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O palco do mundo para além do eurocentrismo 9ª edição da MITsp investe no decolonial

Broken Chord [Acorde Rompido] faz a abertura da MITsp. Foto: Thomas Müller / Divulgação

Na sua nona edição, a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo aprofunda sua essência experimental e crítica, apostando numa perspectiva curatorial que destaca espetáculos oriundos das margens das hegemonias geográficas. Encontramos aqui obras e artistas cujas raízes territoriais, étnicas e culturais manifestam diversificadas teatralidades e investigações. A presença de criadores, grupos e pesquisadores/as da África, Ásia, Oriente Médio e América Latina reflete um esforço da MITsp de descentralizar do cânone  das narrativas eurocêntricas do teatro e ampliar o palco para outras vozes. “Neste sentido, a curadoria intensificou a perspectiva decolonial”, afirma Antonio Araujo, no material de divulgação. 

Araujo, diretor artístico, e Guilherme Marques, diretor geral, idealizadores da Mostra, aquecem as provocações sobre nosso tempo com as discussões que atravessam os trabalhos, carregadas de novos olhares para questões como memória, racismo, transfobia, identidade, conhecimento, colonialismo, entre outros.

A MITsp é um dos principais eventos de artes cênicas do país e funciona em quatro eixos principais: Mostra de Espetáculos, Ações Pedagógicas, Olhares Críticos e MITbr – Plataforma Brasil.  A programação ocorre entre entre os dias 1º e 10 de março de 2024 e conta com nove montagens internacionais, uma estreia nacional, dez espetáculos na MITbr série de oficinas, debates e conversas ao longo dos dez dias de evento.

O espetáculo Broken Chord [Acorde Rompido], uma colaboração entre Gregory Maqoma e Thuthuka Sibisi, faz a abertura dessa intensa maratona cênica no Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros. A obra mergulha  A peça mescla dança e música tradicionais africanas com elementos da dança contemporânea e música clássica europeia, e mergulha nos efeitos duradouros do apartheid, para investigar as feridas históricas.

Também da África do Sul, O Circo Preto da República Bantu, solo de Albert Ibokwe Khoza, discute racismo e violência contra corpos negros através da história dos zoológicos humanos na Europa.

Lolling and Rolling, do sul-coreano Jaha Koo. Foto de Marie Clauzade

Nesta edição da MITsp o foco se volta para a obra do diretor e compositor sul-coreano Jaha Koo, que traz ao evento sua Trilogia Hamartia, composta por Lolling and Rolling, Cuckoo e A História do Teatro Ocidental Coreano. Essa série explora a intersecção e o impacto do encontro entre culturas orientais e ocidentais na vida individual, ancorada no conceito grego de “hamartia”, que se refere a um defeito ou falha trágica.

Contado pela Minha Mãe, do libanês Ali Chahrour, outra obra da mostra, utiliza uma combinação de dança, teatro e música para narrar a história de uma mãe que se recusa a aceitar a morte de seu filho, criando poemas e canções na esperança de seu retorno.

Profético (nós já nascemos), da costa-marfinense Nadia Beugré, aborda questões de racialidade, transsexualidade e preconceito com um enfoque crítico e engajado.

A Argentina contribui com duas estreias: PERROS – Diálogos Caninos, uma colaboração entre Monina Monelli, Celso Curi e Renata Melo, explora a complexidade das relações entre humanos e cachorros; enquanto Wayqeycuna [Meus Irmãos], de Tiziano Cruz, investiga a memória e a identidade cultural através dos quipus, um artefato andino tradicional.

A MITsp investiu como produção nacional na estreia de Agora tudo era tão velho – FANTASMAGORIA IV, sob a direção de Felipe Hirsch, marcando a continuidade do festival em ser uma plataforma de lançamento para obras de artistas brasileiros renomados e emergentes.

A MITsp de 2024 reforça que é um evento chave no calendário cultural da cidade de São Paulo, e do Brasil, e reflete o compromisso do festival em oferecer um espaço para diálogos transculturais e a exploração de temas contemporâneos através do teatro, dança e performance.

Em 2024, a MITsp tem patrocínio  da Redecard, Sabesp e Prefeitura Municipal de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura. A mostra tem correalização do Sesi, Consulado Francês, Instituto Francês, Centro Cultural Coreano no Brasil e Goethe Institut; e copatrocínio do IBT – Instituto Brasileiro de Teatro. A realização do evento é da Olhares Cultural, ECUM Central de Produção, Itaú Cultural, Sesc SP e Ministério da Cultura – Governo Federal.

MITbr Plataforma Brasil

Lançada em 2018, a MITbr – Plataforma Brasil emerge como um componente vital da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp), dedicada à promoção e internacionalização das artes cênicas brasileiras. A cada ano, a plataforma se propõe a apresentar uma seleção de obras nas áreas de teatro, dança e performance, enfatizando a diversidade regional do Brasil e abordando temas contemporâneos e urgentes.

Para a seleção dos projetos, a MITbr conta anualmente com a expertise de curadores convidados, que são encarregados de escolher entre 10 e 12 trabalhos de um conjunto de inscrições que, desde sua primeira edição, supera a marca de 400 candidaturas. O objetivo é destacar a riqueza e a qualidade da cena artística brasileira em um contexto global.

Neste ano, os curadores Marise Maués, Cecilia Kuska e Marcelo Evelin analisaram 446 inscrições provenientes de 19 estados do Brasil, do Distrito Federal e de países da América Latina. A seleção resultou em dez obras que serão vistas entre o público geral por um grupo composto por cerca de 100 programadores nacionais e internacionais, uma investida para  ampliar o reconhecimento e a circulação das artes cênicas brasileiras no cenário mundial.

As obras escolhidas para a nona edição da MITsp são representativas da riqueza artística brasileira, cada uma originária de diferentes cidades do país, demonstrando a vasta gama de estilos e temáticas abordadas pelos artistas nacionais:

Ané das Pedras da Coletiva Flecha Lançada Arte, é uma obra que vem do Crato (CE) e da aldeia Kariri-Xocó (AL). O espetáculo explora a relação indígena com a terra e a natureza através de um ritual de plantação de pedra, destacando a visão indígena sobre a existência e a comunicação com o meio ambiente. Por sua vez, Dança Monstro”, da Cia. dos Pés, vem de Maceió (AL) e investiga a interação entre o corpo humano e a natureza, utilizando a dança como meio de conexão com o essencial.

