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Poema cênico para Sylvia Plath

Ilhada em Mim-Sylvia Plath. Foto: Kleyton Guilherme_

Ilhada em Mim – Sylvia Plath. Foto: Kleyton Guilherme

Por desespero, honra ferida, dívida, frustação literária, doença, desilusão amorosa, desconforto irreconciliável com a vida, são tantos os motivos dos artistas suicidas. Escritores que decidiram romper com a existência formam listas nos quatro cantos do mundo. A escritora inglesa Virginia Woolf (1882 – 1941), na manhã de sexta-feira, 28 de março de 1941, colocou pedras nos bolsos do casaco e caminhou pelo Rio Ouse para a morte. A poeta argentina Alfonsina Storni (1892-1938) se suicidou andando pelo mar, episódio transformado na canção Alfonsina y el Mar, gravada por Mercedes Sosa. O alemão Heinrich Von Kleist (1777 – 1811), poeta, romancista, dramaturgo e contista, conhecido pela novela A Marquesa de O… (1810), atirou-se ao pequeno rio Wansee. O filósofo francês Ules Lequier (1814-1862) afogou-se na baía de Saint-Brieuc.

O poeta brasileiro Torquato Neto (1945-1972) no dia do seu aniversário de 28 anos, trancou-se no banheiro, vedou a porta e a janela com lençóis, abriu o gás do chuveiro e se matou asfixiado.

Sylvia Plath (1932 – 1963) foi uma dessas artistas geniais, que teve a vida interrompida e a carreira alavancada com o suicídio aos 30 anos de idade. Ela colocou a cabeça no forno, mas teve o cuidado de vedar as portas da cozinha com toalhas molhadas para evitar o vazamento para o quarto dos filhos Frieda e Nicholas.

No espetáculo Ilhada em Mim – Sylvia Plath, o encenador André Guerreiro Lopes transpõe para a água a ideia da asfixia. Com Djin Sganzerla e o próprio Lopes no elenco, a peça expõe o descompasso desses dois seres criativos e a carga destruidora do amor que condenou Plath à morte.

A montagem faz a última apresentação da temporada recifense neste sábado, na Caixa Cultural (veja serviço abaixo).

Djin Sganzerla

Djin Sganzerla

Com o sentimento de inadaptabilidade aos papéis cobrados pela sociedade, essa mulher chegou ao limite de sua experiência humana. E o amor pelo poeta inglês Ted Hughes (1930 – 1998) desencadeou estados psíquicos abissais registrados em sua escrita.

Para além da identificação que alguém faça com a poética de Sylvia Plath, com sua depressão, com o conflito vivido pela escritora para ocupar os papeis mais prosaicos, a encenação Ilhada em Mim – Sylvia Plath impõe um mundo de sonho com uma sucessão de imagens produzidas. Visualmente desconcertante, o cenário comporta um espelho d’água no piso, em que o mobiliário parece submergir em várias cenas. Lembrei de Robert Wilson artista que transita com desenvoltura pelas artes cênicas, literatura, cinema, artes plásticas e da exposição Video Portrait, que esteve no Brasil no começo da década.

Os atores Guerreiro Lopes e Sganzerla deslizam pelo espaço coberto por uma fina camada de água, se jogam. Alguns objetos congelados, pendurados no teto – um sapato, um livro, um telefone, uma boneca e uma faca – vão descongelando durante a sessão.

As peças do figurino, compostas pelo estilista Fause Haten, se colam ao corpo dos intérpretes e dão uma ideia de desintegração, perda de cor e decomposição. É como se a protagonista fosse se livrando das camadas de aprisionamento.

Mas enquanto vasculha os estados d’alma dessa criadora desassossegada, a peça explora os embates entre os dois. O estado emocional de Sylvia, à beira do precipício, é traduzido em potentes imagens em coreografias ou dos momentos congelados da fotografia still.

Ted virou o editor póstumo de Sylvia. Do livro Ariel de 1965 (vencedor do prêmio Pulitzer), suprime poemas que ele pondera como demasiadamente biográficos. Além de ter destruído um diário pessoal de Sylvia sob o argumento de proteger a intimidade dos filhos.

A arrogância dele é apontada numa cena em que o personagem Ted Hughes amassa uma série de escritos de Sylvia e os arremessa para longe. Os efeitos sonoros sincronizados com a destruição dos papeis amplificam o significado do gesto.

O andamento tenso desse vínculo segue uma coreografia e traça pinturas, com mergulhos n’água, móveis que afundam junto com a relação conjugal, entre apelos e tentativas desesperadas, tormentos internos de Plath. Ela se arrasta carregando as dificuldades e a não aceitação de casos extraconjugais do marido.

A Cia Lusco-Fusco não ajuíza a relação, mas apresenta situações que remetem à complexidade da história e o comportamento dos envolvidos. Dá munição para o espectador a prosseguir o quadro proposto pelo palco. A simbologia visual incentiva interpretações sobre a angústia existencial da autora de A redoma de vidro entre impulsos de criação e destruição.

O texto da jornalista Gabriela Melão é baseado em fragmentos de textos dos dois escritores, além de trechos de entrevistas radiofônicas do casal, com a tradução projetada na parede. Mas o texto fica subjacente ao impacto das imagens e da gramática corporal.

É um espetáculo que desperta sensações. A explosões verbais curtas são acompanhadas pela trilha sonora de Gregory Slivar, que marca todo o espetáculo com modulações das pulsões de Plath. O desenho de luz de Marcelo Lazzaratto dá a dimensão e profundidade dos estados psíquicos. A interpretação de Djin Sganzerla é apaixonada, passional. Enquanto Lopes imprime frieza.

A companhia teatral Estúdio Lusco-Fusco montou O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência, inspirado nas obras Inferno e Um Sonho, de Strindberg (2013); O Belo Indiferente, de Jean Cocteau (2011/12); Estranho Familiar, baseado no conto O Espelho, de Guimarães Rosa (2010); Tragicomédia de um Homem Misógino, de Evaldo Mocarzel (2008) e Um Sonho, de Strindberg (2007/08).

Serviço
Ihada em mim – Sylvia Plath
Quando: De 1º a 3 de dezembro,às 20h
Onde: na Caixa Cultural Recife (Av. Alfredo Lisboa, 505, Recife Antigo),
Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia), com vendas a partir do dia 1º de dezembro
Classificação Indicativa: 12 anos
Duração: 60 minutos

Ficha Técnica
Texto Gabriela Mellão
Direcão e Cenografia André Guerreiro Lopes
Elenco Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes
Figurinos Fause Haten
Iluminação Marcelo Lazzaratto
Concepcão Sonora e Trilha Original Gregory Slivar
Assistente de Direção e Direção de Palco Rafael Bicudo
Direção de Produção Djin Sganzerla
Produção Patricia Torres, Joyce Nogueira
Contra-regras Jair Nascimento, Henrique Dias Alves, Leo Braz,
Operacão de Som Renato Garcia
Operação de Luz Juarez Adriano
Assessoria de Imprensa Frederico de Paula – Nossa Senhora da Pauta
Fotos: Jennifer Glass, Wilson Melo, Cleyton Guilherme

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