A música do Barão Vermelho pede para que o amor só dure o tempo que merecer. Para que você, meu grande amor, possa me reconhecer. Para que quando você me quiser, que seja de qualquer maneira. Hoje ou daqui a cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias. Não, a última parte já é não é mais Barão Vermelho (como Breno Fittipaldi lembrou nos comentários e as mensagens que recebi no face, a música é de Ana Terra e Ângela Ro Ro..perdoem-me…tinha acabado de ver Barão Vermelho no Big Brother – sim, eu torço por Alvinho…rsrsrs..e aí não consegui pensar em mais ninguém cantando a música!). Talvez o tempo do merecimento não seja maior do que o tempo do esquecimento para todo mundo. A paciência é de García Marquez, é de O amor nos tempos do cólera, é de Gardênia, montagem do El Outro Núcleo de Teatro inspirada no livro do escritor colombiano. A peça foi apresentada nesta quarta-feira e terá mais duas sessões nesta quinta, às 17h (com entrada gratuita) e às 21h (ingressos: R$ 20 e R$ 10), no Teatro Hermilo Borba Filho (Bairro do Recife), dentro da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos.
Lugar comum dizer que o teatro serve para contar histórias, né? Pode até ser. Mas tantas vezes querem inventar a roda, colocar na cena as inquietações pseudofilosóficas (inclusive com relação ao fazer teatral), ser mais do que contemporâneos, que até nos tornamos chatos e esquecemos do fundamental. Do olho no olho, da palavra, do prazer que é ouvir uma história boa do início ao final com direito a riso, surpresa, choro, passar do tempo, esperança.
Gardênia nos traz esse bem querer de volta. O bem querer ao teatro da história boa – e logo daquelas de amor, que não acaba nunca. E olhe que não quero começar falando do “como” a história é contada. Porque isso me traz à memória os moderninhos e as suas parafernálias, seja no cenário, no figurino, no vídeo, em qualquer suposta solução genial.
Queria primeiro tratar da palavra mesmo, da atuação, da clareza da dicção (ah, como isso tem sido raro! Pode acreditar, caro leitor). São só dois atores – Cybele Jácome e Luís Mármora – para contar o amor de Florentino Ariza e Fermina Daza. Mas como é García Marquez (a adaptação da dramaturgia foi feita por Ana Roxo), há muitos outros personagens que perpassam a vida desses dois, mudança de tempo e cenários, idas e vindas.
Ninguém ousaria dizer que Luís Mármora não é Florentino e que ele não ama Fermina Daza com todo o seu ser. Podemos escrever o mesmo sobre Cybele, tirando o fato de que Fermina não parou no tempo. Os dois nos levam a universos tão particulares, a sonhar juntos, a imaginar e constatar o quão grande era aquele amor. É um passeio feito sem percalços, levado por atuações seguras, convincentes e, bem mais do que isso, comoventes.
E o “como” também é lindo, funcional, mão está ali só de enfeite. A disposição cênica nos deixa muito perto dos atores; a cena se passa num corredor e as arquibancadas são colocadas uma de frente para a outra. Dez retroprojetores são capazes de criar lindas imagens em cortinas fininhas que se deslocam e a vitrolinha pode de repente, quando os anos passarem muito, tocar forró em alto mar.
É uma peça de amor (cansativo repetir? paciência!), de esperança, de se deixar encantar. Se em tantas montagens há como que “armadilhas” dramatúrgicas para que em algum momento você “caia”, seja obrigado a se reconhecer e aí as emoções soam por demais forçadas, aqui é outra coisa. Isso passa tão longe, graças a Deus, a García Márquez, ao bom teatro. O texto não precisa de quaisquer recursos “levianos” para entrar devagarzinho e fazer morada. E permanecer no peito, nas mentes, no abraço apertado.
Quem puder, não perca. É tudo que precisamos. Mais amor, por favor. E teatro bom.
Gardênia, El Otro Núcleo de Teatro (SP)
Texto: Ana Roxo, livremente inspirado em O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Márquez
Direção: Marat Descartes.
Concepção e elenco: Cybele Jácome e Luís Marmora
Cenário e iluminação: Cristina Souto
Figurinos: Simone Mina
Direção de produção: Maurício Inafre