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O malandro nosso de cada dia

 

Elenco praticamente todo masculino propõe um distanciamento brechtiano. Foto: Leo Aversa/Divulgação.

Elenco praticamente todo masculino propõe um distanciamento brechtiano. Fotos: Leo Aversa/Divulgação.

Desde Muito pelo contrário, montado no Recife em 1981, que João Falcão faz experimentos musicais com acento bem brasileiro. Em Ópera do Malandro, clássico musical de Chico Buarque, que faz duas sessões no Teatro Guararapes, sábado às 17h e às 21h, o encenador conservou praticamente todas as músicas do espetáculo original, de 1978, e adicionou composições do disco Malandro e do filme homônimo, dirigido por Ruy Guerra em 1985.

Além disso, João Falcão fez pequenas intervenções no texto original, invertendo e excluindo cenas, valorizando personagens secundários, como Barrabás, funcionário do malandro que “vira a casaca”.

Na montagem, todos os personagens são interpretados por atores, com exceção de Larissa Luz, que assume o papel de João Alegre, o narrador, nome que remete a John Gay. Depois da experiência bem-sucedida de Gonzagão – A Lenda, Falcão queria conservar a trupe de atores – oito homens e apenas uma atriz – nesse mergulho.

O mundo do crime e do contrabando é explorado na peça, que se passa no Rio de Janeiro, mais especificamente na Lapa de 1940, durante a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas e no apogeu da 2ª Guerra Mundial. Um ambiente apinhado de bordéis, agiotas, cafetões, contrabandistas e policias corruptos. Até que ponto o poder, com suas armas de chantagem e persuasão, pode atingir as pessoas idôneas? Boa pergunta.

No papel de Geni

Eduardo Landim no papel de Geni

O casal Fernandes de Duran (Ricca Barros) e Vitória Régia (Adrén Alves) são os proprietários de um bordel da Lapa carioca, frequentado por “bandidos da lei” e foras da lei. Teresinha, a filha de Duran e Vitória cresceu no exterior, longe da bandidagem. Esses cuidados dos pais não foram suficientes para impedir que a garota se casasse com o malandro Max Overseas, sob as bênçãos do inspetor Chaves, o Tigrão (Alfredo del Penho). E talento para a contravenção parece que está no sangue da família e a mocinha se revela na chefia desse submundo.

O texto de Chico Buarque é inspirado A Ópera dos Três Vinténs (1928), de Bertolt Brecht e Kurt Weill; que por sua vez se baseou na A Ópera do Mendigo (1728), de John Gay.

Segundo o diretor, “Brecht e Chico falam da ambição movida pelo dinheiro, que se transforma em um meio de opressão e provoca a mercantilização dos corpos e a manipulação do povo”. No segundo ato da peça, Falcão reforça a atualidade da obra de Chico, com as manifestações, protestos e até uma bandeira do Ocupe Estelita, agitada pelo ator pernambucano Thomas Aquino.

João Falcão é um descobridor/ impulsionador de talentos e na sua lista estão nomes como Wagner Moura, Vladimir Brichta, Lázaro Ramos, Laila Garin, entre outros. Fabio Enriquez foi revelado em Clandestinos, projeto de João com jovens atores que rendeu peça e série na TV Globo. Ele interpreta Teresinha. Já Moyseis Marques, que defende o papel de Max Overseas, o malandro do título, é um experiente sambista e cantor de shows nos bares da Lapa. Falcão assistiu a um show dele e o convidou para um teste. Esbanja carisma e gingado.

Malandro e Teresinha

Moyseis Marques defende o papel de Max Overseas e Fabio Enriquez interpreta Teresinha

Integrantes do elenco de Gonzagão – a lenda, Adren Alves, Alfredo Del Penho, Eduardo Rios, Fabio Enriquez, Larissa Luz, Renato Luciano e Ricca Barros estão novamente em cena, ao lado de atores selecionados em uma concorrida audição: Bruce de Araújo, Rafael Cavalcanti, Thomas Aquino e Eduardo Landim, que interpreta uma Geni muito aplaudida.

