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O afeto que aprisiona

Cinderela, de Joel Pommerat, abriu 3ª MITsp. Foto: Estúdio Zut

Cinderela, de Joel Pommerat, abriu 3ª MITsp. Foto: Estúdio Zut

Desde criança, quando ouvimos a história da Cinderela, enxergamos a suposta superação como foco da fábula. A garota que era maltratada e humilhada pela madrasta e por suas duas filhas diante da omissão do pai consegue finalmente livrar-se de todo sofrimento quando encontra o seu príncipe no baile. O enredo, mais do que conhecido por todos, ganhou outras possibilidades na versão do dramaturgo e encenador francês Joël Pommerat, apresentada pela Compagnie Louis Brouillard na abertura da 3ª edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) na última quinta-feira (3), no Auditório Ibirapuera. Uma questão que merece ser pontuada inicialmente, no âmbito de um festival internacional, é a importância das legendas, que continham erros de português e uma linguagem que parecia mais coloquial do que a peça propunha.

Mas vamos adiante na encenação: se os irmãos Grimm ou até mesmo Walt Disney trataram da morte da mãe de Cinderela de maneira muito episódica, apenas como disparadora da ação, Pommerat consegue traçar outros contextos, deixando a história mais psicológica e atraente não só para crianças e adolescentes, mas para os adultos. Na sua versão, Cinderela é Sandra, uma garota comum, de cabelos desgrenhados e mochila nas costas, que não consegue entender as últimas palavras da mãe no leito de morte. Acredita que a mãe tenha dito para que pensasse nela, a cada cinco minutos, para que ela não morresse de fato.

O amor e a devoção de Sandra à mãe, o medo de traí-la, não cumprindo o seu último pedido, fazem com que Sandra caia numa armadilha, enveredando-se por meandros dentro de si mesma, deixando-se aprisionar pelo afeto carregado do peso do medo, da culpa, da dor. Pommerat constrói uma personagem que se abandona; que, por exemplo, aceita as tarefas domésticas sem reclamações não por seu excesso de bondade, mas porque não se importa consigo mesma. Ou não trava um relacionamento com o pai porque não vê possibilidade de superação de uma realidade. Mesmo diante de uma suposta cumplicidade com o pai, quando ele fuma na companhia dela e não da madrasta, só há conformação nessa relação e não interação, diálogo, questionamento, vivência. Esse “autoabandono” se desdobra em diversas situações, como quando a madrasta faz um discurso sobre como Sandra está velha e descuidada.

As primeiras cenas desta Cinderela são sombrias, escuras.Na casa em que vive com a família, Sandra não vai alimentar os pássaros, cantando feliz, enquanto eles a ajudam nas tarefas, como no filme; aqui o cenário é diverso: a “princesa” carrega com as próprias mãos os pássaros que morreram ao se chocarem contra as paredes de vidro da casa. O sofrimento de Sandra é evidenciado na noite em que passa sozinha no quarto do sótão, sem janelas. A cenografia do espetáculo, composta em boa parte através de projeções, transmite essa confusão interior de Sandra, seu estado de espírito, ao mesmo tempo em que noutros momentos constrói realidades paralelas, como a casa de vidro ou as paredes que vão tendo estampas diversas.

Autor e diretor trabalha com embaralhamento e desconstrução de estereótipos

Autor e diretor trabalha com embaralhamento e desconstrução de estereótipos

Se o contexto psicológico é carregado e o relógio que Sandra tem no pulso toca insistente para lembrá-la de não esquecer a mãe, Pommerat brinca, com sarcasmo, ironia e humor, não se esquecendo de alimentar a identificação da fábula pelo espectador. Há alguns caminhos diretos: por exemplo, a madrasta e as irmãs continuam sendo figuras estranhas, feias e desengonçadas, mas Pommerat não se prende a isso, vai muito além. Nesse sentido, o autor e encenador tem na personagem da madrasta um dos grandes trunfos da montagem, enriquecendo as chaves de discussão abertas pela peça. A madrasta possui uma visão equivocada de si mesma, principalmente no que diz respeito à sua aparência física. Fica lisonjeada com os falsos elogios de que ela parece irmã das próprias filhas e se ilude com a possibilidade de que o príncipe se apaixone por ela e não pelas filhas.

No viés da desconstrução, ou mesmo do embaralhamento de alguns estereótipos tão comuns aos contos de fadas, o príncipe neste caso é feio, inseguro e também sofre com a ausência da própria mãe. No decorrer da montagem, alguns elementos deslocados, que fogem ao estabelecido a priori, vão dando um caráter muito mais instigante à peça, mas sem que ela perca a capacidade de fazer rir ou emocionar. Nesse mesmo âmbito, realidade e sonho, idealização, são dimensões questionadas pela encenação. Não podemos dizer que é exatamente uma experiência radical de reescrita desse texto, já que no espetáculo de Pommerat os elementos conhecidos do público, responsáveis por uma identificação direta com a história, estão todos lá. Ainda é a história da mocinha, mas aqui menos frágil e com nuances que a deixam mais interessante.

