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Correspondência de artista, Brasil de hoje, teatro documental e urgente

Espetáculo Cartas foi montado com o apoio do Aprendiz em Cena. Foto: Coletivo Caverna

Intensos 11 anos, entre 1965 e 1976. O Brasil enfrentava os primeiros tempos de uma ditadura militar, enquanto os escritores, dramaturgos, homens de artes, Hermilo Borba Filho e Osman Lins se relacionaram por meio de cartas. Uma troca que não acontecia de maneira esporádica: às vezes, era só o tempo de chegar uma, que a devida resposta já era prontamente escrita e enviada. Desde que tomou conhecimento da existência dessas cartas, Luiz Manuel, que estreou como diretor justamente com A Rã, espetáculo baseado no conto homônimo de Hermilo Borba Filho, idealizou levá-las ao palco. Cartas estreia neste sábado (27), encerrando a 17ª edição da Semana Hermilo Borba Filho, que este ano também homenageou Osman.

O projeto foi montado com o suporte de “O Aprendiz em Cena”, projeto que oportuniza o trabalho de um diretor iniciante com um elenco já mais experiente. Fabiana Pirro, Paulo de Pontes e Claudio Lira conduzem o espectador por uma dramaturgia construída como se fosse realmente uma carta. Além das conversas entre Hermilo e Osman, a obra Guerra sem Testemunhas, de Osman, também serve como base para o texto; “Lendo a correspondência, eu me fascinei sobre o quanto eles trocavam com relação à vida profissional. Editamos as cartas, escolhemos alguns trechos, mas são as palavras dos dois, além dessa adaptação de Guerra sem Testemunhas, que fala sobre a guerra que é escrever, o quanto ele escreve em guerra com si mesmo, com a sociedade, com o editor”, explica Luiz Manuel.

Osman foi aluno de Hermilo no Recife, mas pela correspondência profícua os dois realmente se tornariam amigos, testemunhas íntimas das trajetórias literárias um do outro. De acordo com Nelson Luís Barbosa, que estudou esses escritos, “(…) as cartas foram exclusivamente um espaço de discussão de questões relacionadas essencialmente aos projetos literários de cada um, seus embates com o mercado editorial e a dificuldade de conseguir editores conscienciosos que efetivamente respeitassem as obras e pagassem justamente por elas”, explica em artigo.

Apesar da centralidade das discussões sobre as próprias obras, há também menções à situação política do país e às vidas pessoais dos dois. Eles falam, por exemplo, sobre suas separações, os  novos casamentos, a relação com os filhos. “Cada carta que lia, eu me emocionava. Quanta intimidade. Eu tinha a sensação de estar invadindo a vida deles. Por mais que nas cartas eles falem muito do trabalho, das angústias, dos editores, o pouco que eles falam da intimidade é muito pesado, muito significativo”, conta Fabiana Pirro.

No elenco, Claudio Lira, Fabiana Pirro e Paulo de Pontes. A direção é de Luiz Manuel

Além disso, mesmo que as correspondências tenham se dado nas décadas de 1960 e 1970, as similaridades com o país de hoje são incontestáveis. “É o Brasil de agora, do fascismo, da censura, a falta de dinheiro, a falta de espaço para os artistas. Caminhamos ou estamos andando para trás? E por serem pessoas políticas no caráter, na forma de vida, de encarar o ofício, eles nos encantam. Eu sou muito apaixonada por Hermilo, já era. Ele diz que enquanto tiver máquina e papel, vai continuar protestando. E Cartas é nosso manifesto político para esse tempo”, complementa a atriz.

A encenação utiliza dispositivos do audiovisual e dialoga com montagens de grupos como Agrupación Señor Serrano (coletivo espanhol que apresentou Uma casa na Ásia no Janeiro de Grandes Espetáculos em 2016), o colombiano Mapa Teatro e o potiguar Carmin. “Na realidade, fui buscar referências do teatro ibero-americano desde os anos 2000. Chegamos a trocar e-mails com os integrantes do Agrupación”, revela Luiz. No espetáculo, os atores se filmam em cena, há projeção de imagens e vídeos pré-gravados. O grupo também enviou uma carta, escrita pelo próprio coletivo para algumas pessoas, e vai ler respostas escolhidas.

Cartas, que tem a assinatura do Coletivo Caverna, faz duas sessões encerrando a Semana Hermilo; e uma curtíssima temporada com mais duas sessões em dois domingos de agosto, 11 e 18.

Ficha técnica
Dramaturgia: Dramaturgia coletiva, a partir das correspondências entre Hermilo Borba Filho e Osman Lins e do livro Guerra sem Testemunhas, de Osman Lins
Direção: Luiz Manuel
Elenco: Fabiana Pirro, Claudio Lira e Paulo de Pontes
Assistente de direção: Gabriel de Godoy
Iluminação: João Guilherme e Alexandre Salomão
Trilha Sonora/Desenho de som: Lara Bione
Figurinos: Giselle Cribari
Assistente de figurino: Fabiana Pirro
Identidade visual: Aurora Jamelo
Assessoria de imprensa: Tatiana Diniz
Direção de Produção: Naruna Freitas

Serviço
Cartas
Quando: 27 e 28 de julho, sábado e domingo, às 20h (encerrando a 17ª edição da Semana Hermilo), e nos dias 11 e 18 de agosto, às 19h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, 142, Recife)
Quanto: As sessões dos dias 27 e 28 têm ingressos gratuitos; as senhas serão distribuídas com uma hora de antecedência. Para as sessões dos dias 11 e 18 de agosto, os ingressos custam R$ 30 e R$ 15
Informações: (81) 3355-3321

 

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