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Circo social em livro

Colaboração de Tatiana Meira

Montagem O vendedor de caranguejo / Foto: Jorge Clésio

Corria o ano de 2002 e a equipe dos canadenses do Cirque du Soleil estava em Pernambuco e buscava um espaço para ministrar uma oficina com os integrantes da Escola Pernambucana de Circo (EPC). Conseguiu fazer o curso com os monitores da ONG no Sesc Piedade, onde já trabalhava o ator e diretor de teatro Rudimar Constâncio. “Desci para ver o trabalho e fiquei encantado”, recorda Rudimar, que lança hoje o livro Circo social: A experiência da Escola Pernambucana de Circo, na Estação Cultural Senador José Ermírio de Moraes, em Piedade.

Fruto do curso de especialização no Ensino de Artes da Universidade Federal de Pernambuco, a pesquisa foi realizada por Rudimar Constâncio em 2005 e recebeu atualização para a publicação, com patrocínio do Funcultura (de quase R$ 30 mil). A construção da nova sede da Escola, construída com a ajuda da Oxfam, na Vila do Buriti, na Macaxeira, há três anos, foi acrescentada ao estudo, inclusive com imagens. O professor Marco Camarotti chegou aser convidado para orientar a pesquisa, mas veio a falecer. A tarefa coube a João Denys Araújo, que assina o prefácio do livro.

Ilustrado com fotografias de espetáculos da EPC e com diagramação colorida de Claudio Lira, a publicação registra a trajetória da instituição, mas seu maior mérito é ir além de contar a história e elencar espetáculos e ações culturais. “O mais importante foi fazer o embate entre as opiniões dos integrantes da escola, pois distribuímos questionários para alunos, monitores e funcionários”, conta o autor. “O que me chama a atenção é o aprimoramento técnico. Eles não se dizem profissionais, mas têm ensaios diários, ganham cachê e buscam o apuro estético. Além de serem muito transparentes com as informações, terem uma gestão compartilhada”, ressalta Rudimar.

Para Fátima Pontes, coordenadora da ONG, que entrou na EPC dois anos após a fundação da escola, era um sonho antigo registrar a trajetória deles. Mas faltava um pesquisador que analisasse o processo pedagógico do circo-educação e se dispusesse a conferir se os jovens atendidos pela ONG conseguiram ou não sair da situação de risco social. “Buscamos a construção de uma nova visão da arte circense. É maravilhosa esta visbilidade alcançada pelo livro, que mostra que temos coisas boas e também problemas a sanar”, admite Fátima Pontes.

Ela destaca que atualmente são 20 integrantes na Trupe Circus, o braço artístico da ONG, e mais 80 alunos, entre crianças e adolescentes, na escola, recebendo aulas de música, teatro, dança e circo. Hoje, eles ensaiam um novo espetáculo, Círculos que não se fecham, sobre a violência na juventude, e marcado para estrear em maio. Mas todas as produções da EPC, a exemplo de O vendedor de caranguejo, Presepadas ou Ilusão – Um ensaio melodramático circense, estão elencadas no livro.

Rudimar Constâncio, o autor. Foto: Rodrigo Moreira

Palhaços sabem fazer música

Logo na entrada do casarão à beira-mar, em Piedade, o público será recebido pela Trupe Circus, da Escola Pernambucana, com números de pirofagia, malabares, equilibrismo em perna de pau. Em seguida, às 19h, os doze palhaços do elenco da ONG Doutores da Alegria Recife utilizam seus dotes de cantores e instrumentistas para fazer rir no espetáculo Palhaços em conSerto.

Terceira produção teatral dos Doutores da Alegria na capital pernambucana (onde fizeram sucesso com Poemas esparadrápicos), Palhaços em conSerto é permeado por gags divertidas e dividido em três “atos”. A direção é de Fernando Escrich, com direção artística de Enne Marx. Com alegria e muito bom humor, eles partem das situações cênicas improvisadas nas visitas hospitalares, para chegar a canções criadas pelo elenco e outras de domínio público, além de versões da bossa nova. Para fechar com chave de ouro a noite do lançamento, a cantora Allexa Vieira faz show, defendendo o samba de raiz.