EU NÃO SOU SÓ EU EM MIM – Estado de Natureza – Procedimento 01, do Grupo Cena 11, originário de Florianópolis (SC), propõe uma reflexão sobre a identidade brasileira, misturando dança e teoria para questionar o conceito de “povo brasileiro”. 

Gente de Lá, de Wellington Gadelha, traz uma perspectiva de Fortaleza (CE), apresentando um olhar crítico sobre a violência estrutural dirigida à população negra no Brasil, através de uma performance que mescla artes visuais e movimento.

Já O que mancha, de Beatriz Sano e Eduardo Fukushima, é um projeto de São Paulo (SP), que desafia as fronteiras entre o movimento e o som, questionando dualidades como humano/animal e masculino/feminino. 

Meu Corpo Está Aqui”, produzido pela Fábrica de Eventos do Rio de Janeiro (RJ), aborda as experiências de pessoas com deficiência, explorando questões de relacionamento, corpo e desejo.

Lança Cabocla, da Plataforma Lança Cabocla, é um espetáculo multimídia que une São Luís (MA), Fortaleza (CE), Salvador (BA) e São Paulo (SP), explorando danças populares e afrodiaspóricas em um contexto contemporâneo.

7 Samurais, de Laura Samy do Rio de Janeiro (RJ), inspira-se no clássico filme Os Sete Samurais para criar uma ponte entre os guerreiros japoneses e os artistas de hoje, investigando suas lutas e existências.

Eunucos, das Irmãs Brasil, com origens em São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ), reflete sobre a castração, a transição de gênero e as performances de gênero em uma abordagem crua e simbólica.

Wilemara Barros é a artista em Foco da MITbr e apresenta o espetáculo Preta Rainha. Foto: Luciano Gomes

E por fim, a peça da “Artista em Foco” deste ano. Preta Rainha é um solo autobiográfico que percorre a vida de Wilemara Barros, bailarina e educadora vinculada à Cia. Dita, sediada em Fortaleza. Aos 60 anos, Barros apresenta uma obra que funciona tanto como uma introspecção pessoal quanto uma exposição pública de sua rica jornada artística. 

Preta Rainha é mais do que uma performance; é um mergulho profundo nas memórias pessoais e afetivas de Barros, traçando sua evolução desde os primeiros passos no balé clássico até a consagração como artista contemporânea. Este solo narra a história de sua vida e reflete sobre a herança cultural e ancestral que lhe foi transmitida por sua família. A peça se destaca por seu caráter introspectivo e pela maneira como Barros se apropria de seu legado, reafirmando sua identidade e contribuição para a dança brasileira.

Além de criar uma vitrine para os talentos brasileiros no cenário global, a MITbr – Plataforma Brasil, incorporou uma série de programas educacionais e de reflexão, como o Seminário de Internacionalização das Artes Cênicas Brasileiras e workshops destinados a capacitar artistas e produtores locais. Guilherme Marques destaca a importância da preparação além da produção artística. Ele ressalta que o mercado internacional, com sua estrutura altamente organizada, exige dos profissionais não apenas excelência artística, mas também um profundo entendimento das dinâmicas de negociação e comunicação. Isso é fundamental para que as obras alcancem os programadores e plataformas ideais. Marques aponta para a lacuna existente no Brasil em relação ao papel do agente-difusor, uma figura chave no mercado internacional de artes, mas ainda pouco presente no contexto nacional.

Ações críticas e pedagógicas

O segmento Olhares Críticos destaca a participação de Achille Mbembe, renomado filósofo, historiador e acadêmico camaronês. Mbembe, uma figura proeminente nos estudos pós-coloniais, é conhecido por suas análises afrocêntricas dos impactos do colonialismo tanto na África quanto globalmente, além de ter introduzido o conceito de necropolítica. Sua participação na MITsp inclui uma aula magna programada para ocorrer na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) no dia 4 de março, marcando um dos pontos altos do evento.

Para o ano de 2024, a curadoria do Olhares Críticos está sob a responsabilidade de Leda Maria Martins, ensaísta, dramaturga e professora, que visa fomentar o debate sobre as intersecções entre as artes cênicas e questões contemporâneas. Este eixo do evento será enriquecido por uma série de atividades que incluem conversas com pensadores e pesquisadores de diversas disciplinas, além da publicação de uma variedade de materiais críticos, como críticas, artigos e entrevistas. Entre os destaques da programação estão as sessões de Reflexões Estético-Políticas, Pensamento-em-Processo, Diálogos Transversais e Prática da Crítica, prometendo um ambiente rico em diálogo e reflexão crítica sobre o papel e a influência das artes cênicas na sociedade contemporânea.

No segmento de Ações Pedagógicas da MITsp, sob a curadoria de Dodi Leal, que é performer, docente e investigadora, o público é convidado a mergulhar no universo criativo dos artistas participantes por meio de uma programação diversificada que inclui diálogos, oficinas, apresentações musicais e atuações. Um dos pontos centrais é o Encontro de Pedagogias Teatrais, que visa a renovação das técnicas de criação no teatro através da exploração de metodologias educacionais influenciadas pelos conhecimentos transgêneros. Outra iniciativa significativa é o Laboratório de Pedagogias da Performance, que promove o encontro de artistas e acadêmicos, tanto nacionais quanto internacionais, para discutir e praticar a arte performática, destacando-se a participação da artista argentina Susy Shock.

Além desses eixos, a MITsp oferece a edição de Cartografias, um catálogo que funciona como um compêndio de ensaios, entrevistas e artigos elaborados por pesquisadores e artistas do Brasil. Esta publicação resulta de uma colaboração com o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), sendo editada pelo professor e pesquisador de artes cênicas, Ferdinando Martins. Cartografias busca não apenas documentar as diversas vozes e perspectivas presentes na MITsp, mas também contribuir para o debate acadêmico e prático dentro das artes cênicas contemporâneas.

9ª MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÃO PAULO

Quando De 1º a 10 de março 

Onde: São Paulo: Biblioteca Mário de Andrade, Centro Cultural Olido, CCSP – Centro Cultural São Paulo, Cúpula do Theatro Municipal de São Paulo, Itaú Cultural, Teatro Cacilda Becker, Teatro Paulo Autran – Sesc Pinheiros, Teatro Antunes Filho – Sesc Vila Mariana, Teatro Anchieta – Sesc Consolação, Teatro do Sesi-SP e Tendal da Lapa.

A programação completa está disponível no site www.mitsp.org.

