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As mais belas, e instigantes, críticas teatrais
Livro “Na Plateia”, de
Mariangela Alves de Lima

A crítica teatral Mariangela Alves de Lima lança livro em São Paulo. Foto: Gabriela Biló / Divulgação

Na década de 1990, com internet limitada, e nem pensar nas redes sociais como existem hoje, euzinha, lá no Recife ansiava pelos dias em que eram publicadas as críticas de Mariangela Alves de Lima, no jornal O Estado de São Paulo. Seguia o ritual de ir à banca de revistas e lambuzar os dedos com aquela tinta típica. Ficava menos interessada com as outras sessões. Uma ou outra coisa chamava minha atenção dentro daquela estrutura de pensamento conservador. 

Os textos da crítica, ensaísta e pesquisadora eram lareira que, para mim, se tornavam maiores que o próprio jornal. Eu que já trabalhava no Diario de Pernambuco, um centenário pernambucano, e além de reportagens, ensaiava minhas própria críticas. 

Os artigos de Alves de Lima, na maioria sobre espetáculos de São Paulo, se alumiavam das páginas do matutino paulistano e alimentavam a minha imaginação, o amor pelo teatro, a vontade de aprender a ponto de ficar repleta de pulsações que gerassem análises seguindo o fluxo de reflexão e emoção plenas do meu próprio corpo. Meu desejo era, quem sabe um dia, escrever tão bem quanto ela, de um jeito transparente, com um diálogo acolhedor, sem lacração, traçando pontes. Desejos são desejos. E foram. O texto da Mariângela é único e inigualável.

Quando Mariângela foi demitida do Estadão, depois de 40 anos de ofício, ocorreram protestos – inclusive abaixo-assinado – por parte da classe artística, coisa incomum na prática da crítica teatral brasileira. Foi um choque a decisão administrativa do jornal, como registra o jornalista Valmir Santos, na reportagem a demissão de Mariangela Alves de Lima – 40 anos de critica no TeatroJornal. Esse movimento de defesa da crítica reafirmou o papel singular exercido por ela, como também os laços de afetos construídos com os artistas da cena e o público ao longo de sua trajetória.

Isso faz parte da história.

Mariangela Alves de Lima nasceu em 1947, em São Paulo. É da primeira turma da Escola de Comunicações e Artes da USP, onde estudou Artes Cênicas, especializando-se em Crítica Teatral.
Dentre seus mestres formadores destacam-se Sábato Magaldi, Jacó Guinsburg e Décio de Almeida Prado.
No jornal O Estado de S. Paulo se estabeleceu como uma das maiores críticas de teatro do Brasil.
Atuou no Estadão durante quarenta anos, de 1972 a 2011. Escreveu e publicou incontáveis textos, críticas e ensaios, com destaque para o livro que organizou com Jacó Guinsburg e João Roberto Faria: Dicionário do teatro brasileiro.

O livro Mariangela Alves de Lima: Na Plateia (Edições Sesc São Paulo) reúne 290 textos de sua autoria, escritos entre 1972 e 2011 e publicados no Estadão.

O lançamento oficial ocorre neste 17 de novembro, quinta-feira, às 19h, no Sesc Consolação. Está agendada uma conversa entre a  autora da obra, o dramaturgo José Eduardo Vendramini, o ator e diretor teatral Alexandre Mate e o jornalista e crítico Valmir Santos.

Com as expressões artísticas em constante procura por sensações e elementos novos, o certo é que a crítica continua tendo relevância para a evolução dos movimentos que surgem a todo o instante”. 
Danilo Santos de Miranda

Os escritos traçam um panorama abrangente da produção de Mariangela e conta com organização de Marta Raquel Colabone, historiadora, psicanalista e gerente de Estudos e Desenvolvimento do Sesc SP, com colaboração de José Eduardo Vendramini, dramaturgo e professor emérito do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da USP. A Coleção Sesc de Críticas já lançou coletâneas de Sábato Magaldi, Macksen Luiz e Jefferson Del Rios.

