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A primeira Helena

Lilian Lemmertz na década de 1960 atuando em A bilha quebrada

No último domingo, fez 25 anos que o teatro, a televisão e o cinema perderam Lilian Lemmertz. Quem nos lembrou da data foi Cleodon Coelho, que escreveu a biografia da atriz: Lilian Lemmertz – Sem rede de proteção, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Hoje vi algumas imagens da atriz numa reportagem do Vídeo show e senti muito não ter visto Lilian nos palcos. Fui então resgatar a matéria que escrevi quando Cleodon esteve aqui no Recife para lançar o livro, em outubro do ano passado. É a nossa forma de homenagear a atriz.

“Na década de 1950, modelo era manequim. Essa foi a primeira atividade profissional da gaúcha alta, de beleza clássica, que usava tênis americano pelas ruas de Porto Alegre. Nessa época, Lilian Lemmertz era uma das musas de Rui Spohr, costureiro famoso no Rio Grande do Sul, que começou a vida profissional desenhando chapéus. Lilian tinha características fundamentais para uma manequim de chapéus: era magra, feminina, suave e dona de um nariz perfeito, lembra o próprio Spohr. Ao mesmo tempo, fazia inglês com Antônio Abujamra. Foi ele quem a convidou para participar da peça À margem da vida, que seria realizada pelo Teatro Universitário da União Estadual dos Estudantes. Não aceitou. Ela fazia balé, mas nunca tinha pensado em ser atriz. Em casa, comentou a mãe, que achou uma ótima ideia.

Assim, meio por acaso e muito por insistência da mãe, mas entregando-se com fervor a tudo que se propunha fazer, Lilian Lemmertz, tornou-se atriz. A trajetória da gaúcha, encerrada prematuramente aos 48 anos por conta de um enfarte, foi contada no livro Lilian Lemmertz – Sem rede de proteção (R$ 30) escrito pelo pernambucano Cleodon Coelho. O lançamento será hoje, às 18h, na Livraria Cultura, no Bairro do Recife.

“Recebi o convite por e-mail e aceitei imediatamente. Não vi a Lilian no palco, mas lembro da novela Baila comigo, na época em que os folhetins tinham 80% de audiência, e também no cinema”, conta o autor, que é jornalista e roteirista do Faustão. O livro integra a coleção Aplauso, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Um dos diferenciais, no entanto, é que a narrativa aqui não é escrita em primeira pessoa, como normalmente é feito. “Foi um desafio contar a história de uma pessoa que já não está aqui”, revela Coelho. Para isso, ele contou com a ajuda filha de Lilian, a também atriz Júlia Lemmertz, e dos inúmeros artistas que conviveram com a gaúcha. No lançamento do livro no Rio de Janeiro na última quarta-feira, estiveram na Livraria da Travessa, no Leblon, nomes como Paulo Betti, Tony Ramos, Renata Sorrah, Laura Cardoso, Marieta Severo, Marcos Paulo e o escritor Manoel Carlos.

Em Quem tem medo de Virginia Woolf, Lilian contracenava com Cacilda Becker e Walmor Chagas

Foi de Maneco, aliás, a primeira novela de grande repercussão protagonizada pela atriz. Lilian Lemmertz foi a primeira Helena de Manoel Carlos. Em Baila comigo, no início dos anos 1980, Lilian fez par romântico com Fernando Torres e era mãe de Tony Ramos, que fazia gêmeos. “O drama da novela é porque ela tinha criado os gêmeos separados. Um deles ela tinha dado ao pai, interpretado por Raul Cortez”, explica o autor do livro. Lilian, no entanto, tinha começado a carreira na televisão anos antes, em 1968, na extinta TV Excelsior. E depois de Baila Comigo, o sucesso nacional, foram quatro anos intensos até o seu falecimento. Fez, por exemplo, Final feliz, Partido alto, teve uma participação especial em Roque Santeiro.