Palhaços em conserto, uma das atrações da noite. Foto: Luciana Dantas

Os Riscos da Beleza
Apresentação de Circo social: A experiência da Escola Pernambucana de Circo, por João Denys

Nesta primeira década do século XXI tenho tido o prazer de escrever prefácios a ensaios relevantes que têm arejado com vigor uma área de publicação até bem pouco tempo escassa em Pernambuco, resultante de pesquisas acadêmicas sobre a arte, mais especificamente sobre o teatro e suas ramificações teóricas, históricas e pedagógicas.O prazer agora é redobrado, quando tenho de revisitar o rico trabalho de Rudimar Constâncio que tive a sorte de orientar no Curso de Especialização em Ensino de Artes, da Universidade Federal de Pernambuco. Aqui, os leitores tomarão contato com uma obra cuja seriedade e honestidade me impressionam e espero impressionem cada receptor interessado em conhecer a experiência ímpar da Escola Pernambucana de Circo, seus propósitos artísticos, formativos e sociais.Seguro o volume dos originais em minhas mãos e sinto o peso da responsabilidade e do compromisso do autor com a produção, ordenação e disseminação do conhecimento. Rudimar faz parte desta plêiade de criaturas múltiplas e ecléticas que conseguem realizar com qualidade, mesmo dividido em inúmeras atividades de natureza distinta.

Folheio, relendo a obra, e observo que o pesquisador não se ateve a publicar o resultado de sua monografia. Ele não a deixou adormecida na gaveta à espera da oportunidade para transformá-la em livro. Pelo contrário, percebo com entusiasmo que ele esteve durante mais de cinco anos burilando e enriquecendo seu material, pondo-o em movimento. Durante este tempo o pesquisador atento atualizou o trabalho, seguiu os novos caminhos trilhados pela Escola, ampliou a documentação, incorporou um amplo dossiê sobre seu objeto de estudo.Até aqui os leitores já chegaram à conclusão de que este prefácio, como a maioria dos prefácios, é redundante, antecipa e louva o que se vai encontrar no bojo da obra, logo pode ser dispensado. Porém, não é bem assim. Embora eu mesmo e muitos leitores não vejamos muita serventia nos prefácios, este pretende não apenas convidá-los à leitura, mas dar um testemunho sobre o que trata Circo social: a experiência da Escola Pernambucana de Circo.

Muito já se falou sobre o circo, sobre o ensino das artes cênicas, sobre os aspectos benéficos da arte à saúde e à formação fraterna do ser humano. Hoje, cada vez mais, acentuam-se os efeitos terapêuticos do riso, da leitura, da performance do clown, do canto, da música, da dança, da representação. As artes formam artistas, acionam as zonas de prazer, acalantam, alimentam, auxiliam no desenvolvimento psicomotor, ajudam nos processos de ensino-aprendizagem, contribuem na formação do cidadão, beneficiam tanto quem produz quanto quem usufrui. No entanto, poucas artes, ou nenhuma delas, se igualam ao circo, no que diz respeito à experimentação prática no laboratório de vida e sociedade em trânsito que o constitui. Não há escola viva que pedagogicamente ponha em risco a própria vida em favor da vida, do prazer, da alegria, das lágrimas, do terror, da compaixão e da beleza. As artes do circo e suas vivências comunitárias, de profunda interdependência humana, exigem do aprendiz uma entrega total para a técnica e para o outro, num processo de árdua construção disciplinar e rigoroso treinamento psicofísico para, nos extremos de uma formação que nunca finda, gerar leveza e poesia.O ensino da arte que se quer integral e politicamente responsável dificilmente atingirá plenamente seus objetivos fora dessa roda e desse moinho movidos e semoventes que denominamos circo. O circo é uma sociedade de labor diuturno; uma sociedade de sonho e fantasia construídos com a energia dos ossos, dos músculos, das peles e da imaginação. É um conjunto fraterno de diferenças; uma Babel de canais comunicantes acionados com a elasticidade muscular e ideacional, com o equilíbrio precaríssimo de tudo, com a força física e criativa, com a comunhão real entre picadeiro e plateia.

