Noite de domingo. A Avenida Norte tranquila de fazer gosto. Enquanto dirijo em direção ao Teatro Capiba escuto uma música e vou rememorando. Já tinha visto Aquilo que meu olhar guardou para você, do Grupo Magiluth, três vezes: na estreia, no Teatro Hermilo Borba Filho, na temporada no Joaquim Cardozo, e no Apolo, durante o Trema! – Festival de Teatro de Grupo do Recife. Ah…com um detalhe importante: tudo já devidamente registrado em palavras.
Fui me perguntando se ainda encontraria algo novo; se de alguma forma me surpreenderia. E olhe que nessas elucubrações Candeias-Casa Amarela preciso confessar que veio uma vontade enorme de dar um Ctrl C + Ctrl V em algum texto meu mais antigo. Será que poderia ser considerado plágio? Irônicos e sarcásticos que são, os integrantes do Magiluth até me apoiariam. Seria certamente uma crítica sucesso de compartilhamentos no Face, carentes que estamos de pertinências, amantes de polêmicas vazias.
Mas ‘plagiando’ Pedro Wagner, numa entrevista que fiz com o grupo por conta da estreia do terceiro trabalho do ano – Luiz Lua Gonzaga -, “teatro é foda”. Principalmente para quem passa oito horas do dia numa sala já não tão calorenta no Bairro do Recife; para quem enxerga nisso meio e fim; para quem ama tanto que é capaz de dar a cara a tapa. Minha dedicação como jornalista e ‘crítica’ nem é tanta assim. Mas para mim, assim como observo que para o Magiluth, “é um negócio sério pra caralho”, não é Pedro?
Por isso que a dúvida, logo que começa a sessão da Mostra Capiba, se esvai. Sempre tem algo novo. Sempre algo é revelador. Um olhar, um gesto, uma palavra que você nem tinha percebido da última vez. Uma delicadeza, uma poesia ou até mesmo uma grosseria. Aquilo que meu olhar guardou para você, que surgiu a partir de um encontro com o Teatro do Concreto, de Brasília, várias fotos do Recife e a experiência com o diretor Luiz Fernando Marques, do grupo paulista XIX, é uma montagem extremamente viva. Pulsante. E como cresceu desde a estreia, considerada caótica pelo grupo, em janeiro.
São questões importantes discutidas sem pretensões formais ou acadêmicas. Sem a pompa e circunstância que muitas vezes alguns levam ao palco. Que lugar é esse do ator que parece não se vestir de um personagem? Que é chamado pelo próprio nome na peça? Que lugar tem essas memórias e as experiências pessoais levadas ao palco? Que importa a mim saber que Erivaldo Oliveira queria ser padre ou que o avô de Giordano trabalhava no Mercado de São José? Mas peraí – será que tudo isso é mesmo verdade? Quais são os limites entre ficção e realidade? De que forma o público pode se posicionar diante de um espetáculo desses? Será que o público deseja ser coautor?
Muitas perguntas que não precisam ser respondidas no sopro. Ou enquanto dura a montagem. Mas que fazem parte de uma linguagem que não pode ser ignorada. Que certamente tem admiradores, mas também críticos. Principalmente com relação a uma questão por demais inquietante: o que é ser ator de verdade? Será que esses atores – e aí isso é muito mais amplo do que o Magiluth – que estão embarcando por esses caminhos também se ‘sustentam’ em montagens tradicionais?
É importante dizer que não vi as primeiras montagens do Magiluth – Corra e Ato. Mas desde Um torto percebo um amadurecimento de linguagem, de experimentação, de dramaturgia e também nos próprios atores; além, é claro, da experiência de gerir um grupo e conseguir manter um trabalho continuado. Um torto, por exemplo, traz muitas questões que só vão ser discutidas de forma mais clara em Aquilo que meu olhar guardou para você; e talvez se aproximem do público de maneira mais efetiva com Luiz Lua Gonzaga, que eu ainda não vi, mas que é a primeira montagem do grupo pensada para a rua. O canto de Gregório e Um torto Viúva, porém honesta são experiências com dramaturgias mais formais, mas nem por isso menos instigantes. Pelo contrário – são peças fortes, de muita ironia, sarcasmo, de construção de um discurso.
Talvez na Mostra Capiba, em muito por conta da proximidade que o teatro proporciona com o público, tenha sido a minha melhor experiência com Aquilo que meu olhar guardou para você. Um momento para perceber mais de perto a dor da partida, os amores desfeitos, a busca por uma tal verdade. E para acompanhar a surpresa do público, a reação ao ter que subir ao palco, a surpresa de receber uma carta, de ouvir a música preferida tocar na peça.