Atriz de teatro – Hermilo Borba Filho dirigiu a atriz e o seu marido, o também ator Linneu Dias, na montagem de estreia da gaúcha em São Paulo: Onde canta o sabiá. Lilian e o marido vieram para a capital paulista, com a filhinha ainda bebê, a convite de Cacilda Becker. “Foi uma loucura. Na medida em que a leitura da peça avançava, eu ia descobrindo que, simplesmente, estava com o papel principal, Nair. O pior é que Hermilo parava a leitura de vez em quando e dizia aqui você canta o Jura, aqui você canta o Taí. Mais adiante interrompia de novo: aqui você dança o charleston, aqui é o tango. Mal consegui terminar a leitura. Estava estatelada”, diz o depoimento da atriz registrado no livro.

Além do teatro, Lilian também fez cinema. “Logo no início, Walter Hugo Khouri a chamou para fazer Noite vazia, mas como era para o papel principal, ela não aceitou. Depois disso, aceitou um papel secundário no filme O corpo ardente e fez mais oito filmes do Khouri.

Antes de morrer, Lilian estava ensaiando a peça Ação entre amigos, de Paulo Betti. A filha Júlia tinha tentado falar com a mãe durante o dia todo e não havia conseguido. Encontrou-a na banheira de casa, já morta. Era 5 de junho de 1986 e oBrasil vivia a euforia da Copa do México. “Tanto que a notícia da morte dela não teve a comoção que seria normal”, avalia Coelho. Quando Lilian morreu, a filha já era atriz. Estava encenando O que o mordomo viu, mesmo papel vivido pela mãe em 1971, sob o título de Quanto mais louco melhor. Hoje, a neta de Lilian, Luiza, já é atriz. Veio ao Recife com a trupe de Zé Celso Martinez Côrrea. O talento descoberto ao acaso tornou-se hereditário.”

Lilian e Eva Wilma em Esperando Godot, de 1977

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O senhor do teatro

Paulo José. Fotos: Pollyanna Diniz

Quando penso no Paulo José, a minha primeira lembrança é o personagem Orestes, da novela de Manoel Carlos Por amor, de 1997. Era um alcoólatra que fazia a esposa e a filhinha de olhos azuis sofrerem muito. Ele me gerava momentos alternados de raiva e pena. Mas essa referência é bem recente para um ator de 74 anos que dedicou praticamente toda a vida ao teatro, cinema e televisão.

Ao encarar a pergunta sobre o personagem mais marcante, ele me diz que foi a “Xuxa da infância de muita gente”. Está se referindo ao seriado da década de 1970 Shazan, Xerife & Cia. Interpretava Shazan e fazia dupla com o ator Flávio Migliaccio.

Hoje, Paulo José continua esbanjando disposição para trabalhar e lucidez, mesmo lutando contra o Mal de Parkinson desde 1992. Está em cena na novela Morde e assopra, no filme Palhaço (que tem direção de Selton Mello e previsão para estrear em maio) e dirigindo, pela segunda vez, a peça Murro em ponta de faca. A primeira vez foi em 1978, quando o amigo e autor do texto, Augusto Boal, falecido em 2009, ainda estava no exílio, vítima da ditadura.

No Festival de Curitiba, ele abriu a sala de ensaios de Murro em ponta de faca ao público. Fui assistir e pedi para marcarmos uma conversa. No dia seguinte, mesmo com chuva, ele chegou ao teatro com duas horas de antecedência, como combinado. Falou sobre a peça, que tem no elenco só atores curitibanos (Gabriel Gorosito, Laura Haddad, Erica Migon, Sidy Correa, Abílio Ramos, Espedito Di Montebranco e Nena Inoue), sobre a carreira, sobre a doença. E me disse que está cada vez mais certo de que “Teatro é teimosia. As pessoas querem fazer. E fazem”.