 

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Festival RESIDE avança na internacionalização
com dramaturgia holandesa e proposta argentina
*Ação Cena Expandida*

As argentinas Monina Bonelli e Sol Salinas. Foto: Divulgação

A dramaturga holandesa Esther Gerritsen. Foto Paul Rapp / Divulgação

O RESIDE FESTIVAL na sua quarta edição aposta suas fichas na difusão, formação e reflexão da cena teatral através de residências artísticas, oficinas e encontros. Com isso, o público pernambucano tem oportunidade de compartilhar experiências, ideias e processos criativos. O programa ocorre de 20 a 28 de setembro de 2022, no Teatro Apolo Hermilo, no centro do Recife.

No foco estão o resultado de dois projetos de colaboração internacional que o RESIDE realizou entre 2021 e 2022, com a Holanda e com a Argentina. Um é o Projeto de Internacionalização de Dramaturgias/Coleção Holandesa e o outro é Projeto Bombón Gesell- Violência e Justiça na Ibero-América.

Os frutos são quatro leituras dramatizadas; um workshop intitulado “Arte e Comunidade”; uma residência artística; e o lançamento de uma coleção de livros de dramaturgia holandesa. São ações “para estreitar os laços de convivência e estimular a quebra de eventuais barreiras territoriais e linguísticas”, diz a diretora do festival, Paula de Renor.

O RESIDE integra a CENA EXPANDIDA, uma ação de articulação e colaboração entre os festivais CenaCumplicidades, Festival de Teatro do Agreste, Festival Estudantil de Teatro e Dança e Transborda—as linguagens da cena, do Sesc/PE. A CENA EXPANDIDA acontece durante todo mês de setembro de 2022.

O RESIDE tem apoio da Copergás, Sesc/PE e Prefeitura do Recife através da Secretaria de Cultura e Fundação de Cultura da Cidade do Recife.

Edjalma Freitas, Iara Campos, Mozart Oliveira e Naruna Freitas participam da leitura. Foto: Divulgação

Rodolfo Garcia Vazquez tradutor de Planeta Tudo. Foto: Andre Stefano (@fotosdeteatro) / Divulgação

Ivam Cabral, tradutor de Planeta Tudo –  Alles (planeet Alles). Foto: Andre Stefano @fotosdeteatro / Divulgação

Dramaturgia Holandesa

Disfarçados de humanos, três alienígenas, do Planeta Tudo, chegam à Terra para conseguir uma mola para o botão de volume, pois a deles quebrou.  E no planeta Tudo, há apenas um de tudo. Quando pifa, eles têm que batalhar em outro planeta uma peça de substituição.

Sylpia, Jan e Bavo vão parar em um escritório com uma pessoa super organizada. Eles se esforçam para parecer o mais humano possível. Não é fácil. Jan se apaixona, Sylpia experimenta o ciúme e Bavo é apenas ele mesmo: um quadrado azul perfeito disfarçado, que ninguém leva muito a sério.

A leitura dramatizada do texto Planeta Tudo –  Alles (planeet Alles) ocorre no dia 28 de setembro às 19h, no Teatro Hermilo. A peça é de autoria de Esther Gerritsen, dramaturga, romancista e roteirista do filme Instinct, que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019 e foi premiado em festivais como Locarno, Toronto e Londres. A direção é assinada por Rodolfo García Vázquez, da Cia Os Satyros, de São Paulo e o elenco é formado pelo Coletivo Caverna de Olinda. A peça tem tradução de Ivam Cabral e Rodolfo García Vásquez.

Capas da coleção Dramaturgia Holandesa, da Editora Cobogó

Depois da França em 2019, o RESIDE trabalha neste ano com projeto de internacionalização da Dramaturgia Holandesa. Cinco textos de autores holandeses contemporâneos, que foram traduzidos por artistas brasileiros, fazem parte do programa.

A partir de residência, os diretores brasileiros, os autores holandeses e companhias de teatro convidadas, compartilham o processo criativo e apresentam as leituras de texto em cinco programas que integram o Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil.

Alguns critérios foram eleitos para a seleção de textos e de autores: peças escritas no século 21, de autores vivos com pelo menos um prêmio importante de dramaturgia, textos que despertem interesse e tenham viabilidade econômica, e, que essa escritura gerasse um movimento de aproximação com o público não especializado em dramaturgia contemporânea holandesa.

Os tradutores convidados para o projeto são Cris Larin – Spraakwater (Ressaca de palavras), de Frank Siera; Giovana Soar – Bij het kanaal naar links (No canal à esquerda), de Alex van Warmerdam; Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez –  Alles (planeet Alles)  (Planeta tudo), de Esther Gerritsen; Jonathan Andrade – I won’t play Medea (Eu não vou fazer Medeia), de Magne van den Berg; e Newton Moreno e Almir Martines – The Nation (A Nação – Uma peça em seis episódios), de Eric de Vroedt/Het Nationale Theater.

O Projeto de Internacionalização de Dramaturgias foi idealizado por Márcia Dias, diretora e curadora do TEMPO_FESTIVAL, que envolveu o Núcleo dos Festivais no projeto. Para Márcia Dias, a atuação do Núcleo ampliou a abrangência e agregou mais artistas e públicos. Como resultados diretos da cooperação estão o estímulo ao intercâmbio, os processos colaborativos de criação e a internacionalização de artistas e obras de artes cênicas.

 O Núcleo produziu as duas primeiras edições que traduziram as obras de autores espanhóis e franceses contemporâneos seguidas de encenação.

A Coleção da Dramaturgia Espanhola gerou desdobramentos em 2015. Foram quatro montagens teatrais, uma indicação a prêmio e a produção de um filme de longa-metragem exibido por diversos festivais.

Já em 2019 foi efetivada a Nova Dramaturgia Francesa e Brasileira. A segunda experiência do projeto ergueu uma via de mão dupla, traduziu e difundiu a dramaturgia francesa para o português (Coleção Dramaturgia Francesa, Editora Cobogó), e textos brasileiros para o francês.

A diretora editorial da Cobogó, Isabel Diegues, encara a Coleção Dramaturgia Holandesa como um desafio saboroso e instigante. “Traduzir é parte da prática teatral. Traduzem-se os textos para a cena. Gestos, falas, cenários, figurinos, luz, movimentos são todos, de certo modo, traduzidos a partir de ideias da dramaturgia, além de tantas outras que se constroem na prática teatral”.

O Projeto de Internacionalização de Dramaturgias/Dramaturgia Holandesa tem o apoio do Performing Arts Fund NL  e Dutch Foundation for Literature.

