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Ao desobedecer, Antígona ensina sobre a liberdade

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Antígona desafia o poder injusto do Estado. Fotos: Matheus José Maria / Divulgação

Os garotos que estavam sentados na fileira da frente saíram eufóricos. O casal mais intelectual reclamou do procedimento que entendeu como didático da encenação de Antígona, com Andrea Beltrão e direção de Amir Haddad. Fiapos de conversas, trechos de comentários davam conta do talento e da versatilidade da atriz, da simplicidade dos dispositivos cênicos, da facilidade de entender o emaranhado de maldições, desditas entre deuses e homens. O meu amigo reclama porque a tragédia Antígona está esburacada e outros mitos entram no mote. É mesmo, para injetar gás nessa saga temporal da heroína, Haddad /Beltrão também foram buscar ingredientes em As Bacantes, de Eurípedes, nas peças da Trilogia Tebana de Sófocles – Édipo Rei e Édipo em Colono, além da tradução que dá título ao espetáculo, feita por Millôr Fernandes (1923–2012).

Andando pelo Paulista para pegar o metrô fui recolhendo esses vestígios de recepção. Todos têm razão. A razão de cada um. A interpretação de cada um. A curta temporada gratuita da tragédia de Sófocles, na sede do Itaú Cultural dava o que o falar para um público diversificado, mas já versado no exercício da cidadania cultural.

Antígona é uma das belas a atuais tragédias gregas. Escrita há 2.500 é aberta a leituras contemporâneas. Qualquer calouro de Direito é convidado a se inteirar da peça para refletir sobre o embate entre direito natural e direito positivo, entre o que é moral e legal, a legitimidade do poder soberano, o decreto tirânico de Creonte.

Esse rei dá a ordem de que ninguém pode sepultar Polinices, na visão régia, o traidor da pátria. Ocorre que Antígona, filha do incesto de Édipo e Jocasta, é irmã de Polinices e Etéocles, que se mataram na briga pelo trono de Tebas. Antígona se posiciona contra a leis injustas do estado. A personagem é inspiração feminista por combater o patriarcado. Essa obra clássica e aberta a múltiplas interpretações aponta desde sempre para o futuro.

Haddad mago do teatro popular, envolvido há quase 30 anos com o grupo Tá na Rua, sintonizou suas antenas de comunicação direta com plateias diversas para o espírito da peça, que chega despojada e repleta de uma língua prosaica do mundo contemporâneo.

Andrea Beltrão

Andrea Beltrão interpreta Antígona e todos os personagens do espetáculo.

Um varal genealógico dá conta da linhagem de deuses e mortais, seus destinos trágicos, pelejas, martírios, tiranias, vícios e virtudes. Essa quadro materializa os recuos e avanços temporais das relações da personagem-título até Zeus, e expõe a ascensão e queda da cidade de Tebas.

Nessa saga interpretativa, Andrea salta de um a outro personagem, assume a voz do coro e encarna Édipo, Ismênia, Jocasta, Creonte, e os outros… A partir de poucos acessórios – echarpe, sapatos, cadeira e microfone – e recursos poderosos de corpo e voz a atriz constrói todas as figuras dessa tragédia, bem como comenta.

Nesse percurso e alternância de figuras a carga trágica do texto primeiro se dilui, mas é abastecido pela pulsação desse mundo contemporâneo que nos chega vorazmente em telinhas e telões. De violências, tensões e guerras, intolerâncias de todas as ordens, machismo e todas as políticas com os seus podres poderes.

Não esqueçamos dos avisos de Sófocles: “Apenas o governante que respeita as leis de sua gente e a divina justiça dos costumes mantém a sua força, porque mantém a sua medida humana”. Remédio para aplicar direto na ferida.

Se esbarrarem com Antígona por aí não hesitem em abraçá-la. Ela pode estimular sua coragem adormecida.

Ficha Técnica

Autoria: Sófocles
Tradução: Millôr Fernandes
Dramaturgia: Amir Haddad e Andrea Beltrão
Direção: Amir Haddad
Com: Andrea Beltrão
Iluminação: Aurélio De Simoni
Figurino: Antônio Medeiros
Direção de Movimento: Marina Salomon
Cenário e Projeto Gráfico: Fabio Arruda e Rodrigo Bleque
Desenho de Som: Raul Teixeira
Operação de luz: Diego Diener
Camareira: Conceição Telles
Administração: Laura Gonsalves
Mídias Sociais: Nicolle Meirelles
Produção Executiva: Ricardo Rodrigues
Direção de Produção: Carmen Mello
Produção: Boa Vida Produções
Realização Turnê: Trigonos Produções Culturais

SERVIÇO
Antígona
Com Andréa Beltrão
1º de abril (domingo), às 19h. Último dia da temporada que começou em 23 de março
Duração: 60 minutos
Classificação Indicativa: 16 anos 
Sala Itaú Cultural (224 lugares)

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Tragédia nossa de cada dia

Walderez de Barros encabeça elenco de Hécuba. Foto: João Caldas

“Filho adotivo mata pai e mãe a facadas”. “Cinco pessoas de uma mesma família morrem em acidente de trânsito”. “Tsunami atinge Japão”. São as tragédias com as quais nos deparamos todos os dias. Nesse mundo do Facebook e do Twitter, parece que elas nos perseguem. Não passamos incólumes. E se sobrepõem de tal maneira que talvez tenham perdido a capacidade de nos fazer pensar. Só chocam – por pouco tempo, claro. Até que uma nova tome conta das manchetes.