O livro se ocupa da análise de uma parte importante da história do teatro brasileiro. Como Mariangela esteve na plateia das principais montagens teatrais – da década de 1970, no auge da ditadura militar, até o período de redemocratização e o novo século – a coletânea inclui críticas de vários períodos e criadores. Entre eles, espetáculos dirigidos por Eduardo Tolentino de Araújo, José Celso Martinez Corrêa, Antunes Filho, Fauzi Arap e Gerald Thomas, e escritos por Nelson Rodrigues, Oduvaldo Vianna Filho, Plínio Marcos e Luís Alberto de Abreu; com atuações de Cleyde Yáconis, Fernanda Montenegro, Marília Pêra e Marilena Ansaldi; além de espetáculos dos grupos Asdrúbal Trouxe o Trombone, Tapa, Galpão, Armazém Companhia de Teatro, Cia. dos Atores e Teatro de Vertigem; entre muitos outros importantes encenadores, atores e grupos.

Exigente, generosa, questionadora, suas críticas revelam as contradições da produção teatral, o papel político que a profissão engendra. Criativa, por vezes atrevida, é uma espécie de repórter elucidativa das mudanças ocorridas no teatro nacional junto a mergulhos profundos no caráter específico de cada espetáculo”. 
Marta Raquel Colabone
e José Eduardo Vendramini

Valmir Santos, jornalista e crítico que assina a orelha do livro, lembra que Mariangela é a primeira mulher a figurar na Coleção Críticas das Edições Sesc SP, e que a perspectiva feminista é outra janela recorrente nos escrutínios da autora, “permeados ainda de humor, elogio ao potencial do silêncio em cena, sedução pela inteligência e convicção de que, no palco, como na poesia, o pouco vale muito”.

O professor-pesquisador da pós-graduação no Instituto de Artes da Unesp Alexandre Mate considera o trabalho de Mariangela “monumental”, nos sentidos quantitativo e, sobretudo, qualitativo. No seu prefácio, ele destaca que além de se deparar com “censuras e cerceamentos de toda ordem e monta”, Mariangela acompanhou “total mudança de consignas na produção teatral paulista, no âmbito das relações de produção, das temáticas das obras, dos paradigmas estéticos”.

Num artigo para a revista Camarim, de 2005, Alves de Lima ponderava que “são menos aguerridos os críticos de hoje, tratam mais da ressonância das obras do que de parâmetros judicativos. São talvez menos generosos porque declinaram da responsabilidade do devir do teatro. No entanto quando alguns deles, ainda invocando as tábuas da lei, separam as boas das más ovelhas, aquela parte da nossa subjetividade onde reside a história faz coro a uma personagem de Brecht: “a verdade é filha do tempo, e não da autoridade”.

Vamos ao bate-papo. Sempre temos algo aprender com a discreta Mariangela Alves de Lima, que alimenta a humidade das grades figuras humanas.  

 

Serviço
Lançamento
livro Na Plateia, bate papo com Mariangela Alves de Lima,  José Eduardo Vendramini, Alexandre Mate e Valmir Santos e sessão de autógrafos

Quando: Dia 17 de novembro, quinta-feira, a partir das 19h
Entrada gratuita
Sesc Consolação: Dr. Vila Nova, 245 – Vila Buarque (https://www.sescsp.org.br/unidades/consolacao/)

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Paulistas do Prêmio Shell

A repercussão do prêmio Shell ficou amortecida com a polêmica gerada nas redes sociais acerca do projeto de blog de Maria Bethânia. A Folha de S.Paulo publicou que a cantora estava autorizada pelo Ministério da Cultura a captar exatos R$ 1.356.858. As redes entraram em polvorosa e cada um que desse o seu pitaco. Muitas bobagens entre algumas críticas interessantes.