 

Projeto Teatro Bombón Gesell-Violência e Justiça na Ibero-América

Giordano Castro, Janaína Leite, Paola Trazuk terão leituras de suas dramaturgias

A pandemia da Covid-19 instigou muitos artistas a se reinventarem. A curadora, produtora, diretora e atriz argentina Monina Bonelli pensou um novo projeto para o Teatro Bombón, que pudesse acontecer durante a época mais severa do distanciamento social, mas que tivesse fôlego de existir na presencialidade.

Monina foi construindo essa nova caixa de bombons teatrais em conexões da Argentina com Chile, Brasil, Peru, México, Portugal e Espanha. Um mosaico de vozes ibero-americanas foi traçado para discutir violência e Justiça com procedimentos dramáticos e pós-dramáticos, ativadas pelo  “site-specific” câmera Gesell.

Essas dramaturgias a Ibero-América se erguem a partir de um ato fundacional de violência: a colonização.

No Processo foram convocados 12 artistas de sete países para participarem de uma residência virtual de dramaturgia, sendo quatro da Argentina, dois do México, um do Chile, um da Espanha, um de Portugal, um do Peru e dois do Brasil.

A colaboração se deu entre o Festival de Teatro Bombón (Argentina), Centro Cultural Gabriela Mistral (Chile), Teatro La Plaza (Peru), Organização teatral da Universidade Veracruzana (México), Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (Portugal) e Antic Teatre (Espanha).

Do Brasil, foram escolhidos para participar do projeto Giordano Castro, de Pernambuco e  Janaína Leite, de São Paulo. 

Foram realizados encontros virtuais com pensadores das ciências sociais e da filosofia, militantes dos direitos humanos e artista no Fórum Ibero-Americano sobre Violência e Justiça. Dessa experiência brotaram 12 textos de e 13 vídeos que estão disponíveis. https://www.teatrobombon.com/copia-de-bomb%C3%B3n-gessel

Três leituras dramatizadas dos textos criados por autores da Argentina, São Paulo e Pernambuco estão na 4ª edição do RESIDE, articuladas com grupos locais e no workshop Arte e Comunidade ministrado por Monina Bonelli. São elas: O Aquário, de Janaína Leite, com direção de Juliana Piesco; Colors Bars, de Giordano Castro com direção Juliana Piesco e Os Titãs, da argentina Paola Trazuk com direção de Monina Bonelli.

Para conhecer Teatro Bombón siga o link https://www.teatrobombon.com/

 

PROGRAMAÇÃO

Entrada gratuita. Os ingressos estão disponíveis no local, uma hora antes do início de cada apresentação. 

Dias 20 e 21

Workshop Arte e Comunidade
Com Monina Bonelli / Sol Salinas ( Teatro Bombón/ Argentina)
Das 14h às 18h
Local: Dia 20 no SESC Casa Amarela e dia 21 no SESC Santo Amaro
* Direcionada a Gestores culturais, produtores, agentes comunitários, arte educadores
* Haverá uma parte prática entregue como trabalho pelo aluno, virtualmente, após os encontros presenciais.
GRATUITO
Selecionades por inscrição (20 vagas)
*Foca nas alternativas às estratégias centralizadoras e top-down que se baseiam em ações como levar cultura aos bairros ou que a apresentam como objeto estático e luxuoso . Uma reflexão sobre território, para compreender e promover seus espaços de expressão, sua própria cultura e sua memória coletiva.

Dia 22/09

Teatro Apolo, às 19h

Apresentação do Projeto  Bombón Gesell,  por Monina Bonelli (AR)
Leitura do texto O Aquário, de Janaína Leite/Brasil/SP. Direção Juliana Piesco/PE 
Elenco: Clara Lucena, Erique Nascimento, José Eudes, Ton de Souza, Joaquim Ângelo/PE (atores ligados ao Núcleo de Pesquisa Pindorama / Graduação em Teatro CAC-UFPE). Participação especial: Ivo Barreto/PE

Janaína Leite apresenta dentro da programação do  FETEAG (Festival de Teatro do Agreste)  seu espetáculo Stabat Mater, no Teatro Hermilo. A apresentação ocorre logo após a leitura.  Com essa obra, Janaína ganhou o Shell de Melhor Dramaturgia / 2019.   

Juliana Piesco, mora atualmente no Recife. Coordena as atividade de extensão do CAC-UFPE.  Trabalhou com Janaína em alguns projetos, inclusive Stabat Mater. Foi assistente de direção e desenvolveu o conteúdo audiovisual dos experimentos sensoriais Tudo que coube numa VHS, Todas as histórias e Virá, do Grupo Magiluth. 

Dia 23/09 

Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h

Leituras Dramatizadas dos textos do Projeto Bombón Gesell: 
Colors Bars, de Giordano Castro/Brasil/PE. Direção Juliana Piesco/PE
Elenco: Alice Portela, Ariane Fernandes e Lucas Carvalho/PE (atores ligados ao Núcleo de Pesquisa Pindorama / Graduação em Teatro CAC-UFPE).
Os Titãs, de Paola Trazuk/AR. Direção: Monina Bonelli/AR
Ator: José Neto Barbosa/PE

De 24 a 28/09 

Centro Apolo-Hermilo/Coletivo Caverna
Residência de Rodolfo García Vázquez (Os Satyros/SP) com o Coletivo Caverna/PE

Dia 28/09 

Teatro Hermilo Borba Filho, às 19h

Leitura dramatizada do texto Planeta Tudo, (planeet Alles), de Esther Gerritsen/Holanda, com tradução de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez – Satyros (Brasil-São Paulo). Direção de Rodolfo García Vázquez com Coletivo Caverna/PE.
Elenco: Edjalma Freitas, Iara Campos, Mozart Oliveira e Naruna Freitas. Iluminação: João Guilherme de Paula, Vídeo: Gabriel de Godoy, Adereços: Romualdo  Freitas, Produção: Luiz  Manuel.
Transmissão da leitura ao vivo, pelo canal no YouTube do RESIDE, com a participação da dramaturga holandesa Esther Gerritsen, direto da Holanda, e com Ivam Cabral (um dos tradutores), que estará em Estocolmo.

Lançamento da Coleção Holandesa: após a leitura, haverá o lançamento da coleção de livros com cinco volumes, editada pela editora Cobogó.

* Além de dramaturga e romancista, Esther Gerritsen é roteirista.  É co-autora da série Red Light [Luz vermelha] (2020) e roteirista do filme Instinct [Instinto] (2019), premiado em festivais como Locarno, Toronto e Londres, e concorrente holandês ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019.