Na arte, a tragédia se confunde com a própria origem do teatro na Grécia do século VI a.C. Tanto tempo se passou e esses mitos gregos reelaborados por Ésquilo, Sófocles e Eurípedes continuam nos palcos. Mas ainda faz sentido montar um texto deles? Ainda existe tragédia? Como o teatro contemporâneo pode dialogar com a tragédia?

Para a atriz Walderez de Barros, 71 anos, protagonista de Hécuba, esses mitos mantêm a capacidade de promover no leitor, no espectador, “um movimento interior intenso. Falam de coisas que nos pertencem, com as quais nos identificamos”, avalia. Walderez concorda com Gilson Motta, autor do livro O espaço da tragédia, lançado ano passado. Ele diz que “a montagem de uma tragédia grega sempre envolve uma relação com o teatro em sua origem. Herdamos dos gregos todo um modo de pensar e fazer teatro – o texto, o ator, as convenções cênicas, a encenação, a teoria sobre o sentido da tragédia”.

Expedito Araújo, curador do programa cultural Vivo EnCena, espera que, de alguma forma, as remontagens possam trazer discussões sobre a relação entre o teatro e o público. “As pessoas reagiam, choravam, era uma plateia ativa. E o teatro era algo com um poder de construção do sujeito muito grande. E, mesmo com todas as subversões que promovemos no clássico, o público ainda está no lugar da passividade. Não fazemos teatro nos estádios, mas não podemos esquecer que a arte é um ato de comunicação”, diz.

Neste sábado, o curador comanda um debate sobre o tema O trágico na contemporaneidade, com as participações dos atores Cláudio Fontana, Xuxa Lopes, Juliana Galdino, Ceronha Pontes e mediação do jornalista e dramaturgo Dib Carneiro Neto.

Juliana Galdino, por exemplo, atriz do Centro de Pesquisa Teatral (CPT) por muitos anos, participou de tragédias como Medeia I e Medeia II (ganhou o Prêmio Shell de melhor atriz com as duas) e Antígona, com direção de Antunes Filho. A relação do encenador com as tragédias é um dos tópicos do livro de Gilson Motta. Depois de 50 anos de teatro, em 1999, Antunes encenou quatro espetáculos com autores gregos.

Antunes Filho montou Medeia I e Medeia II

Expedito Araújo lembra outra montagem que também foi estudada por Motta – Oresteia, o canto do bode, do Grupo Folias D’Arte, de São Paulo. “Não basta montar um espetáculo. O teatro está para além do espetáculo. Em Oresteia, o grupo nos transporta para outra dimensão, que toma conta da gente”, avalia.

Debate Vivo EnCena – O trágico na contemporaneidade
Quando: Sábado, das 17h às 18h30
Quando: Teatro de Santa Isabel (Praça da República, s/n, Santo Antônio)
Quanto: Entrada franca. Os ingressos podem ser retirados com uma hora de antecedência na bilheteria do teatro
Informações: (81) 3355-3323

Antígona, direção de Antunes Filho, montagem de 2005

Rede Vivo EnCena

Desde o ano passado, Pernambuco é um dos estados membros da rede Vivo EnCena. Já existem vários projetos na agulha, tanto para a capital pernambucana quanto para o interior. No mês de fevereiro, por exemplo, um grupo de Lagoa do Carro, a 61 km do Recife, recebeu uma oficina do diretor Felipe Vidal. Houve também um workshop em Limoeiro – local que deve virar foco de ações do projeto. Certamente, acontecerão lá algumas ações com o grupo Ponto de Partida, de Barbacena, Minas Gerais. Eles vem para apresentar dois espetáculos: um infantil e outro adulto – Travessia.

Expedito Araújo, curador do Vivo EnCena, tem muitas ideias para Pernambuco

Ainda no primeiro semestre, Recife receberá um desdobramento do festival Horizontes Urbanos, que acontece em Belo Horizonte. “Teremos apresentações e oficinas. Há sempre uma ideia de troca, de intercâmbio”, conta Expedito Araújo, curador do Vivo EnCena.

Já no segundo semestre, deve ser realizada também uma segunda edição do seminário A sociedade em rede e o teatro (a primeira foi ano passado). “Os grandes protagonistas serão os artistas desta região e de outras, que estão fazendo, criando caminhos. Que estão ligados ao pioneirismo e empreendedorismo”, explica o curador. Também virá ao Recife uma montagem que ainda está em ensaio: Razões para ser bonita, texto de Neil Labute, com Ingrid Guimarães. É quando teremos uma nova edição dos debates Vivo EnCena.

Curitiba – Nos dias 30, 31 e 1º de abril, os debates Vivo EnCena serão realizados no Festival de Curitiba. Diretores, artistas, especialistas em economia criativa, sustentabilidade, vão discutir a mostra paralela Fringe. Neste ano, serão 368 espetáculos participando da Fringe. Pernambuco estará na mostra oficial de Curitiba com as peças Essa febre que não passa, do Coletivo Angu de Teatro, e Aquilo que meu olhar guardou para você, do Magiluth. Esse último participará também da Fringe com 1 Torto e O canto de Gregório.

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