Você aí sentado confortavelmente na plateia não vai ficar imune. O filho eterno, primeiro monólogo da Cia dos Atores de Laura, com Charles Fricks, vai mexer, incomodar suas certezas, sacudir o seu jeito insuportável de dizer “isso não é comigo”. Vai lembrar o quanto somos egoístas, pequenos e frágeis. Mas também reforçar que a vida é construída a cada dia, e que é preciso de coragem, muita coragem, para enfrentar os desafios que são colocados a nossa frente.
Não é fácil ser diferente, grita o espetáculo em seus intervalos de silêncio. Não é fácil aceitar a diferença. Descobriu aquele pai no inicio dos anos 1980, quando nasceu seu primeiro rebento. Os planos de satisfação narcísica foram interrompidos quando o médico, com uma frieza atroz, explicou que o menino tinha Trissomia do cromossoma 21, uma alteração genética conhecida como síndrome de Down.
O que se passa a partir daí na cabeça desse pai é bancada.
Com uma cadeira, um ator, luz e palavras a montagem desequilibra aquela visão de que a existência pode correr certinha, que os esforços intelectuais vão levar à vitórias. O personagem se vê desamparado. Na sua precariedade emocional ele se depara com muitas emoções, do terror à curiosidade; da rejeição à constatação de que a vida não poderia ser mais bela, mais rica e mais plena sem a criaturinha, que trouxe consigo a perfeita tradução da palavra amor.
O protagonista é um escritor que sofre com dúvidas sobre seu próprio talento. O reconhecimento de seus pares, do público e da crítica ainda não tinham chegado. Mas Felipe veio antes, para ensinar a razão de construir uma escrita única, poética, humana e totalmente deslumbrante na sua dor.
Tudo pulsa até os ossos. Para o jovem escritor inicialmente é um calvário. Esse personagem fissurado sofre com as frustrações de seus planos. E ele conta sobre esse relacionamento entre pai e filho de forma seca,sem o apelo ao sentimento de pena e empatia. Não soluções óbvias. Há contradições de um homem, que com o nascimento de Felipe eternamente menino e seu crescimento, se vê diante do nascimento do escritor e suas opções de escrituras.
O espaço é do ator. E da palavra. Ele se movimenta no palco apoiado por soluções luminosas para narrar esse processo de crescimento, do pai e do filho.
A versão para o palco do premiadíssimo livro de Cristovão Tezza, O filho eterno já tocou muitos filhos da mãe, do pai, enfim, comoveu muita gente. É o primeiro monólogo da companhia carioca, que tem em seu repertório 15 montagens teatrais. Por sua atuação, Charles Fricks ganhou o Prêmio Shell de Melhor Ator. A peça faz a segunda apresentação no Palco Giratório, hoje, às 20h, no Teatro Apolo.
SERVIÇO
O filho eterno
Quando: Hoje, às 20h
Onde: Teatro Apolo
Quanto: R$ 12 e R$ 6
FICHA TÉCNICA
Texto: Cristovão Tezza
Adaptação: Bruno Lara Rezende
Direção: Daniel Herz
Elenco: Charles Fricks