FICHA TÉCNICA- RESIDE FESTIVAL

Realização: Remo Produções Artísticas

Produção: Paula de Renor
Curadoria: Celso Curi e Paula de Renor
Consultoria: Fervo Projetos Culturais
Produção Residência/Leitura Dramaturgia Holandesa: Luiz Manuel/Coletivo Caverna

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Exercício de tecnossobrevivência
Crítica de Sala de Espera

Trechos de peças clássicas são dramatizados pela atriz. Foto: Reprodução de tela

Respira, respira, pontua várias vezes Cira Ramos.  Foto: Reprodução de tela

O mundo anda muito estranho. Foto: Reprodução de tela

* A ação Satisfeita, Yolanda? no Reside Lab – Plataforma PE tem apoio do Sesc Pernambuco

Sala de Espera é uma experiência virtual, com roteiro adaptado e atuação de Cira Ramos, direção de fotografia e direção geral de Fernando Lobo, supervisão artística à distância de Sandra Possani. O trabalho é inspirado na estrutura dramatúrgica da peça Próxima e utiliza fortemente os recursos audiovisuais.

A figura de Cira Ramos, multiplicada em muitos papéis dela mesma e fragmentada no tempo que escapa, encara uma espécie de looping seguidamente. Acontecimentos de um mesmo dia se misturam com pequenos acréscimos.

Lentilha, Ano Novo, Carnaval, a peça Próxima, as incertezas dos editais, Cira se desembrulha para investigar como viemos parar nessa situação. Que tempos são esses???

Arrisco dizer que o golpe de 2016 piorou tudo que veio em seguida.

Sala de Espera aguenta um estado de suspensão, traça uma reflexão alucinada, bem-humorada, vertiginosa sobre calendários, agendas, passagens dos dias e o que caiu sobre nossas cabeças e nos paralisou.

O trabalho nos conduz por um túnel do tempo, como se tudo acontecesse de novo e de novo. Será que a mulher da tela está ficando louca; presa no tempo, condenada a reviver esta data repetidamente? Ou somos nós?

O cinema é prodigioso em explorar esses recursos. Feitiço do Tempo, de 1993, dirigido por Harold Ramis é um deles, no qual o personagem leva um choque elétrico e os acontecimentos dos seus dias se repetem sem parar.

Peça Próxima, com Cira Ramos e direção de Sandra Possani, já flertava com o audiovisual. Foto: Reprodução de tela

Próxima, a peça inspiradora dirigida por Sandra Possani, estreou em 2018 como ato comemorativo dos 40 anos de carreira da atriz Cira Ramos. Investiga a dura luta da artista mulher, que enfrenta mais obstáculos e uma carga de trabalho reforçada pelas atividades domésticas, não usufrui de equidade salarial entre gêneros e outros desafios para conseguir o  papel seguinte, o trabalho posterior.

O tempo implacável que deixa suas marcas, as glórias do passado e as incertezas quanto ao amanhã quando se vive de arte ocupam a centralidade das discussões de Próxima, espetáculo que traz esse flerte entre teatro e cinema e aproveita poeticamente as possibilidades dos recursos tecnológicos.

Mas uma pergunta desabou sobre minha cabeça, sobre se a natureza de Sala de espera é ou não é teatro e contaminou os bastidores do Satisfeita.

Elucubrações de Yolanda

Dei uma gira nos labirintos da minha cabeça. E os vultos, meus fantasmas a me atormentar: “Isso é teatro?”
– Pare o mundo que eu quero…
– O mundo parou há um ano, de uma certa forma… Não percebeu?–Eita…
– Por isso o teatro presencial foi interditado, entre outras atividades como consequência das medidas de isolamento social para tentar barrar a disseminação do vírus.
– Cadê minha bolsa, meus documentos?

O teatro é tanto que não pode ser unívoco. Dos muitos teatros possíveis, resistência e combate contra autoritarismo, contra arbitrariedade e qualquer forma de opressão se faz presença.

Como centenas de obras virtuais, Sala de Espera é resultado da necessidade de prosseguir criando durante a pandemia de Covid -19. Urgências de experimentar, em casa, no espaço privado, que se torna público durante a exibição do trabalho gravado. A artista seguiu os protocolos e operou com as pessoas da família, o marido e as filhas, que também entraram na equipe.

Sala de Espera é um desafio. O clima é de adiamento, para quando a vida voltar ao normal. Será que volta? É melhor diminuir a expectativa e se maravilhar com o poema de João Cabral de Melo Neto, “Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos”.

Ano Novo, Carnaval, o tempo é misturado no experimento artístico. Foto: Captação de tela

O que é o teatro? Desde o século passado me pergunto isso, pergunto a um e a outra. Não encontrei resposta decisiva. Satisfatoriamente definitiva. Continuo procurando. “O que é que há, pois, num nome? Aquilo a que chamamos rosa, mesmo com outro nome, cheiraria igualmente bem”. Shakespeare, Romeu, Julieta. Que doideira! Isso é romântico?

Arte da presença. Mas a presença-ausência espacial, sincrônica temporalmente? Uns e outros levando choques vindos da tela? Hum hum. Pode ser. Teatro virtual… teatro gravado… teatro cinematográfico… teatro com mídias… teatro intermídia… teatrofilme… teatro da dramaturgia visual… teatro.. teatro…
Ai que saudade do teatro presencial.

No experimento gravado Sala de Espera, Cira Ramos transborda dessas indagações, faltas, desejo de aglomerar. Ai, ai, saudade Saudade tão grande Saudade que eu sinto Do Clube dos Pás, dos Vassouras Passistas traçando tesouras Nas ruas repletos de lá Batidas de bumbo São maracatus retardados Que voltam pra casa cansados Com seus estandartes pro ar Quando eu me lembro O Recife tá longe A saudade é tão grande Eu até me embaraço… Antônio Maria, sua música embala corações.

Tem gente que não gosta de jeito nenhum desse teatro virtual. Eu preferiria o presencial, bien sûr. Mas por que essa mania excludente? Ou é isso ou é aquilo? Por que não ser isso e aquilo?

