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“Santa” Tryo Teatro Banda: pela glória da ironia

La Expulsión de Los Jesuitas, do grupo chileno Tryo Teatro Banda. Foto: Jennifer Glass

La Expulsión de Los Jesuitas, do grupo chileno Tryo Teatro Banda. Foto: Jennifer Glass

X Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo

As escolhas da companhia chilena Tryo Teatro Banda no processo de montagem de La Expulsión de Los Jesuitas, impulsionadas pela competência da direção e do elenco, garantiram como resultado uma peça que consegue estabelecer uma empatia direta com o público. O espetáculo está na programação da X Mostra Latinoamericana de Teatro de Grupo, realizada em São Paulo até o dia 8 de novembro. Decididos a enveredar pela história da Companhia de Jesus no Chile, um capítulo, ao que se consta, pouco contado na história do país, a Tryo Teatro Banda, companhia criada no ano 2000 em Santiago do Chile, optou pelo caminho da bufonaria e da música. O bufão traz em si a comicidade, a paródia, a crítica, a ironia e o sarcasmo, elementos incorporados perfeitamente aos cinco personagens principais desse enredo: um jesuíta, um espanhol, um criolo, um mapuche e uma mulher.

Acontecia a Guerra de Arauco, em 1593, quando os jesuítas chegaram ao Chile na tentativa de ajudar a minimizar os conflitos entre os colonizadores espanhóis, os criolos e os índios. Os criolos sofriam com a dominação dos espanhóis, mas eram os índios que terminavam escravizados pelos europeus. Os jesuítas aprenderam a língua dos mapuches e realmente conseguiram fazer uma mediação que acarretou mudanças efetivas, como o reconhecimento de uma fronteira entre o território do Chile e dos índios. Cada momento dessa intervenção dos jesuítas é contado a partir da veia cômica, histriônica. O corpo desses atores está impregnado pelos gestos largos, caras e bocas, trejeitos e estratégias da técnica do bufão, além do ritmo rápido, quase eletrizante no qual se desenrolam os fatos.

Atores tocam diversos instrumentos em cena

Atores tocam diversos instrumentos em cena

Para completar, como menestréis, uma referência da Idade Média aos trovadores que cantavam e contavam histórias, os atores tocam instrumentos os mais diversos em cena. Há, por exemplo, lira, arpa, flauta, cavaquinho, mas também uma guitarra e um acordeon. Os instrumentos servem ainda como amostra do quanto a montagem mistura referências e consegue com isso realizar uma cena que foge completamente ao esperado, como a cena da “Santa Clorofila”, um ritual de devoção a uma santa vestida com malha de palhaça, que toca e canta em inglês; ou a cena de uma reunião com o rei da Espanha, com personagens que utilizam chapéus de animais e remetem praticamente ao cenário de estábulo.

A montagem dirigida por Andrés del Bosque, com dramaturgia de Francisco Sánchez e Neda Brikic, e tendo no elenco Daniela Ropert, Alfredo Becerra, Eduardo Irrazábal, José Araya e Francisco Sánchez, vai até 1767, quando depois de conspirações e diante de uma crise financeira que havia quebrado a Espanha, o rei decidiu prender e expulsar todos os jesuítas que estavam no Chile, levando-os exilados para a Espanha. A questão é que os jesuítas eram fundamentais para a estabilidade da paz – numa das cenas, por exemplo, o padre consegue mediar o conflito entre o espanhol, que havia trazido de volta a mulher que estava cativa no território indígena e, com ela, outras duas índias -; e o resultado dessa expulsão é somente sugerido ao final da montagem.

Abordando um momento histórico através da comicidade, A Tryo Teatro Banda aproxima o público de um episódio fundamental para a formação da identidade do povo chileno de maneira muito mais fluida e eficaz. Se a montagem não traz uma crítica direta à atuação dos jesuítas, reafirmando muito mais as benfeitorias, a tentativa dos padres de acabar com a escravidão dos mapuches, de estabelecer seus territórios e incentivar a educação, há espaços e lacunas para que o público se pergunte se as coisas aconteceram mesmo daquela forma e quais os outros pontos de vista dessa história. Até que ponto tudo foi em nome da glória de Deus? Essa parece ser também uma das intenções da montagem, que mesmo baseada em documentos e acontecimentos históricos ocorridos entre os anos de 1593 a 1767, consegue ultrapassar limites temporais, colocando possibilidades e levantando faíscas de questões que servem muito bem aos dias de hoje.