A expressão tautológica circo social designa na atualidade a atividade circense que almeja contribuir com o restauro da cidadania de jovens postos em situação de risco pelas elites econômicas, artísticas, espirituais, intelectuais e científicas tanto do Brasil, quanto de outros países corroídos por mazelas sociais. Este circo joga pedagogicamente com a inversão das situações de risco. O risco mórbido, negativo, próprio das perversões da violência, das sombras da criminalidade, das sendas tortuosas das drogas, das margens das margens, do despedaçamento dos valores, isto é, o risco, semente e fruto das desigualdades sociais e matanças mútuas, é substituído por outros riscos: o risco reluzente da dança perigosa, exaustivamente preparada; o risco de ouro dos saltos mortais; o risco em bloco das pirâmides de seres entusiasmados; o risco fulgurante das quedas, das acrobacias, dos volteios, dos malabares, dos vôos dos corpos em estado de graça, dos maneios das figuras em permanente estado de riso; os riscos da beleza. Nenhuma arte cênica expõe com tão exata precisão os poderes do corpo criativo a plateias inebriadas e transfiguradas em crianças.

Para escrever este prefácio, o circo me chamou, Charles Chaplin me chamou, Ingmar Bergman me chamou, O maior espetáculo da terra me chamou, Fellini me chamou, o Circo Portugal me chamou, na minha tórrida terra natal, exatamente entre o Natal e a novidade deste 2011, sem que eu pedisse, para renovar, como a leitura que agora empreendo desta pesquisa, a emoção do globo da morte; para não conter as lágrimas à entrada triunfal dos artistas; para constatar que o descuido, a desatenção, o equívoco, a condescendência não têm lugar nessa galáxia de arte e luta fraterna. Não quero, contudo, fazer do circo um espaço paradisíaco, de amor e concórdia, como poderá parecer este meu discurso. Longe de mim tal idealização. O que enfatizo são os poderes de realização estética em situação de risco que é a própria condição circense. Nessa comunidade, no cotidiano do espetáculo ou fora dele, qualquer descuido é a finitude se fazendo sem retorno.

O circo, como o perfume, nos força a lembrança, a rememoração de um tempo irresgatável, mas latente. O circo faz girar inversamente o motor de nossas idades. Sua lona celeste salpicada de estrelas nos conduz para o tempo morto que se faz vida. Foi no circo que vi meu primeiro drama, meu primeiro espetáculo teatral com efeitos cenográficos inesquecíveis e que, indeléveis, permanecem até o presente em meu espírito criador. O aperto de terror que hoje imagino os primevos espectadores experimentavam ante a tragédia, creio ter sido semelhante ao que senti no circo de minha infância. E que menino ou menina não sentiu esse pavor que atrai? Federico Fellini refere-se ao idêntico sentimento, quando, aos dez anos, foge de casa e se junta ao Circo Pierino. Essa capacidade que tem o circo de influenciar e acompanhar a vida de artistas, segundo o autor de I clowns (1970), a despeito de toda a literatura sobre a atividade circense, deve-se ao seu poder de se repropor

como um núcleo precioso, uma dimensão, um clima autêntico, que não se pode arquivar nem enterrar porque esse modo de viver e representar contém de forma exemplar alguns mitos eternos: a aventura, a viagem, o risco, a ameaça, a velocidade, o aparecer ante as luzes… e também o aspecto mais mortificante, que sempre se repete, da gente que vem te ver e te obriga a exibir-te. É um exame monstruoso por parte dos outros, que têm esse direito, biológico, racial, quando vêm para dizer: Bem, estou aqui, me faz rir, emociona, faz chorar.

Para além desses mitos e “iscas” para os adolescentes de sempre, retorno à noite recente, debaixo das luzes do Circo Portugal, onde, boquiaberto, preparava-me para escrever esta resposta ao trabalho produzido por um professor artista. A cada número, a cada entrada de música e luz, me vieram à mente os conteúdos concretos ou ingredientes que edificam o artista e o cidadão: união, responsabilidade, compromisso, fraternidade, precisão, confiança. Enquanto nas outras artes esses ingredientes muitas vezes podem apenas fazer parte de um discurso e até mesmo constituírem-se em categorias abstratas, no circo eles se exibem em toda a sua concretude. Não há lugar para a retórica da responsabilidade, nem da confiança, nem da fé. A fé está lá, laborando, sendo experimentada de corpo e alma às nossas vistas, aos nossos pulsos.

