformações da nossa história” me parecem muito vagas.
Então o que significaria: “As coreografias trazem referências das manifestações populares do Nordeste transformadas em DNA para os passos de Maria Paula Costa Rêgo”?

DNA é algo que nos pertence, do que somos feitos. O Brasil tem muita dificuldade de assumir sua descendência indígena ou africana. Para a maioria de nós, somos descendentes apenas dos povos europeus!! Quando falamos que trago nos meus movimentos este DNA é que assumo a minha herança e a do lugar em que vivo, e coloco minhas criações à serviço deste norte.

Ficha técnica:
Direção: Maria Paula Costa Rêgo e Eric Valença
Intérprete: Maria Paula
Trilha sonora: Naná Vasconcelos
Figurino: Gustavo Silvestre
Luz: Luciana Raposo
Pintura de cenário: Manuel Dantas Suassuna.

Serviço
Terra – Grupo Grial de Dança
Onde:CAIXA Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife, Recife/PE)
Quando: 2 a 4 e 9 a 11 de fevereiro de 2016, às 20h
Ingresso: R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia)
Bilheteria: vendas a partir das 10h do dia 1/02 (para os dias 2 a 4) e do dia 8/02 (para os dias 9 a 11)
Informações:(81) 3425-1915
Classificação indicativa: 16 anos
Duração: 45 minutos

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O dito e o não-dito do corpo

Em circulação nacional, espetáculo de dança Morder a Língua chega ao Recife. Foto: Tristán Pérez-Martín

Em circulação nacional, espetáculo de dança Morder a Língua chega ao Recife. Foto: Tristán Pérez-Martín

A turnê nacional do espetáculo de dança contemporânea Morder a Língua chega ao Recife para quatro apresentações. De 11 a 14 de agosto, a peça fica em cartaz no Teatro Marco Camarotti, Sesc Santo Amaro. A criação foi feita em conjunto por três artistas de países diferentes: o coreógrafo pernambucano, que hoje reside na Espanha, João Lima, a espanhola Anna Rubirola e a argentina Cecilia Colacrai.

Morder a língua investiga a comunicação e a linguagem entre as pessoas – principalmente a que não é verbalizada. E tem como eixo a tensão entre diferentes planos da linguagem coreográfica. Do significado e do significante. As relações entre gestos e palavras e questiona as possibilidades expressão e comunicação a partir do corpo.

É um trabalho minimalista. A montagem não utiliza objetos, mas conta com sonoplastia e trilha original. O espetáculo é executado nesta turnê por João Lima e Cecilia Colacrai.

A obra foi contemplada pelo Prêmio Funarte Klauss Vianna 2014 e recebeu o incentivo do Iberescena – Fundo de Ajuda para as Artes Cênicas Ibero-americanas e estreou na Espanha em dezembro de 2014. No Brasil, O espetáculo já passou pelas cidades de Palmas (TO), São Paulo (SP), Cuiabá (MT), Teresina (PI) desde julho deste ano.


FICHA ARTÍSTICA
Criação: João Lima, Cecilia Colacrai e Anna Rubirola
Interpretação: João Lima e Cecilia Colacrai
Direção artística e dramaturgia: João Lima
Colaboração nos textos: Pablo Colacrai
Desenho de som: Andy Poole
Desenho de luzes: Joana Serra
Fotos e vídeos:  Tristán Pérez-Martín
Incentivos: Prêmio Funarte Klauss Vianna e Iberescena
Agradecimentos: Núria Bernaus, Maria Edite Costa Lima, Pablo Ramirez, Maria Cristina Boa Nova, Marcelo Pedroso e Símio Filmes, Lucas Koester, Alice Coutinho, Marcelo Evelin e Regina Veloso (CAMPO), Mireia de Querol, Guillem Mont De Palol, El Conde de Torrefiel, Oscar Abril Ascaso e Llorenç Parra.
Duração: 45 minutos

SERVIÇO
Morder a Língua
Onde: Teatro Marco Camarotti – Sesc Santo Amaro
Quando: 11 a 14 de agosto. De quinta a sábado às 20h, domingo às 18h.
Ingresso: R$ 20 inteira / R$ 10

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“No meu palco vazio existem muitos mortos”

Ikiru - Um réquiem para Pina Bausch. Fotos: Renata Pires/divulgação

Ikiru – Um réquiem para Pina Bausch. Fotos: Renata Pires/divulgação

O bailarino japonês Tadashi Endo nos faz experimentar muitas sensações através da sua dança, do duelo entre a delicadeza e a força das imagens que constrói com o corpo no palco. Tadashi é um dos discípulos de Kazuo Ohno, criador do butoh ao lado de Tatsumi Hijikata. Desde 2002 vem regularmente ao Brasil, principalmente a convite do LUME Teatro, de Campinas. Já fez algumas temporadas pelo país, mas só chegou ao Recife semana passada, para apresentar o espetáculo Ikiru – Um réquiem para Pina Bausch. No solo, Tadashi trata de vida e morte; lembra Pina, Michael Jackson (de quem era fã: “ninguém consegue dançar como ele) e Kazuo Ohno. Dança com os mortos e, mais do que isso, consegue trazê-los de volta – ao menos sentimentalmente. Esta é a primeira parte de uma conversa que Tadashi teve com jornalistas na véspera da sua estreia no Recife, na Caixa Cultural.