Entrevista // Paulo José

Qual a diferença de dirigir Murro em ponta de faca em 1978 e em 2011?
Esta versão agora nos dá a possibilidade de mergulhar no personagem. Naquele momento, tudo tinha acontecido. Era muito mais ebulição do que razão. Hoje a peça intriga, provoca, dá vontade de conhecer mais da época. É saber o princípio, a origem desse mal. Na época, o sucesso dela, o encontro dela com o público, era natural por causa das circunstâncias, da luta pela anistia, da campanha Tortura nunca mais. Não precisava nenhuma teatralidade especial. Poderia ser quase uma leitura. Agora é mais profundo, estamos menos presos à superfície, ao aparente. E são muitas as referências a coisas que aconteceram naquela época, que não necessariamente as pessoas sabem hoje. Há uma referência clara, por exemplo, ao chileno Víctor Jara (professor, diretor de teatro, poeta, cantor, compositor, músico e ativista), que teve as mãos cortadas. É cheio de referências também ao Marighella (Carlos). Apesar de que, no Brasil, a ditadura foi menos dura do que na Argentina e no Chile. Os militares aqui tinham origem de classe média, classe média baixa. Em muitas situações, eles se encontravam tendo que reprimir a própria família. Diferente do exército argentino, que tinham inimigos de raízes. Aqui, os militares se viam às voltas com parentes presos, tendo que resolver “pepinos” familiares.

Paulo José dirige Murro em ponta de faca pela segunda vez

Como você enfrentou a ditadura. Mesmo não tendo sido exilado, teve essa sensação aqui mesmo?
Claro! Eu era do Teatro de Arena. E a peça que estava em cartaz na época do golpe era O filho cão. Era do Guarineiri (Gianfrancesco) e eu dirigia e atuava. A polícia foi lá para fechar o teatro. Mas nós escapamos todos. Guarnieiri e o Juca de Oliveira foram para Bolívia. Augusto Boal foi para uma fazenda. Fiquei na casa de Cacilda Becker, que morava numa cobertura, esquina com a Avenida Paulista. Fiquei lá um mês. Depois de 15 dias na Bolívia, o Guarnieri e o Juca decidiram voltar. Disseram que preferiam morrer. Depois disso, o Boal foi preso, torturado. Éramos privados da liberdade de ir e vir, de todos os bens, de qualquer conforto que o dinheiro pudesse dar, dos teus discos, filmes, instrumentos musicais. Esse sentimento não tem idade. E hoje as pessoas, noutra situação, também são desprovidas de tudo. Mas naquela época, essas pessoas iam para a Sérvia, para a Croácia. Ficavam sem dinheiro, precisavam da família no Brasil. Mas mandar dinheiro também não era fácil. Então, às vezes, era fome, necessidade mesmo. É uma indignação, uma vergonha, a gente ser tutelado por imbecis. Apresentar uma peça para a censura, para que eles dessem o parecer. Pessoas desqualificadas, ignorantes. Às vezes a gente colocava, por exemplo, um palavrão na peça, só para poder negociar. Porque eles iam implicar com aquilo e deixavam outras coisas passar. Os policiais entravam na tua casa. Os livros perigosos ficam no fundo falso do guarda-roupa. Lembro de perguntarem que eram Aristófanes.

O Boal chegou a ver a peça sendo encenada? Qual a importância dele para o nosso teatro?
O Boal escreveu no exílio. E quando voltou em 1983, acho (na realidade, 1986), a peça já tinha sido encenada. O Boal era devotado ao teatro. Enquanto nós éramos “adúlteros”, namorávamos o cinema, a tv, ele era fiel. Quem sustentou o Arena foi o Boal, por mais de dez anos. Nós íamos para o TBC, para o Oficina. Mas o Boal estava no Arena.

Falando nisso, atuar na televisão, cinema ou teatro é a mesma coisa?
São formas diferentes de trabalhar, mas não há dificuldade. Tenho preferência por cinema e teatro. A televisão é redundante, não é muito inovador. A comunicação é horizontal. Se todo mundo tem que entender, o foco é menor. No teatro, se uma pessoa entender, tudo bem. A programação da televisão também tende a ter um discurso homogêneo, desde a manhã ate a hora que acaba. E o meio se transforma na própria mensagem.

A música é importante? Neste trabalho, o senhor está “brincando” no teclado…
Sempre trabalho com música. Gosto muito, por exemplo, do trabalho do Galpão, porque é muito musical, porque todos tocam. Gosto muito do teclado, mas eu não toco mesmo, por causa do Parkinson. Até para escrever no computador é difícil. Quero digital uma tecla e vou para outra.