Quando jovens, meninas e meninos, moços e velhos experimentam o encontro dramático do picadeiro, aquele “exame monstruoso”, de que fala Fellini; quando experimentam as correrias, os enganos, as quedas, as pauladas; quando dominam os espaços do solo e do ar; quando conquistam o equilíbrio e a velocidade de reflexos cerebrais, quando domam a adrenalina, executam as danças mortais à perfeição, só então poderão executar o curioso projeto de que fala Jean Genet, quando escreve O funâmbulo: “sonhar-se, tornar sensível este sonho que novamente se tornará sonho em outras cabeças!” É a conjugação de dezenas de braços, olhos e mentes que propicia um átimo de beleza. Tudo tem de ser preciso: o atirar facas, o engolir fogo, o desaparecer no espelho, o sumir no vazio, o despencar dos panos multicores, o atravessar círculos fumegantes. Roçar a morte faz parte dessa homenagem à vida, dessa aprendizagem do mundo real, simbólico e imaginário. É essa a dramaturgia do circo em toda a sua crueldade. A exatidão de cada númeroé o que forma e enforma sua beleza. O circo é, “junto com a poesia, a guerra, a tourada, um dos únicos jogos cruéis que subsistem”.

No circo, experimenta-se, portanto, uma educação plena de máxima exigência. O circo exige mais que a vida e exigem dele ainda mais. O circense, do mais humilde trabalhador ao que domina a técnica mais apurada, não escapa à exigência de consumar-se num brilho que atrai e se refaz a cada treinamento, a cada superação de limites, a cada novo espetáculo.O improviso, tão presente no circo, só é possível pelo domínio das técnicas. O improviso não é fruto do acaso, mas consequência do conhecimento. Eis outra grande virtude dos que se arriscam nessa arte de todos os riscos. A eficiência tem de ser absoluta.Educar com e pelo circo é exercer a pedagogia da magia; é a prática laboratorial da confiança cabal. Confiança na prática, equilíbrio na prática, força na prática, concentração real, foco e agilidade reais.

O circo promove o aprendizado concreto das responsabilidades psicofísicas de cada um consigo próprio e de cada um com o outro na produção poética viva. Esta ética e esta estética são inconciliáveis no mundo em que vivemos. Porém, o treinamento no mundo do circo pode influenciar uma transfiguração das atitudes individuais e das relações humanas fora do universo circense. Por isso enfatizo tanto seus poderes.Genet, no exuberante poema dedicado à arte do circense, compara o circo a um monstro e é nesse monstro de outras eras em que o artista consegue, mesmo que por segundos, rivalizar com os astros do firmamento. Talvez nesse instante de cintilação resida a chave pedagógica e ontológica do fenômeno circo-mundo. Diz ele:

Um imenso animal, ressuscitado das épocas diluvianas, pousa pesadamente nas cidades: a gente entra, e o monstro está cheio de maravilhas mecânicas e cruéis: amazonas, palhaços, leões com seu domador, um prestidigitador, um malabarista, trapezistas alemãs, um cavalo que fala e conta, e você.Vocês são os restos de uma era fabulosa. Vocês vêm de muito longe. Seus antepassados comiam vidro moído, fogo, encantavam serpentes, pombas, faziam malabarismos com ovos, faziam tagarelar um concílio de cavalos. […]Lá fora, o barulho dissonante, a desordem; dentro, a certeza genealógica que vem dos milênios, a segurança de se saber preso numa espécie de fábrica onde se forjam os jogos precisos que servem a exposição solene de vocês mesmos, aqueles que preparam a Festa. Vocês só vivem para a Festa. Não para aquela que, mediante pagamento, os pais e as mães de família proporcionam a si próprios. Falo da celebridade de vocês por alguns minutos. Obscuramente, nos flancos do monstro, vocês compreenderam que cada um de nós deve tender a isto: tentar aparecer diante de si próprio em sua apoteose. É em você mesmo, enfim, que durante alguns minutos o espetáculo te transforma. Teu breve túmulo nos ilumina. Você está trancado nele mas, ao mesmo tempo, tua imagem não pára de fugir dali. A maravilha seria vocês terem o poder de se fixarem assim, ao mesmo tempo no picadeiro e no céu sob a forma de constelação. Este privilégio é reservado a poucos heróis.Mas, por dez segundos – é pouco? – vocês cintilam.

