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Identidades móveis

Lúcia Romano e Edgar Castro dividem palco em Maria que Virou Jonas ou a Força da Imaginação

Lúcia Romano e Edgar Castro dividem palco em Maria que Virou Jonas ou a Força da Imaginação

janeiro-de-grandes-espetáculos-SSSSQuando criança, ficava fascinada com a lenda de que se o menino passasse debaixo do arco-íris viraria moça; e se a menina que cruzasse esse fenômeno ótico se transformaria num rapaz. Adorava esses rastros de gotas de chuva e seus espectros coloridos. Esses dias acalentavam pensamentos de trocar de sexo. Para experimentar. Mas com a garantia de voltar a ser mulher (“Eu gosto de ser mulher..”). Naquela época nem pensava que essas coisas de identidades são tão intricadas.

Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) foi um filósofo, escritor e humanista francês do século XVI, reputado como o inventor do ensaio pessoal. Ele deixou registrado no capítulo 21, A Força da Imaginação, do seu livro Ensaios, que conheceu em Virtry-le-François um rapaz de nome Germain Garnier, que até os 22 anos de idade era Marie. Mas num esforço para saltar um buraco, seus órgãos viris apareceram. “Não é tão extraordinário assim o caso, e essa espécie de acidente se verifica não raro”.

A partir desse disparador, a Cia. Livre ergueu peça Maria que Virou Jonas ou a Força da Imaginação, um espetáculo sobre transgêneros. A dramaturgia é assinada por Cássio Pires, que deslocou a fábula de Marie-Germain para a contemporaneidade. A encenação de Cibele Forjaz, com Edgar Castro e Lucia Romano, articula as concepções entre representação, fantasia, teatralidade e aparência.

Maria que Virou Jonas ou a Força da Imaginação foi gestada depois do ciclo Leituras Transvestidas, em que a Cia. Livre levou para a roda de debates textos da dramaturgia universal sobre mudanças de identidade, novas configurações para a questão do gênero e os intersexos.

A história de Marie que vira Germain, apresentada por Montaigne é recontada pelo historiador e sexólogo Thomas Laqueur (1945) no livro Inventando o Sexo. No palco a trupe confronta as construções culturais na definição de sexo e as supostas verdades biológicas.

Na encenação, os atores são os transexuais Neo Maria (Lúcia Romano) e Jonas Couto (Edgar Castro), que ensaiam A Força da Imaginação. Jogo de metateatro, em que o público escolhe qual papel os atores da peça vão viver a cada sessão.

Maria que Virou Jonas ou a Força da Imaginação é a décima peça da Cia. Livre em 15 anos de carreira.  O grupo já montou os espetáculos Toda Nudez Será Castigada e Os 7 Gatinhos, de Nelson Rodrigues; Arena Conta Arena 50 Anos e Arena Conta DantonVem Vai – O Caminho dos Mortos, com dramaturgia de Newton Moreno; e Raptada Pelo Raio, com dramaturgia de Pedro Cesarino.

Essas questões de gênero, identidade, opção sexual e comportamento sexual são bem complexas e podem ser libertárias.

Peça tem direção de Cibele Forjaz

Peça tem direção de Cibele Forjaz

SERVIÇO

Maria Que Virou Jonas ou A Força da Imaginação (Cia. Livre – São Paulo/SP)
Quando: Dia 16 de janeiro de 2016 (sábado), 19h, Dia 17 de janeiro de 2016 (domingo), 19h e 21h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 20 e R$ 10
Duração: 1h45 min.
Indicação de faixa etária: Não recomendado para menores de 16 anos.