Ficha técnica
Texto e direção: Joël Pommerat
Cenário e iluminação: Eric Soyer
Assistente de iluminação: Gwendal Malard
Figurinos: Isabelle Deffin
Som: François Leymarie
Vídeo: Renaud Rubiano
Música original: Antonin Leymarie
Com: Alfredo Cañavate (pai da menina muito jovem, rei); Noémie Carcaud (fada, uma irmã); Caroline Donnelly (segunda irmã, príncipe); Catherine Mestoussis (sogra); Deborah Rouach (moça muito jovem); Marcella Carrara (voz do narrador); Nicolas Nore (narrador) e Julien Desmet (extra).
Diretor assistente: Pierre -Yves Le Borgne
Assistente do diretor da turnê: Philippe Carbonneaux
Diretor geral da turnê: Emmanuel Abate
Operador de luz: Guillaume Rizzo
Operador de som: Antoine Bourgain
Operador de vídeo: Grégoire Chomel
Diretor de cena: Julien Desmet, Nicolas Nore
Camareira: Nathalie Willems
Montagem de cenário e execução dos figurinos: Ateliers du Théâtre National de Bruxelles
Produção: Théâtre National/Bruxelas em coprodução com La Monnaie / De Munt Em associação com a Compagnie Louis Brouillard. Com suporte do Wallonie-Bruxelles International
Cinderela é publicada pela Éditions Actes Sud- Babel e Actes Sud-Heyoka Jeunesse, com ilustrações de Roxane Lumeret.

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Talentos do teatro estudantil

Reis andarilhos foi o grande vencedor do festival. Foto: Pedro Portugal

Festivais de teatro tem múltiplas funções. Entre elas, descobrir talentos (muitas vezes em estado bruto). A atriz Fabiana Karla, a Olga de Gabriela, da TV Globo, ganhou espaços em iniciativas desse tipo, coordenadas por Lourdes Rossiter. O produtor Pedro Portugal pegou esse filão há alguns anos.

E o resultado do 10º Festival Estudantil de Teatro e Dança publicamos agora:

Vencedores do 10º Festival Estudantil de Teatro e Dança

Melhor espetáculo adultoReis Andarilhos, produção do Grupo Teatral Ariano Suassuna e Escola Santos Cosme e Damião, de Igarassu, com texto de Luiz Felipe Botelho e direção de Albanita Almeida e André Ramos
Melhor ator – Manoel Teixeira, Reis Andarilhos
Melhor atriz coadjuvante – Kattiane Torres, por Reis Andarilhos
Melhor figurino – Kattiane Torres –  Reis Andarilhos
Melhor maquiagem – André Ramos, por Reis Andarilhos
Melhor direção adulta – Antônio Rodrigues, do Curso de Iniciação Teatral Cênicas Cia. de Repertório por Nem às Paredes Confesso,
Melhor ator coadjuvante – Raul Elvis – Nem às Paredes Confesso
Melhor cenário – César Leão e Fabiano Falcão, por Nocaute, da Cia. Experimental de Teatro, de Vitória de Santo Antão
Melhor iluminação – Jeferson Alves, de Lamentos Para um Amor Inacabável, da Cia. Teatral Sobre o Palco, do Cabo de Santo Agostinho
Melhor atriz – Rafaela Silva, de Um Molière Imaginário, da Escola de Referência em Ensino Médio Austro Costa, de Limoeiro
Prêmio destaque pela preparação de elenco – Mayra Waquin na peça Ici ou Quando as Borboletas Cessarem de Bater suas Negras Asas Dentro de Nossas Cabeças, do Engenho de Criação Formação e Pesquisa Teatral

– Não houve indicação para texto inédito adulto.

Teatro para Crianças

Melhor direção – Analice Croccia e Rodrigo Cunha, do espetáculo Pássaros dos Sonhos, do Coletivo de Teatro Domínio Público e Sesc de Santo Amaro, com texto coletivo, sob supervisão de Analice Croccia
Melhor cenário – Analice Croccia e Rodrigo Cunha
Melhor maquiagem – Altino Francisco
Direção musical e trilha sonora – Alex Sobreira
Melhor espetáculo para criançasPássaro dos sonhos
Melhor ator – João Fernando, por Um Chapéu Cheio de Chá, da Academia Santa Gertrudes, de Olinda
Melhor atriz – Amara Juliana, por Cinderela Atrapalhada, do Grupo Diocesano de Artes, de Garanhuns
Melhor atriz coadjuvante – Ana Margarida, por Cor de Chuva, do Lubienska Centro Educacional;
Melhor ator coadjuvante – Guilherme Falcão, por Sangue de Dragão,
Melhor iluminação – Fátima Aguiar por Sangue de Dragão
Melhor figurino – Zel Garrett, por Sangue de Dragão

– A comissão de Teatro foi composta por Rodrigo Torres, Beto Nery, Eduardo Machado, André Freitas e Wellington Júnior.

Dança

Solos, duos ou trios
Melhor coreografiaYottabyte (work in progress), resultado do Curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal de Pernambuco, sob direção de Jorge Kildery
Melhor coreógrafo – Jorge Kildery – por Yottabyte (work in progress)
Melhor bailarino – Henrique Braz por Yottabyte (work in progress)
Melhor bailarina – Stefany Ribeiro, do solo Intro, aluna do Curso de Licenciatura em Dança da UFPE
Melhor figurino – Jane Dickie, por Satanella Pas de Deux, do Studio de Danças

Grupos
Melhor coreografiaDebá, do Aria Espaço de Dança e Arte, com direção de Ana Emília Freire
Melhor coreógrafa – Ana Emília Freire, por Debá,
Melhor bailarino – Danilo Rojas, por Debá,
Melhor bailarina (Alyne Firmo), por Debá,
Melhor figurino – Alexsandra Carvalho, de Transfiguração, coreografia da Aquarius Tribal Fusion Cia. de Dança e Núcleo de Cultura da Fafire
Destaque para o bailarino Daniel Soares, da Cia. de Dança e Teatro Luardat

– A comissão julgadora de Dança foi formada por Kiran Queiroz, Otacílio Júnior e Vanessa Alcântara.

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