Entrevista // TADASHI ENDO – Parte I

Bailarino japonês fez quatro sessões com ingressos esgotados na Caixa Cultural

Bailarino japonês fez quatro sessões com ingressos esgotados na Caixa Cultural

Butoh
Nos anos 1950, o butoh era mais um protesto contra a americanização do teatro e da dança japonesas. E nós fazíamos muito mais happenings. Isso significa que este tipo de manifestação contra alguma coisa não era como dança. Depois, Tatsumi Hijikata, o fundador do butoh, descobriu especialmente o corpo do japonês e a vida do japonês. Se nós dançamos, geralmente toda a educação de dança vem do balé clássico. O exemplo típico é um tipo de beleza, um tipo de luz, suave, mais branca e alta, todas essas direções positivas. O butoh é exatamente o oposto, porque a nossa vida existe muito mais com problemas, é muito mais suja, feia. E é preciso descobrir isso com o nosso corpo; não apenas do lado iluminado, mas também do outro lado, entre os dedos, atrás da orelha, debaixo do queixo, no pescoço. Isso é muito importante para o butoh, especialmente o nosso corpo. A nossa criação de dança começa no nosso corpo e dentro do nosso corpo. Se falamos em espaço, a dança contemporânea usa o espaço através das linhas diagonais, retas, verticais, circulares. Esse espaço para o butoh existe dentro do corpo, entre as costelas, entre os dedos. Esse espaço chamamos de cosmos. Estamos dentro de um grande cosmos, mas isso aqui (aponta para o corpo) é cosmos, é universo. Então a paisagem do corpo pode dançar – e algumas vezes acontecem terremotos e algumas vezes tsunamis, cachoeiras. Tudo isso acontece dentro do corpo. Esse espaço é muito importante e é o ponto principal do butoh.

Teatro ocidental x teatro oriental
Essa distinção é importante, mas temos que pensar em dois pontos diferentes. Um é, por exemplo, se você fala em teatro noh, kabuki, bunraku, que são manifestações tradicionais de teatro e dança do Japão, eles ainda são exóticos para os estrangeiros. Mas o butoh veio do Japão e, especialmente, a dança do butoh é para o corpo japonês. Isso foi no começo. Mas agora mais pessoas fora do Japão dançam butoh – no Brasil, no México, na Argentina, na Europa, na África. As pessoas dançam butoh. Mas no Japão, isso acontece mais ou menos. O butoh não é popular. Se você perguntar aos japoneses sobre o butoh, eles não sabem. O butoh veio do Japão, mas agora as sementes do butoh foram espalhadas em tantos lugares e estão surgindo flores dessas sementes. É claro que não é algo que podemos dizer que é uma dança japonesa apenas. Mas para mim é importante. Eu moro na Alemanha e trabalhei com muitos não-japoneses: europeus, americanos, brasileiros, mas trago o espírito do butoh para eles, não o estilo do butoh. Então desejo o butoh brasileiro. Há dois anos trabalhei em Salvador com um grupo afro-brasileiro. Então era butoh afro-brasileiro. Porque não? Os corpos são diferentes, eles são negros, a energia é diferente. Mas a Bahia não é somente alegria…há outro espírito. Isso é interessante. Mas se as pessoas imitam o butoh japonês, há algo errado. Esse não é o meu desejo.