Elucubrações de Yolanda

Os fantasmas não me largam, fazem um sambada na minha cabeça:
– E o risco cênico?
– Parem, assombrações, de me atormentar! Que é que tem o risco cênico?
– Não tem! Tá tudo gravado, editado.
– Ai meu São Longuinho, Santa Edwiges, Iemanjá!!! O risco ocorreu na hora da gravação, caramba.
– Mas a gente não viu!
– Use a imaginação!!!
– A presença tem que ser ao vivo…
– É preciso levar em conta as experiências que incorporam a tecnologia. Outros tempos, outros regimes de presença. E principalmente agora, com a pandemia que não é uma gripizinha.

Cira Ramos é mignon, uma atriz versátil que atua com desenvoltura em muitas possibilidades teatrais e tem um timing especial para o humor. Assisti algumas de suas atuações. Dos infanto-juvenis Avoar, de Vladmir Capella, com direção de José Manoel (1987/1990); Maria Borralheira, de Vladmir Capella, com direção de Manoel Constantino (1988), A Ver Estrelas com texto e direção de João Falcão (1990); e para o público adulto, O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchecov, dirigido por Antonio Cadengue (1990/92), Senhora dos Afogados de Nelson Rodrigues, também sob a batuta de Cadengue (1993/1994); Fernando e Isaura, de Ariano Suassuna encenado por Carlos Carvalho (2005/2006/2007), Carícias, de Sergi Belbel com direção de Leo Falcão (2009/2010/2012), e tem muito mais. Uma trajetória rica de experiências cênicas.

Fernando Lobo, que assina a direção, é publicitário, músico, diretor e produtor musical com mais de 40 anos de profissão. Um cara experiente, premiado, criativo. Ele imprime um ritmo frenético aos questionamentos da atriz, com cortes, repetição, edição.

Sala de espera utiliza animações. Foto: Captação de tela

Elucubrações de Yolanda

Os fantasmas voltam mais ferozmente indagativos:

– As telas não substituem o encontro real entre seres humanos…
– Não mesmo? As pessoas namoram, fazem sexo por telinhas, negociam ganham dinheiro.
– Você está mudando de assunto…
– Será?!
– Vamos falar sério?
– Mais ainda
– Que as telas não substituam o encontro real entre seres humanos!!!
– Então vamos cruzar os braços e esperar a morte chegar? Porque teatro presencial está proibido, contato físico com outros humanos desaconselhável durante essa pandemia.
– Não, claro que não, mas não podemos chamar uma coisa pelo nome que não lhe pertence.
– Vamos lá… então… teatro virtual, teatro MAIS que expandido durante a peste do século 21.
– Sabe Jorge Dubatti?!!!
– Sim, claro, o teórico, filósofo e crítico argentino, que criou a Escola de Espectadores.
– Então, para mim, a teoria dele é a mais adequada. Dubatti defende que existem dois feitios de elaboração poética: a convivial e a tecnovivial.
– São paradigmas diferentes
– O tecnovívio, para Dubatti é essa cultura vivente desterritorializada por intermediação tecnológica.
– Mas o teatro respira em movimentado diálogo com os tempos e ganha muitos contornos no percurso…
– Mas sem perder sua essência… Dubatti pensa a arte do teatro como acontecimento convivial, de duração efêmera, localizada e territorializada. Então precisa estar de corpo presente, corpo físico vivo, na materialidade do espaço físico.
– Sei, sei, uma cultura de convívio, feito as partidas de futebol em campo, encontros com amigos, os rituais religiosos, as aulas presenciais nas salas de aula…
– O filósofo argentino coloca em oposição a cultura tecnovivial da cultura convivial. Nessa cultura tecnovivial as relações humanas ocorrem por desterritorialização, à distância, por meio de máquinas ou sistemas tecnológicos.
– Certo, mas ambas são experiências artísticas, performáticas, com poiesis e espectadores
– Mas falta o fator convivial… território convivial, o calor humano. não vivenciamos a experiência teatral.
– Com cenas pré-gravadas, não é teatro!
– Que coisa mais purista. O teatro é um fenômeno multifacetado. E podemos criar outros conceitos. Lembra da obra Stifters Dinge, de Heiner Goebbels? Um peça sem atores, uma performance sem performers?
– Sim, sim, exibida II Mostra Internacional de Teatro de São Paulo – MITsp, em 2015. Não considero como teatro, mas uma instalação…
– Pois penso que a reverberação, os aplausos, a reflexão, os ensaios, a repercussão, a crítica, também são teatro. Como no poema Resíduo, de Carlos Drummond de Andrade, fica um pouco. E se fica é porque tem.
– É interessante, mas não me convence.
– Está bem, então ficamos assim, pois preciso terminar essa crítica, que já demorou muito…
– Mas, fazer crítica não é fazer bolo de rolo?
– Como assim?
– Bolo de rolo é patrimônio cultural e imaterial de Pernambuco, desde 2007!
– Eu sei!!!! E adoro. Mas existe uma receita, né?!

Ela troca de fantasias. As imagens de arquivo de Carnaval foram cedidas por HIGH TECH Vídeos Profissionais

Sala de Espera pulsa mais teatro quando expõe sua artesania, os objetos e arranjos que eles usaram para fabricação da imagem. São utilizados desenhos animados em algumas cenas e o trabalho palpita de ânsia pelo encontro e pela presença física.  A atriz utiliza frases curtas, questionamentos cotidianos feitos nessa pandemia e narra as experiências enquanto são mostradas: lavar as mãos, fechar a porta, chamar o elevador, descer as escadas. 

Os momentos mais teatrais jorram das falas das peças Macbeth, – o mais tenebroso dos dramas shakespearianos de acordo com o crítico literário Harold Bloom; Maria Stuart, do escritor Stefan Zweig, – sobre a rainha da Escócia (1542-1587), pretendente ao trono inglês, por ser descendente de Henrique VII, que foi condenada por traição e presa durante 22 anos por determinação de sua prima Elizabeth I, rainha da Inglaterra; Medeia, a tragédia grega de Eurípides, datada de 431 a.C., sobre a impressionante mulher que mata os filhos como vingança e proteção, depois de ser abandonada pelo marido que ela ergueu; Gota d’água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975 inspirada na peça de Eurípedes sobre o mito de Medeia, transposta para o Rio de Janeiro.

O experimento artístico foi exibido pela primeira vez durante o Festival Reside Lab – Plataforma PE, a partir do Recife, na plataforma do Youtube, com chat aberto antes da apresentação e uma breve interação entre artistas e público. A atriz falou, ou pensou, no seu nervosismo, naquelas pessoas que ela conhece. Alguns, amigos ou fãs ou pessoas que assistiram Próxima no teatro, fizeram suas conexões, deixaram frases, comentários.