A direção musical e os arranjos de Beto Lemos garantem ótimos momentos em interpretações de canções como FolhetimTeresinha e Geni e o Zepelim, O Meu Amor, Pedaço de Mim, Sentimental, Hino da Repressão e Uma Canção Desnaturada.

A produtora de Gonzagão – a lenda e diretora da Sarau Agência Andrea Alves é a Idealizadora do projeto. Completam o quadro a figurinista Kika Lopes, o iluminador Cesar de Ramires, coreógrafo Rodrigo Marques e a cenógrafa Aurora dos Campos.

A primeira versão de Ópera do Malandro, que estreou em junho de 1978 no Teatro Ginástico, recebeu direção de Luís Antonio Martinez Correa e contou no elenco com Ary Fontoura (Duran), Claudia Jimenez (Mimi Bibelô), Elba Ramalho (Lucia), Emiliano Queiroz (Geni), Maria Alice Vergueiro (Vitória), Marieta Severo (Teresinha). A direção musical ficou a cargo do maestro John Neshling, que também assinou os arranjos. A cenografia e os figurinos eram de Maurício Sette e a iluminação de Jorginho de Carvalho. Uma turma da pesada. As últimas montagens foram assinadas por Gabriel Villela (em 2000) e pela dupla Charles Möeller e Claudio Botelho (2003).

FICHA TÉCNICA
Adaptação e Direção: João Falcão
Direção Musical: Beto Lemos
Direção de Produção e Idealização: Andréa Alves
Elenco: Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Bruce de Araújo, Davi Guilhermme, Eduardo Landim, Eduardo Rios, Fábio Enriquez, Guilherme Borges, Larissa Luz,  Rafael Cavalcanti, Renato Luciano, Ricca Barros e Thomás Aquino.
Apresentando: Moyseis Marques
Músicos: Beto Lemos (violão, rabeca, bandolim, viola e guitarra), Daniel Silva (violoncelo e baixo elétrico), Rick de la Torre (bateria e percussão), Roberto Kauffmann (teclado e acordeon), Frederico Cavaliere (clarineta) e Dudu Oliveira (flauta, sax e bandolim).
Cenografia: Aurora dos Campos
Figurinos: Kika Lopes
Iluminação: Cesar de Ramires
Coreografia: Rodrigo Marques
Projeto de Som: Fernando Fortes
Visagismo: Uirandê de Holanda
Assistente de Direção: Clayton Marques
Preparação Vocal: Maria Teresa Madeira
Programação Visual: Gabriela Rocha
Produção Local: Art Rec Produções

SERVIÇO
Ópera do Malandro
Quando: Dia 24 de outubro, às 17h e às 21h
Onde: Teatro Guararapes: Centro de Convenções de Pernambuco
Informações: (81) 3182.8020
Ingressos:
Plateia: R$ 160 (inteira) e R$ 80 (meia)
Balcão: R$ 140 (inteira) e R$ 70 (meia)
À venda na bilheteria do teatro, lojas Reserva dos shoppings Recife e Plaza, Livraria Jaqueira ewww.ingressorapido.com.br.
Classificação: 14 anos
Duração: 180 minutos (já com intervalo de 15 minutos)

 

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Marieta Severo

Todas as quintas-feiras, ela está na televisão interpretando a dona de casa Nenê, esposa do Lineu, mãe da Bebel e do Turco, sogra do Agostinho. Mas nem só de A grande família vive a atriz Marieta Severo. Muito pelo contrário. Ela estreou nos palcos em 1965 e geralmente tem projetos no teatro e cinema, administra ao lado da amiga e parceira de palcos e negócios Andrea Beltrão o Teatro Poeira e o Poeirinha, no Rio de Janeiro, é mãe de três filhas (fruto do casamento de 30 anos com Chico Buarque), tem netos e ainda arruma tempo para namorar o diretor Aderbal Freire-Filho.