No faz-de-conta do circo, paradoxalmente, não há espaço para o faz-de-conta. Como nos perigos da vida, tudo está em jogo. O adolescente, habituado à dureza desses perigos, encontra nas técnicas circenses o desafio bonito para escoar seu excesso de energia. Depara-se com o limite de sua força e de seu equilíbrio. Canaliza e deságua sua agressividade em expansão criativa e sente a vibração calorosa que emana dos aplausos. Conduzido com orientação responsável e autoridade pedagógica, o aprendiz integra-se criticamente à vida e à comunidade, percebe-se estrela a se construir em cada novo luzir. Transmuta o negativo em positivo. Podem ser arautos e multiplicadores de sonhos e aptidões. Fellini nos lembra que os clowns foram aqueles que anunciaram seu futuro de artista: “esses personagens grotescos e aberrantes, bêbados, em farrapos e desconjuntados, na sua irracionalidade, na sua violência, em seus caprichos esquisitos, foram uma aparição em minha infância, uma profecia, a antecipação da minha vocação.”

Para os jovens não só do Brasil, mas do mundo todo, que se iniciam na vida circense a escolha pela arte dos clowns é uma das mais salutares. O clown é a personificação do rude, do torpe. É o figural artístico cujo referente está lá no meio mais pobre, nas vielas das grandes cidades, nas praças, na sarjeta. Mas, também, nos brinquedos populares, na arte do povo. Apropriar-se da técnica do palhaço ou do clown (há diferenças entre eles) significa dar o salto mortal contra a miséria por meio da gargalhada. A irracionalidade da galhofa, a rebeldia contestatória do palhaço conduz o aprendiz às possíveis práticas sociais de convívio sadio e de auto-estima. “Ser clown é bom para a saúde”, dizia o velho clown Bario, em depoimento a Fellini. Bario exortava o Estado para abrir escolas de clowns:

Em cada clown há um acrobata. Se não és um acrobata, não cais direito, e uma boa queda faz rir até hoje. Sem recursos é claro que… Mas o Estado devia pensar nisso e abri uma escola de clowns. Sem limites de idade, que quando alguém tem vocação até aos quarenta pode começar, pode se tornar um clown. Até um engenheiro, por assim dizer, se tiver queda, pode ser clown, ou professores, médicos, advogados. Seriam ótimos.

Creio, a esta altura, ser desnecessário insistir na eficácia educativa do circo, na importância deste livro, na minha paixão pelas artes cênicas e pela pedagogia da arte. Quero, no entanto, para concluir, lembrar do meu mais recente encontro com o circo aqui referenciado: terminado o espetáculo, saí lentamente, como se algo me prendesse ao espaço; saí leve como quem sai de um templo. No entorno deste animal, como diz Genet, preso ao chão por cordas, ganchos, mastros e cabos de aço, deparo-me com uma artista em trajes domésticos, sem mais o brilho e a dimensão que há pouco vira no palco, saindo do seu trailer com um pequeno regador aguando seu jardim ambulante sob o céu profundo dos Currais Novos. Que coisa mais bonita, meu Deus! Fiquei paralisado diante de outro espetáculo. Porém, ele parecia invisível aos transeuntes. Que beleza! Carregar um jardim sob o sol inclemente de tantos sertões e mantê-lo vivo em todas as praças. Quis ensinar logo este ato generoso que testemunhei: uma escola de circo é como um jardim que se rega e carrega debaixo do braço, suspenso nas janelas dos vagões, em curso.

Eis porque meu prefácio faz menos prefaciar que testemunhar e dialogar com o firme e determinado trabalho de Rudimar Constâncio, que você, leitor, certamente terá a alegria de conhecer. Oxalá este livro conduza seus leitores a incentivar a Escola Pernambucana de Circo; dirija muitos aos espetáculos da Trupe Circus; favoreça o florescimento de novas escolas circenses, transporte a cidade ao circo e aos riscos da beleza.

João Denys Araújo Leite
Recife, Madalena, janeiro de 2011

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