No teclado, no ensaio aberto da peça em Curitiba

Como foi a descoberta de que tinha a doença e lidar com isso?
Foi em 1992. Uma doença degenerativa, progressiva e irreversível. Foi o que me disse o médico. Ele estava lá, receitando o remédio e eu perguntei “por quanto tempo vou tomar?”. “Durante toda a vida”, ele me disse. E aí, olhando para ele, um homem quase careca, perdendo o cabelo, descobri que ele também tinha o Parkinson dele: o envelhecimento. Que é progressivo, irreversível, degenerativo. A diferença é que eu tinha a certeza que ele ia morrer e ele não. Como se fosse eterno. Você passa a ter limitações, mas você descobre outras coisas, a introspecção, a concentração. Passei a escrever bem. A minha acuidade musical aumentou. Os meus sentidos foram aguçados. Cada um tem o seu Parkinson. E eu tenho 74 anos, já estou fora da garantia. É só manutenção, não troca mais peça nenhuma.

Mas quais são os cuidados?
Remédios. E hoje faço aula de voz, ginástica, hidroginástica.

Você já fazia ginástica?
Não! Ginástica faz mal! (Risos) Queima! Nunca fiz. Fazia exercício, mas tinha que ser prático, com bola, ou andar a cavalo.

Tem medo da morte?
Não tenho medo. Mas você tem que se preparar bem. As pessoas morrem mal porque não se preparam. São surpreendidas. Estou procurando deixar um testemunho pessoal das coisas que fiz. Estou passando a limpos coisas que escrevi para publicar. Cadernos de direção, de cinema. Dei aula de cinema em Cuba, por exemplo. Na Globo, dei aula para diretores e atores.

Nas duas últimas peças em que você esteve envolvido, você trabalhou com as suas filhas (Um navio no espaço ou Ana Cristina César e Histórias de amor líquido). É diferente? E o seu trabalho de direção também tem sido diferente com o tempo?
Acho que não…Cada peça tem suas exigências, necessidades. Mas a diferença que é estou ficando calmo, sossegado, não fico sofrendo. Até porque percebi que é só uma peça de teatro, tem limites previamente estabelecidos. Então fico mais calmo, tranqüilo. O que me interessa no teatro são as relações humanas, é ajudar a desenvolver potencialidades nos outros. E as pessoas me ouvem, me respeitam. Então me aproveito disso. Eu “chupo” o sangue destes atores jovens, a energia deles para mim.

Vamos falar de televisão. Como é o próximo papel?
É nessa novela nova..Morde e assopra. Entro e fico até o fim da novela. Representa o amor na terceira idade. É o Plínio. Ele volta para a cidadezinha onde tinha deixado a namorada. Gosto de trabalhar como ator. Tenho contrato com a Globo desde 1969. Então tenho que fazer algo de vez em quando. Faço a novela..aí passo mais algum tempo fazendo teatro e cinema.

Falando em cinema…o que o senhor acha da produção pernambucana?
Ah…o Cláudio Assis, o Lírio Ferreira, já estão consagrados, sabem fazer. Cláudio Assis é um louco! Aspirinas e urubus é um filme muito bom. Tem baianos também muito bons no cinema. Meu próximo papel é no filme Palhaço, de Selton Mello, que deve ser lançado em maio. É um filme autoral, que o Selton escreveu, produziu. Temos uma safra muito boa.

E deixa eu perguntar…o que o senhor acha da ministra Ana de Hollanda?
A linhagem é boa…é filha de Sérgio Buarque, de uma família que tem respeito pela cultura. Mas está apenas começando…Mesmo o governo da Dilma ainda é muito cedo. Já percebemos que ela tem diferenças de Lula, mas ainda é cedo…

Uma pergunta clássica: algum papel que gostaria de fazer e ainda não teve oportunidade?
Tem personagens da literatura, personagens reais, que a gente gosta. Mas eu não estou sofrendo com isso. Tenho tanta coisa para fazer sempre!

E vai fazer teatro até quando?
Até morrer!

Não existe aposentadoria para o teatro?
Não existe! Até porque, no teatro, tem papel para todo mundo, independentemente da idade. Aos 90, ainda terão papeis que são ideais pra mim.

No papel de diretor

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