Agora ela vem ao Recife no próximo fim de semana para apresentar a divertida montagem As centenárias, um texto que o pernambucano Newton Moreno escreveu especialmente para Marieta e Andréa. São duas carpideiras – aquelas mulheres que antigamente eram chamadas quando alguém morria, para “chorar o defunto”. Socorro e Zaninha convivem com a morte, mas fogem dela como diabo da cruz. No meio de muitos causos, encontram até com Lampião. A peça ainda tem no elenco Sávio Moll e a direção é de Freire-Filho.

Na conversa por telefone, Marieta fala muito sobre As centenárias, sobre o trabalho no Teatro Poeira, não encontra defeitos em Andrea Beltrão, cita Jô Bilac como um novo dramartugo especial. E revela como consegue arrumar tempo para fazer tudo e sempre muito bem.

Marieta Severo e Andréa Beltrão em As centenárias

Entrevista // Marieta Severo

Vocês estavam em dívida com Pernambuco. A peça é do Newton Moreno, tem um contexto regional, mas ainda não tinha dado certo trazer ao Recife?
A gente está muito feliz em levar, como a gente chama, “As veinhas”, ao Recife. O Newton como pernambucano, bebeu na cultura nordestina, isso está muito arraigado à peça. Usamos, por exemplo, bonecos que são manipulados. Fazer a peça aí tem um significado muito especial. Estreamos em 2007, ficamos dois anos no Rio, quatro meses em São Paulo, já fizemos outras oito cidades e estamos chegando aí agora.

Embora a montagem seja uma comédia, ela trata de assuntos bem sérios e tem momentos em que fala, por exemplo de solidão. O que você diria do texto?
Eu acho que isso é um pano de fundo. O assunto principal é a morte, elas estão fugindo da Dona Morte, que quer pegar o filho de uma delas. Então elas estão o tempo todo neste embate. Mas isso é feito com muitos signos e com a cultura popular nordestina que é debochada, irônica. E vejo que a esperança é colocada em cena. Elas lidam com a morte, já que são carpideiras, rezadeiras, são chamadas para chorar os mortos e a peça vai falando desses causos. É uma história divertida, engraçada, mas sim, como você disse, com muitos ingredientes: a fome, a solidão, a bravura dessas mulheres. Mas os causos são muitos bons. O homem que diz que a mulher era uma “quenga” e quer que no velório riam dela, o Lampião que não chora há muitos anos.

E como Aderbal Freire-Filho trabalhou com esse texto?
Ele abrigou toda essa história num cenário circense. É como se fossem três palhaços contando essa história através dos bonecos. Nós contracenamos com os nossos próprios personagens como fantoches. Então é uma riqueza de elementos muito grande e o Aderbal articulou isso.

E o Sávio Moll, que também está no elenco? Faz os papeis secundários?
É. Ele faz todos esses papeis e a Dona Morte. Mas nós também fazemos outros papeis. A Andréa faz o coronel que quer que riam da mulher dele, eu faço o Lampião. É tudo muito coreografado, muito marcado, o Aderbal conseguiu uma precisão nessa coreografia que é muito interessante.

Esse texto foi um pedido de vocês ao Newton. Houve alguma recomendação?
A gente encomendou esse texto a ele dizendo que não queríamos um texto em que fôssemos família. Tínhamos feito Sonata de outono. E ele veio com essa possibilidade dessas mulheres que atravessam o tempo. E também mostram na cena a modernidade, em cenas como quando a luz elétrica chega ao Sertão, elas se deparando com um rádio… Também tem o fator de que como o Newton está muito acostumado ao trabalho em grupo, ele troca muito com o ator, com o diretor, mudava o texto, de acordo com as necessidades. A gente ligava, falava pra ele, ele vinha. Então conseguimos essa sintonia, organicidade.

Fora o Newton, que autores te instigam hoje? E grupos?
É um momento muito rico da mossa dramaturgia. Temos um Jô Bilac surgindo, por exemplo. E muita gente mais…é porque eu sou péssima de nomes. Quando desligar, vou lembrar de tanta gente. E também temos espetáculos muito interessantes, uma safra nova, forte, criativa. Os Atores de Laura, no Rio de Janeiro, que já tem uma trajetória, mas com uma pesquisa muito forte, uma riqueza. Acabei de ver O idiota, com a Cibele Forjaz, um espetáculo muito rico teatralmente.