Tadashi Endo é um dos discípulos de Kazuo Ohno

Tadashi Endo é um dos discípulos de Kazuo Ohno

Trabalho
Eu tive muita sorte de vir para o Brasil e, da primeira vez que fiz o meu solo e dei um workshop, de começar a trabalhar com o LUME Teatro. E eu fiquei muito surpreso porque eu pensei antes de vir ao Brasil, claro que era muito clichê, eu imaginava o Brasil: sol, Copacabana, capoeira, samba, caipirinha, uma terra da felicidade. Mas quando comecei a trabalhar: “oh, eles também tem um lado negro, muito sensível da vida”. Não é só energia. E então descobri que em cada país existe esse tipo de sensibilidade, um pouco, não uma coisa sentimental, mas um lado negro solitário, único. Mas eu não quis fazer butoh japonês com as companhias brasileiras. Quis pegar mais delas, de cada vida diferente, de cada estilo diferente e, depois, vamos todos dançar sobre a base do butoh. Essa é a ideia. Venho para o Brasil desde 2002 quase todos os anos. O Brasil agora é quase a minha segunda casa, mas ainda não consigo falar português. Para mim, o Brasil é um país muito importante. Dependendo do país, se você trabalha no Brasil, México, Europa, você precisa conhecer primeiro o estilo de vida, não o estilo de dança, ou como eles dançam. A dança contemporânea brasileira, ou européia, ou japonesa, é quase a mesma, mas a vida é diferente e, se você entender esse ponto, então você pode colocar o espírito do butoh em diferentes estilos de vida. Por exemplo, o sentimento de tempo. O sentimento de tempo aqui no Brasil é muito diferente. No Japão, por exemplo, o tempo é muito preciso. No Brasil você espera 30 minutos, é algo normal. E o trem chega pontualmente no Japão, na Europa também e aqui no Brasil, se estiver um pouquinho atrasado, você não vê problema. Mas os brasileiros aproveitam a vida muito mais do que um alemão ou japonês, isso é o que eu acho. Porque nós temos que organizar tudo da nossa vida e morrer? Por que não curtir mais? Esse sentimento eu tenho especialmente no Brasil.

Manifestações no Brasil
Mais um ponto que eu quero falar: sobre as manifestações no Brasil. Quando eu estava em Fortaleza, todos os dias eu tinha que me apresentar, mas todos os dias, milhares de pessoas estavam nas ruas e também houve violência. Eu gosto de ver futebol e o Brasil é o principal país do futebol, o futebol brasileiro é tão popular. Mas nesse país vi tantos problemas. Prefiro parar a Copa do Mundo ou a Copa das Confederações e então começar a pensar: o que é realmente importante para nós? Esse ponto inicial podemos achar agora se fizermos mais. Eu tive sentimentos parecidos dois anos atrás quando houve o tsunami e aquela tragédia nuclear em Fukushima, um completo desastre. E o Japão foi o único país que recebeu uma bomba atômica. Porque o governo japonês não parou esse momento todos os reatores nucleares do país? A Alemanha parou. Mas outros países estão criando reatores nucleares novamente. Porque não podemos mudar desde a nossa base? Foi uma grande chance, mas isso não aconteceu. Eu estou muito desapontado, com raiva…Isso não está diretamente conectado com a minha dança do butoh, mas num ponto sim: em todo tempo, você precisa ser radical. Isso para um bailarino de butoh também. Eu crio algo e depois destruo. Nunca estou feliz com a minha peça. Não quero ficar feliz. Quero mais, mais, nunca parar. Do contrário, me torno muito preguiçoso e paro.