Ficha Técnica
Dramaturgia: Cássio Pires
Direção: Cibele Forjaz
Atores-criadores: Edgar Castro e Lúcia Romano 
Direção de Movimento: Lu Favoreto
Cenografia: Márcio Medina
Figurinos: Fabio Namatame
Luz: Rafael Souza Lopes
Operação de Luz: Rafael Souza Lopes e Rodrigo Campos
Direção Musical: Lincoln Antonio
Sonoplastia: Pepê Mata Machado
Treinamento Vocal para Canto: Ná Ozzetti
Produção: Cia. Livre e Centro de Empreendimentos Artísticos Barca

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Mia Couto no teatro

Chuva pasmada. Fotos: Pollyanna Diniz

“Acontece que eu estou escritor. Ninguém é escritor, como se fosse uma condição de essência, uma coisa biológica, que nos marca. A escrita pra mim é uma maneira de eu olhar o mundo e, portanto, posso perdê-la e não me perder nisso”. Esse é um trechinho da entrevista que Mia Couto deu ao Roda Viva na última segunda-feira. A obra desse escritor moçambicano nos concede mesmo o prazer de encontrar muitas visões de mundo. E cada uma tão particular, mas todas geralmente plenas em poesia. Os textos nos absorvem aos pouquinhos, despretensiosamente. Quase como se não quisessem nada, entende? E de repente você se depara com uma frase daquelas que te tiram do prumo.

Essa sensibilidade está no espetáculo Chuva pasmada, adaptação do texto homônimo de Mia Couto, feita em parceria por Eduardo Okamoto e o Grupo Matula Teatro, de São Paulo. A peça foi encenada ontem no Marco Camarotti, dentro do projeto Travessias poéticas, que reúne três espetáculos criados a partir da obra do moçambicano. Além de Chuva pasmada, tem Gaiola de Moscas, do Grupo Peleja (PE) e Mar me quer, da A Outra Companhia de Teatro (BA).

Chuva pasmada é um espetáculo muito simples. Um encontro entre dois bons atores – Eduardo e Alice Possani – e um texto sensível. E isso basta. Eduardo e Alice se conheceram na época de faculdade e foi ideia de Eduardo criar o grupo; mas há alguns anos ele decidiu seguir carreira solo. O espetáculo é então um reencontro.

A história é narrada em terceira pessoa e os dois se revezam dando vida a vários personagens. Até numa mesma cena eles podem trocar de personagens. O pai, a mãe, a tia, o avô, o menino. E os atos se desenrolam a partir da história que cada um desses personagens nos traz. É uma história de memórias, encontros, sonhos e paralisias. De humanidade. Em algum momento, aquele texto te provoca, te surpreende, te traz pra perto, mesmo que tudo teoricamente se passe lá na África, na aldeia onde o rio secou e a fábrica insiste em fazer estragos.

Eduardo Okamoto e Alice Possani

Eduardo e Alice conduzem essas narrativas sem exageros. É emoção na medida, limpeza de movimentos e texto, texto e texto. Sem que nada fique pesado; até porque a poesia que fica como ‘chuva pasmada’ ali na sala de espetáculos não deixa que isso aconteça. O texto foi adaptado por Cássio Pires. A direção e iluminação são de Marcelo Lazzaratto, que não precisou de nada mirabolante não. A iluminação nos convida àquele ambiente de terra laranja, clara. Que compõe com a cenografia e figurinos de Warner Reis. A música está lá no momento certo; é de Michael Galasso.

Programação – Hoje é a vez do grupo Peleja apresentar Gaiola de Moscas; e amanhã o projeto segue com Mar me quer. As sessões são sempre às 16h30 e às 19h30 e a entrada é gratuita, já que o grupo foi contemplado pela Funarte no Procultura de Estímulo ao Circo, Dança e Teatro 2010. Aqui em Pernambuco, o projeto ainda vai pra Arcoverde.

Sinopses:

Gaiola de Moscas:
Zuzé é um curioso comerciante, vendedor de cuspes que, para salvar os negócios, se torna vendedor de moscas. Sua mulher, cansada das ideias do marido, se encanta por um forasteiro vendedor de “pintadas” de batons.

Mar me quer:
Cinco atores contam a saga de Zeca, um pescador cheio de histórias que tenta fugir de seu passado, num diálogo eterno com seu Avô, morto. Apaixonado por Luarmina, sua vizinha e outrora amante de seu pai, ele necessita recorrer as suas memórias para conquistar seu amor e continuar vivo, uma vez que ele é castigado por uma promessa que não cumpriu.

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