Todo mundo pergunta sobre a amizade entre você e a Andrea e eu também tenho que perguntar. Mas vamos tentar mudar…o que te irrita na Andréa?
A Andréa não me irrita. Gosto muito de estar com ela. Criamos muita coisa e vivemos muita coisa. É uma relação contrutiva e criativa, como todas deveriam ser. As duas cresceram muito nesses 20 anos. Uma ajudou a outra, uma colabora com a outra. Ela tem um talento enorme como atriz. É estimulante estar com ela no palco. Jogar com ela em cena, o humor enorme que ela tem.

Vamos falar do “filho” de vocês e agora do “filhote”, que são os teatros. Como foi isso?
O Poeira tem seis anos e o Poerinha tem seis meses. Dá muito trabalho, muita despesa e um prazer enorme que segura esses dois outros lados. Temos o patrocínio da Petrobras para a programação, para fazer oficinas, para os artistas residentes, workshops, temos uma programação intensa e temos muito orgulho porque muitos trabalhos surgiram através daqui, com pesquisa, e isso é bancado. Mas o teatro em si é bancado por nós. Os dois teatros foram construídos por nós e mantidos por nós. Porque muita gente fala, mas a Lei Rouanet é muito rigorosa. Você não pode comprar nada, adquirir nenhum bem fixo. Então tudo o que é fixo, fomos nós.

Mas vocês tem lucro?
Não, minha filha! Não temos lucro. Temos um prejuízo financeiro.

Queria falar um pouco de política, do Ministério da Cultura, a sua opinião…
Não queria falar disso. Está caminhando tudo bem. Não tem nada especial para comentar.

Mas é mais fácil fazer teatro hoje?
Através da Lei Rouanet que possibilitou muitos e muitos espetáculos, vários e vários que não conseguiriam sem a lei. Mas temos a dificuldade que é manter um espetáculo. Tem uma coisa muito estranha. Hoje você não vive da bilheteria de um espetáculo. Quando o patrocínio acabou, acabou a peça. Tem que repensar.

Por conta da meia-entrada?
É basicamente a meia-entrada. E as produções foram ficando mais caras, são meandros, questões da própria lei. Não é detonar a lei, não acho que seja o caso.

E a televisão? Você não acha que a Nenê é muito retrógrada?
Hoje em dia é muito difícil encontrar uma mulher como a Nenê. Ela é de uma geração que tentou romper padrões, mas ela é tradicional, vive para o lar. E essa realidade ainda existe para muitas mulheres, os valores familiares. Mas sim, é mais difícil. As mulheres estão nas batalhas. O que mais me interessa nela é o que ela representa, a mãe, os valores familiares, a compreensão até acima das necessidades. É bom falar disso e representar isso.

E como você faz para conciliar tudo na sua vida? Televisão, cinema, teatro, três filhas, netos, dois teatros?
Eu faço isso todos os dias. E sempre foi isso. Também construi uma vida de acordo com as minhas necessidades. Sou muito ligada, ligada a muitas coisas, ao trabalho, ao lazer.

Mas você faz tudo ao mesmo tempo ou consegue tirar férias, por exemplo?
A única coisa que eu consigo preservar são as minhas férias porque eu normalmente vou para o exterior, só por isso. E aqui eu sou organizada, tenho o meu escritório, o Poeira, A grande família, um filme para rodar.

Qual é o filme?
Vendo ou alugo, com direção da Betsy de Paula. É uma comédia muito interessante, que reúne quatro gerações. A Nathália Timberg, que vai fazer minha mãe, a Sílvia Buarque, será minha filha e uma atriz jovem, a Beatriz Morgana, que será filha da Sílvia. Vamos filmar em setembro. Elas tiveram uma vida abastada e agora se juntam para vender uma casa e todas elas são representantes muito fieis das suas gerações.

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