Mas afinal, depois dessa elucubração toda, é ou não é teatro? Minha resposta por enquanto, depois de tudo, é que estou na Sala de Espera, aguardando para assistir ao espetáculo Próxima. E vamos em frente, criando e refletindo sobre esse momento histórico utilizando as ferramentas tecnológicas disponíveis.

Ficha Técnica:
Sala de Espera
Roteiro adaptado: Cira Ramos
Direção: Fernando Lobo
Supervisão artística: Sandra Possani (Contatos remotos)
Assistência de direção: Cira Ramos
Atuação: Cira Ramos
Direção de fotografia: Fernando Lobo
Trilha sonora original: Fernando Lobo e Fábio Valois
Iluminação: Fernando Lobo
Sonoplastia: Fernando Lobo
Captação de áudio: Fernando Lobo
Assistente de captação de áudio: Alice Lobo
Assistência de fotografia e iluminação: Julia Lobo e Alice Lobo
Animação: Julia Lobo e Alice Lobo
Edição e montagem: Fernando Lobo
Imagens de carnaval, cedidas do arquivo HIGH TECH Vídeos Profissionais.

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Guaramiranga valoriza a cena nordestina há 27 edições

A Casatória C’a Defunta, da Cia Pão Doce (RN), integra a programação da Mostra Nordeste. Foto: George Vale

O 27º Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga – FNT começa com a programação da Mostra Nordeste, de 26 a 30 de setembro, em formato adaptado a esses tempos de pandemia da Covid-19, com transmissões online. Essa ação do FNT deste ano inclui apresentações de 10 companhias, sendo duas de Pernambuco (Grupo Magiluth e Teatro de Fronteira), duas da Bahia (Pico Preto e Teatro dos Novos), duas do Rio Grande do Norte (Clowns de Shakespeare e Cia Pão Doce) , três do Ceará (Inquieta Cia., Flecha Lançada Arte e Paula Yemanja / Zéis) e uma de Sergipe (Grupo Caixa Cênica). Além de cinco espetáculos suplentes: Memórias de Cão, do Alfenim (PB); Velòsidades, do Território Sirius Teatro (BA); Bixa Viado Frango, d’As Travestidas (CE); Marlene dos Espíritos online com o No Barraco da Constância Tem (CE) e Pas de Temps, da Companhia de Teatro Epidemia de Bonecos (CE).

A produção teatral do Nordeste recebe destaque e valorização desde a primeira edição do FNG, que impulsionou a trajetória de grupos e faz da cidade cearense um ancoradouro potente da arte e da renovação dos sonhos. Nilde Ferreira, coordenadora geral do FNT, anunciou em uma live os selecionados da Mostra Nordeste e as outras estações do festival. Em outubro está previsto um webnário com o tema Desafios Sustentáveis para o Século 21 no Âmbito de Festivais e Mostras, além do Encontro com Artistas pesquisadores e Música no FNT, uma panorâmica.

A Mostra de Dramaturgias está agendada para novembro bem como o programa de formação. Em dezembro, a organização planeja, e torce que possa ser presencial, a Mostra FNT para Crianças e o Palco Ceará.

Realizado pela Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga (AGUA), com apoio cultural do Governo do Estado do Ceará e apoio institucional da Prefeitura de Guaramiranga, o FNT priorizou, segundo Nilde, o compromisso de manter o festival no calendário, entendendo o papel da grande rede de festivais.

A seleção da Mostra Nordeste foi feita sob a coordenação de Paulo Feitosa, do Ceará, e contou com as curadoras e os curadores Celso Curi, de São Paulo, Thereza Rocha, do Ceará e Paula de Renor, de Pernambuco.

 

Bruno Parmera em ação no experimento sonoro Tudo que coube numa VHS, do Grupo Magiluth

Mário Sergio Cabral, integrante do Grupo Magiluth

Entrelinhas, com Jaqueline Elesbão. Foto: Ives Padilha

O Grupo Magiluth, do Recife (PE) integra a mostra com o experimento sonoro Tudo o que coube numa VHS. Os atores utilizam várias plataformas virtuais de comunicação e entretenimento, numa relação individual com o espectador. O público se torna cúmplice das memórias de um personagem, que fala sobre amor e relacionamento, no percurso dessas recordações.

A violência psicológica, emocional e sexual sofrida pela mulher, especialmente a negra, numa sociedade patriarcal, racista, machista e misógina há mais de 500 anos faz mover o espetáculo Entrelinhas, com Jaqueline Elesbão, do grupo Pico Preto, de Salvador (BA). A coreógrafa, diretora e performer usa máscara de flandres, que calava a escravizada Anastácia nas sessões de tortura. Outra elemento emblemático do trabalho é o sutiã, como símbolo da luta pela liberdade feminina na década de 1960.

 

Paula Queiroz, atriz da viagem cênico-cibernética Clã_Destino, do Clowns de Shakespeare. Reprodução do Face

Metrópole, com Silvero Pereira e Gyl Giffony

O grupo teatral sergipano Caixa Cênica discute a violência urbana no espetáculo Respire 

A proposta do Grupo Clowns de Shakespeare é fazer um passeio lúdico conduzido por seis agentes, por trilhas tão desconhecidas quanto divertidas rumo ao redescobrimento da alegria. O passageiro Clã_Destino dessa viagem cênico-cibernética responde a perguntas, participa de algumas situações e faz escolhas que determinam o caminho de cada um.

Silvero Pereira e Gyl Giffony são dois irmãos na peça Metrópole. O mais velho dos dois, Caetano, está às voltas com as encomendas de bolo e com prazos estourados. Ele busca garantir o sustento e esquecer os sonhos. O jovem ator Charles aparece de surpresa e nesse encontro afloram antigos conflitos em torno do mercado artístico, terreno onde “não há garantias”. Também do Ceará, a Flecha Lançada Arte apresenta Influxo.

Respire – Manifesta, do Grupo Caixa Cênica (SE), é uma instalação-vivência cênica com uma dramaturgia expandida composta por palavras, sons, cheiros, movimentos e corpos políticos dançantes que escavam a violência predominante na sociedade. A montagem tem direção de Sidney Cruz e texto de Marcelino Freire.