Ficha Técnica
Dramaturgia: Francisco Sánchez e Neda Brikic
Direção:Andrés Del Bosque
Assistente de direção: José Araya
Música: Tryo Teatro Banda
Elenco: Daniela Ropert, Alfredo Becerra, Eduardo Irrazábal, José Araya e Francisco Sánchez
Sonoplastia: Julio Gennari
Iluminação: Tomás Urra
Produção: Carolina González

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***A cobertura crítica da X Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo é uma ação da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, que articula ideias e ações do site Horizonte da Cena, do blog Satisfeita, Yolanda?, da Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais e do site Teatrojornal – Leituras de Cena. Esses espaços digitais reflexivos e singulares foram consolidados por jornalistas, críticos ou pesquisadores atuantes em Belo Horizonte, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. A DocumentaCena realizou cobertura da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp (2014 e 2015); do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília (2014 e 2015); da Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo, em São Paulo (2014); e do Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, em Belo Horizonte (2013).

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Essa dor não é somente da família de Galvarino

Galvarino dá uma dimensão universal ao drama familiar.

Galvarino dá uma dimensão universal ao drama familiar.

O espetáculo Galvarino é carne viva. De lembranças e vácuos de informação, e de indignação de uma pequena família chilena, de etnia mapuche, pelo descaso político do governo. Gente pobre e anônima é vítima da omissão e arrogância dos poderosos em todo mundo. Mas nesse caso, o teatro dá uma dimensão universal ao drama familiar. Galvarino Ancamil, que dá título à peça fez um exílio voluntário na época do golpe de Estado no Chile e vivia na Rússia desde o início dos anos 1970.

Trocava poucas cartas com a família, mas quando a correspondência cessou – depois da derrocada do comunismo, a irmã Marisol Ancamil pediu ajuda ao Ministério das Relações Exteriores do governo chileno para localizar o irmão. Silêncio das autoridades e insistência da personagem.

Ficamos sabendo depois que um grupo de neonazistas exterminou o chileno de origem indígena, nas cercanias de Moscou, em 1993.

É sobre essa ausência que fala a montagem da Compañia Teatro Kimen, de Santiago.

Com Galvarino, Paula González Seguel fecha uma trilogia de “teatro documental”.

Com Galvarino, Paula González Seguel fecha uma trilogia de “teatro documental”


A diretora do espetáculo, Paula González Seguel (sobrinha de Marisol Ancamil,) é quem interpreta a irmã de Galvarino.

Com Galvarino, Paula fecha uma trilogia de “teatro documental”. Antes, ela dirigiu Ni pu tremem – Mis antepassados (2008) e Território descuajado – Testimonio de um pais mestizo (2010).

O teórico Patrice Pavis define Teatro Documentário como “Teatro que só usa, para seu texto, documentos e fontes autênticas, selecionadas e ‘montadas’ em função da tese sociopolítica do dramaturgo”

O espetáculo do grupo Kimen faz parte de uma corrente, não necessariamente ordenada, de um teatro anti-mainstream. É um um teatro militante a partir de drama pessoal. De caráter politizado, de denúncia.

Galvarino conta uma história a partir de uma micro-perspectiva privada. Borra barreiras entre realidade e ficção. E ao revisitar o episódio da história de sua família no palco, a encenadora e atriz atesta na cena que a verdade é relativa e pode ser manipulada.

Com vestimenta teatral, esse passado ganha uma poderosa capacidade de reinterpretacão. A experiência dolorosa é transformada em linguagem artística.

O cenário do espetáculo é composto de uma cozinha/sala de jantar de uma casa pobre. Os três personagens aparecem, falam pouco entre si. É um tempo de espera. A notícia da morte de Galvarino ainda não chegou. Na cozinha, a mãe (a atriz Elza Quinchaleo) depena uma galinha e prepara um caldo. A filha põe a mesa e Luis Seguel, que é o pai, interpreta o pai.

O tempo corre devagar, com o ar tenso, e as três figuras desenvolvem pequenas atividades caseiras. Há uma singeleza da dor da perda que nos atinge.

Quando a protagonista escreve as cartas, elas são mostradas numa tela. O silêncio dos dois outros personagens é gritante.

A música mapuche imprime uma dimensão de ancestralidade aquele encontro familiar. Marisol Ancamil apoxima-se de Antigone, quando exige do governo que faço o que for preciso para devolver o corpo do irmão morto. Seu discurso explode de sofrimento e revolta, na posição de impotência diante das autoridades que não cumprem seu papel público.

É um teatro militante a partir de drama pessoal

É um teatro militante


* Esse texto faz parte da ação do DocumentaCena – Plataforma de Crítica formada por Daniele Avila Small (Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais), Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?), Luciana Eastwood Romagnolli (Horizonte da Cena), Maria Eugênia de Menezes (Teatrojornal – Leituras de Cena), Pollyanna Diniz (Satisfeita, Yolanda?), Soaraya Belusi (Horizonte da Cena) e Valmir Santos (Teatrojornal – Leituras de Cena), que acompanha a IX Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo

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