Espetáculo homenageia Pina, Michael Jackson e Kazuo Ohno

Espetáculo homenageia Pina, Michael Jackson e Kazuo Ohno

Pina Bausch
Pina Bausch e Kazuo Ohno eram bons amigos. Minha relação com Pina era realmente mais privada. Nunca aprendi com ela a dança-teatro e também nunca segui exatamente o trabalho dela. Mas eu a encontrei algumas vezes em festas e eram festas bem privadas porque as festas eram organizadas por Pina para Kazuo Ohno e quando Kazuo Ohno foi para a Europa, eu estava o tempo inteiro com ele como um assistente. E então nós bebemos juntos, fumamos, ela era uma fumante inveterada, o tempo todo fumando. E o carisma dela era tão maravilhoso; ela era famosa no mundo inteiro, mas nunca se mostrou: “eu sou uma grande bailarina” ou falou sobre outros bailarinos. Não, sempre muito tímida. Mas quando ela viajava, para Turquia, Japão, Israel, para qualquer lugar, em cada país diferente, ela criava diferentes peças. Porque ela me disse, como eu disse agora sobre Brasil, você tem que saber quem mora naquele país e não começar a trabalhar como bailarino. Coloque a vida deles na dança. E por essa razão normalmente quando ela começava, os trabalhos não tinham título, porque como você pode chamar a sua vida no Brasil? Ou no Japão? Eu não sei. A morte de Pina foi um grande choque para mim. E, quatro dias depois, Michael Jackson morreu. Também foi um grande choque. Eu amo Michael Jackson. Eu vi o show dele em Hanôver, num grande estádio de futebol. Fui com minha mulher e meu filho e nós estávamos no campo, em pé, em frente ao palco. Antes do show começar, houve um blecaute. E então uma grande luz. Michael Jackson estava no topo de uma estrutura e estava ventando. Por duas horas fiquei tão fascinado, os movimentos, a voz, a luz, tudo era perfeito. Então nós perdemos nosso filho. Meu filho tinha nove anos e olhei: “oh, droga! Milhares de pessoas. Nós perdemos nosso filho!” Mas, de novo, Michael Jackson, esqueci completamente meu filho. Quando o show terminou, achei um guarda e perguntei se ele tinha visto meu filho. Meu filho naquela época era muito fã de Michael Jackson, dançava um pouco de break, tinha um boné vermelho e luvas brancas. Nós achamos nosso filho. Onde estava meu filho? Ele estava no palco, ao lado do palco e ele estava tão feliz, sorrindo. “Papai, eu vi Michael Jackson a cinco metros de distância”. “Como você veio para o palco? É impossível”. “Dois seguranças, quando teve o blecaute, as pessoas começaram a vir para frente, era perigoso. Então os seguranças me colocaram no palco”. Os seguranças foram embora e meu filho não sabia o que fazer. Ficou o tempo todo no palco! Eu fiquei com tanta inveja! Gosto do Michael Jackson por causa da sua perfeição e uso algumas vezes suas músicas, seu ritmo, mas não posso dançar como Michael Jackson, ninguém pode. Mas eu quero capturar esse sentimento. E em Ikiru, eu queria dizer muito obrigado a Pina Bauch porque você me deu muita energia, e ambição, e coragem. Ela nunca me ensinou, nunca tive uma aula com ela. Mas se você conhece Pina, você entende mais do que técnicas de dança e por essa razão eu queria dizer, obrigado Pina. Mas depois que criei essa peça, também quero agradecer a Kazuo Ohno e a muitos mortos: obrigado Michael Jackson. Muitas pessoas que já morreram me ajudaram. Quando danço, é sempre uma homenagem a muitas pessoas que já morreram, não só Pina Bausch, mas Kazuo Ohno, e também meu irmão mais novo. E se eu sinto que continuo vivo, tenho que me tornar mais forte. Essas pessoas mortas me ajudaram nesse caminho. Claro que o público é importante, mas normalmente quando danço, no palco, tudo é vazio. Mas porque danço? Por causa do sentimento, da alma. Do contrário, meu movimento de dança é só técnica, movimentos técnicos. No meu palco vazio existem muitos mortos. E isso é o que eu sinto especialmente em Ikiru.

Demonstração de trabalho – No sábado, para uma plateia de bailarinos, atores, diretores, professores e jornalistas, Tadashi Endo fez uma demonstração de trabalho. Gravamos um trechinho:

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Dança contemporânea na festa da Conceição

Grupo Experimental faz duas sessões de Conceição. Foto: Sobrado 423

Grupo Experimental faz duas sessões de Conceição. Foto: Sobrado 423

Foi na festa de Nossa Senhora da Conceição, realizada no dia 8 de dezembro, que o Experimental – um dos principais grupos de dança contemporânea de Pernambuco – mergulhou para criar o espetáculo Conceição. A coreografia será apresentada em duas sessões, neste sábado e domingo, às 20h, no Teatro Hermilo Borba Filho (Bairro do Recife).

Mônica Lira e seu grupo tomaram como ponto de partida a religião e, principalmente, a fé do povo que acompanha a festa do Morro, no bairro de Casa Amarela, no Recife. Durante dois anos, os bailarinos acompanharam a celebração: viram de perto o que levava as pessoas a vestir azul e branco, subir a ladeira de joelhos e pagar as mais impensáveis promessas.

Relacionaram então fé, sincretismo, identidade e feminino para criar o espetáculo, estreado em 2007. Em 2010, o grupo foi selecionado pelo Palco Giratório e circulou o país inteiro – passaram por 42 cidades.

Depois dessas duas sessões no Recife, o grupo segue para uma nova empreitada. Desta vez, com o apoio do Funcultura, vão circular pela América do Sul – Bolívia, Argentina e Chile. Serão 11 apresentações e oito oficinas/workshops.

Ficha técnica:

Direção, concepção e coreografia: Mônica Lira
Bailarinos-criadores: Lili Rocha, Jaunária Finizola, Jennyfer Caldas, Mônica Lira, Patrícia Pina Cruz, Rafaella Trindade, Daniel Silva, Everton Gomes, Ramon Milanez
Trilha sonora original: Tomas Alves Souza
Criação e operação de iluminação: Alberto Trindade
Desenho de Cenografia: Marcondes Lima
Confecção de cenografia: Coletivo Pardieiro
Figurinos: Marcondes Lima e Maria Agrelli

Serviço:
Conceição (Grupo Experimental)
Quando: sábado (25) e domingo (26), às 20h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)

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