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Imperdível Senhora Carrar

Um pequeno tablado com uma janelinha suspensa, luz branca, gestual que atiça antigos sonhos, dez bons atores e uma direção primorosa para dar conta de problemas éticos e das utopias renovadas em Os fuzis da Senhora Carrar, com texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. A montagem é uma revisitação estética e histórica de outra encenação de Os fuzis… realizada em 1978, pelo Grupo Teatro Hermilo Borba Filho, com direção de Marcus Siqueira. E faz parte do projeto de pesquisa cultural Transgressão em três atos, desenvolvido pelos jornalistas Cláudio Bezerra, Alexandre Figueirôa e Stella Maris Saldanha, que protagoniza a peça.

Os Fuzis da Senhora Carrar leva à cena a história de Tereza Carrar, moradora de uma pequena vila de pescadores e mãe de Pedro e Juan. O tempo é de conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas. Mas nossa protagonista já perdeu o marido e faz qualquer coisa para não ver os filhos metidos na guerra. A peça foi escrita por Brecht em 1937, no período da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939. Dizem que não existe dor maior do que perder um filho (a). Tereza tenta evitar essa dor. Não é tarefa fácil, os generais avançam e a perda da liberdade se faz sentir cada vez mais perto. Como manter a neutralidade diante de uma situação dessas? Mas como entregar seus jovens filhos a uma guerra sangrenta, da qual dificilmente se sobrevive?

Sabemos que Brecht imaginava que o teatro deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica da plateia. Mas Senhora Carrar é a mais dramática das peças do dramaturgo alemão. É estruturada de forma linear e nos faz acompanhar a decisão trágica dessa mulher que, diante dos acontecimentos não encontra outra alternativa para se manter viva.

“Por quem lutar ou enlutar, Carrar?”, pergunta o encenador João Denys no programa da peça, em meio a uma avalanche de questionamentos que a própria montagem já desperta. Lá atrás, na ditadura do general Franco, as atrocidades e os terrores da guerra, o sacrifício humano e a barbárie. A guerra hoje é mais difícil. Existe uma letargia diante do capitalismo que dita destinos e as facilidades de comunicação sufocam o verdadeiro diálogo. Mas diante da intolerância, da miséria e da grotesca realidade cotidiana, da subserviência ou do torpor, a Senhora Carrar de Stella Maris Saldanha e de João Denys se insurge para lembrar da humanidade, sem romantismo ou heroísmo. Mas carregada de emoção.

Com seus rostos pintados de branco, os atores agem com a grandeza que o texto merece. A atuação de Stella Maris Saldanha como a protagonista Tereza é de tirar o chapéu. Voz clara, gestos firmes e nuances comoventes de uma mãe que luta enquanto pode para proteger seus filhotes. Ela sangra no palco e essa dor atinge o público. O ator Roger Bravo faz José, o filho de Tereza que quer ir para o front. Uma performance convincente. José Ramos faz o operário com garra e competência. Os três ficam a maior parte do tempo em cena. Alfredo Borba faz o papel do padre reacionário com destreza.

Também participam do elenco, em papeis menores mas não menos importantes: Ailton Brito, Evandro Lira, Karina Falcão, Socorro Albino, e Antonio Marinho. Enquanto não estão no palco, o elenco fica sentado na primeira fila. A direção de arte (cenário, figurino e maquilagem) é assinada pelo próprio João Denys. A sonoplastia, também de Denys, amplifica a carga das cenas. Um espetáculo ainda mais necessário neste começo de século 21.

SERVIÇO
Os Fuzis da Senhora CarrarNeste sábado, às 21h
Teatro Hermilo Borba Filho.
Ingresso R$ 10.

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