Dante Olivier, Joe Andrade, Jailton Júnior e Rodrigo Cavalcanti participam d’O Evangelho Segundo Vera Cruz

Peça Um São Sebastião Flechado é inspirada em conto de Nelson Rodrigues

Religião, política, arte, moral e hipocrisia compõe um cenário explosivo. Foi em 2018 que o espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu – com a atriz trans Renata Carvalho – foi alvo de boicotes e de censura no Festival de Inverno de Garanhuns, no interior de Pernambuco. A peça tem uma lista de perseguições em outros locais, mas a atriz chegou a dizer que esses ataques foram os mais traumáticos. O Evangelho Segundo Vera Cruz é uma ficcionalização do episódio pelo grupo Teatro de Fronteira, com dramaturgia e direção de Rodrigo Dourado. Entre outras coisas, a peça reflete sobre as potências das artes para enfrentar o reacionarismo.

Durval é um sujeito que se divide em dois para agradar a esposa e a amante. Um São Sebastião Flechado é inspirado no conto Mártir em Casa e na Rua de Nelson Rodrigues. Os atores Paula Yemanjá & Zéis misturam música, teatro e literatura, num jogo provocador para apresentar a história.

 

A Casatória c’a Defunta. Foto: George Vale

Fragmento de um teatro decomposto, com texto do romeno Matéi Visniec, encenada por Marcio Meirelles

O medroso Afrânio vai se casar com a romântica Maria Flor, mas acidentalmente se junta com a temível Moça de Branco, que o conduz para o submundo. Mas ele não desiste do amor e os atores da Cia Pão Doce contam essas peripécias no espetáculo A Casatória C’a Defunta.

Fragmentos de um teatro decomposto é uma série de monólogos do dramaturgo romeno Matéi Visniec traduzidos por Alexandre David e encenada por Marcio Meirelles, com a Companhia Teatro dos Novos (CTN) , do Teatro Vila Velha, de Salvador. A peça exibe um mundo distópico, mas que soa familiar depois da pandemia. De gente que se enclausura para se proteger e isolar do mundo, de alguém que conserta uma máquina de enterrar cadáveres, ou de outro que acorda numa cidade onde todos os habitantes sumiram.

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Experiência artística do êxtase vai à exaustão

Nereu Jr / Divulgação

Foto: Silvia machado / Divulgação

Crowd (Multidão), espetáculo da franco-austríaca Gisèle Vienne, abriu a 7ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, na noite de quinta-feira, 5 de março. A artista buscou o mote da coreografia em suas experiências dos “clubs” de Berlim dos anos 1990 para erguer uma impressionante encenação de rave regada a música techno, manipulação de tempos e ritmos estampados nos corpos bem treinados de 15 jovens dançarinos.

Ao som de uma trilha eletrizante concebida por Peter Rehberg, com músicas de artistas como Jeff Mills, Global Communication e Underground Resistance, Crowd propõe nessa festa selvagem um mergulho interior nessa jornada hedonista. Experimentos para a figura perder o controle coletivamente na perspectiva de vivenciar algo profundo. É o que defende Gisèle Vienne.

A artista compõe imagens exuberantes. O chão é coberto por uma espécie de terra e lixo orgânico, permitindo que esse cenário remeta a uma noite de farra, que entra pela madrugada na Europa, em São Paulo ou em qualquer outro lugar.

Os 15 dançarinos entram em cena se movendo muito lentamente, o que, num primeiro momento, pode parecer uma representação de seres de outro planeta. Mas não é isso. Ou é, noutros termos? Eles se aglomeram, traçam marchas solitárias.

É a produção de um exercício de transe pela imersão em um ambiente sonoro intenso e repetitivo. A luz de Patrick Riou equaliza significados desse cenário, desenhando quadros de efeito impactante, das figuras que atravessam a noite perseguindo prazeres efêmeros ou um sentido para a vida.

Da plateia captamos o conjunto, um bloco de gente, ou cenas específicas, fisgadas dessas pequenas narrativas que surgem por todo o palco – encontros rápidos, corpos balançando em convulsões, beijos fugazes, jogos de mãos bobas que escorregam pelo corpo alheio, brigas, luxúria, solidão, estrago. Esses seres humanos falíveis acionam em 90 minutos amplificação narcísica.

Para mim, mais do que o êxtase proposto pela diretora, o que chega é o esgotamento pela repetição em vários ritmos e andamento nos movimentos dos intérpretes. Apreendo o que essa quantidade exagerada de opções, de ofertas, de relacionamentos não assegura ou atrai para uma relação duradoura. Tudo é fugaz.

Essa experiência sonoro-motora imersa em um ambiente de alta voltagem vibratória, pelo volume alto, pelas escolhas das músicas, pela simulação da perda do controle dos movimentos, tudo isso me remete a reflexões sobre os mecanismos inconscientes que alimentam a máquina capitalista atual.

As modulações de movimento, manipulação do ritmo, do tempo e intensidade dos gestos dos corpos expõem as emoções diluídas na multidão – algo opaco e translúcido – em estados alterados de consciência.

Os recursos técnicos, de produção e de efeito, como uma lata que explode ou fumaça que brota dos casacos são realmente impressionantes. A preparação do elenco expõe um virtuosismo, como se diria na modernidade, de trabalhar os corpos em câmera lenta, com movimentos em looping ou congelados em “frames”, que são realmente incríveis.

Mas é certa a associação com o estado psíquico do país e da plateia presente à abertura da MITsp, de um esgotamento causado por ataques constantes à democracia, às liberdades individuais e coletivas, às ofensivas ao direito de desejar e ser, as investidas contra a arte.

Abertura

O lugar de resistência da MITsp parece construído às custas de muito sacrifício, esforços que, quem está de fora, talvez não consiga supor. Mais uma vez, a mostra foi erguida em quatro meses, realmente um trabalho hercúleo. Em sua fala, o diretor de produção Guilherme Marques exaltou o trabalho da equipe e convidou o grupo para se juntar na frente do palco. Foi um dos momentos mais emocionantes da abertura, o esforço tornado carne.

Elegantíssimos os mestres de cerimônia da MITsp, os atores trans Gabriel Lodi e Renata Carvalho. O sempre admirado Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, – um exemplo de combatividade em prol da cultura –, avança com seu discurso e postura coerentes desde a primeira versão da mostra. O diretor do Itaú Cultural Eduardo Saron reforçou o apoio da instituição ao evento e à cultura. O jornalista Celso Curi leu o Manifesto Artigo 5º, pelas liberdades.

Ah, os políticos… destoam do ritual, principalmente os que ocupam cargos nas gestões de centro, de centro-direita. O mundo já está muito complicado para quererem repassar responsabilidades das diretrizes culturais insuficientes.

Sigamos, pois, lutando pela arte e pelas vidas. Inclusive as nossas.

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