Classificado como audivisual, o blog é um projeto da Quitanda e prevê a postagem de 365 vídeos nos quais Bethânia declamará poemas e tambémversará sobre temas ligados à literatura. Com direção de Andrucha Waddington, da Conspiração Filmes, e coordenação do sociólogo Hermano Vianna, idealizador do site colaborativo Overmundo.

Mas vamos falar do Shell. A cerimônia de entrega do 23º Prêmio Shell de Teatro de São Paulo foi realizada no Espaço Araguari, na capital paulista, na noite de terça-feira.

Maria Alice Vergueiro, atriz homenageada pelo 23o Prêmio Shell de Teatro de São Paulo. Fotos: Marcos Issa/Argosfoto

A atriz Maria Alice Vergueiro, uma das fundadoras do grupo de Teatro Ornitorrinco, foi a homenageada especial desta edição. Merecedíssima homenagem. “Ganhar esse Prêmio é uma honra. Já recebi um Shell anteriormente, mas agora o significado é maior, ainda mais por ter um júri tão forte como esse. Momentos assim nos fazem parar e fazer uma retrospectiva do que fizemos em nossas vidas e avaliar se valeu a pena. E receber esse reconhecimento da categoria confirma a escolha que fiz”, declarou a atriz.

A festa foi apresentada por Beth Goulart – eleita melhor atriz carioca em 2009.

O espetáculo Escuro, concorreu em cinco categorias e levou três prêmios: para o autor Leonardo Moreira, para o figurino de Theodoro Cochrane e para a cenografia de Marisa Bentivegna e Lenardo Moreira. A peça também dirigida por Leonardo Moreira, explora a vivência de deficientes visuais e auditivos.

Bete Dorgam, de Casting, foi eleita a melhor atriz e Luciano Chirolli, por As Três Velhas, melhor ator. Rodolfo García Vásquez, do grupo Satyros, ganhou como diretor pela montagem de Roberto Zucco, última obra do dramaturgo francês Bernard-Marie Koltès.

Os vencedores de cada categoria receberam uma escultura em metal do artista plástico Domenico Calabroni, inspirada no logotipo da Shell, e uma premiação individual de R$ 8 mil.

O júri do 23º Prêmio Shell de Teatro de São Paulo foi formado por Alexandre Mate (professor e pesquisador teatral), Marici Salomão (autora teatral e jornalista), Mario Bolognesi (professor e pesquisador de teatro), Noemi Marinho (atriz, dramaturga e diretora) e Valmir Santos (jornalista e curador do Festival Recife do Teatro Nacional).

Parecia mais uma entrega de prêmio, com as alegrias dos vitoriosos e os cumprimentos de seus pares.

Mas algo não estava no script.

Na categoria especial concorriam a Cia. Elevador Panorâmico de Teatro pela pesquisa e criação do espetáculo Do jeito que você gosta; a Companhia Club Noir pela pesquisa e criação de Tríptico [Richard Maxwell] – Burger King, Casa e O fim da realidade; o Grupo Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes pela pesquisa e criação de A saga do menino diamante – uma ópera periférica; a atriz e viúva de Paulo Autran, Karin Rodrigues pelo encaminhamento e socialização do acervo pessoal de Paulo Autran a instituições culturais; e Luiz Päetow pela concepção e pesquisa do espetáculo Abracadabra.

Venceu o Grupo Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes. Recebeu o prêmio e protestou. A atriz Nica Maria jogou óleo queimado, simulando petróleo, no ator Tita Reis, que segurava o prêmio durante o discurso, que ironizava sobre a Shell, patrocinadora do evento.

Atriz Nica Maria jogou óleo queimado, simulando petróleo, no ator Tita Reis

O texto lido ontem: “Para nós do coletivo artístico Dolores é uma honra participar deste evento e ainda ser agraciado com uma premiação. Nosso corpo de artista explode numa proporção maior do que qualquer bomba jogada em crianças iraquianas. Nosso coração artista palpita com mais força do que qualquer golpe de estado patrocinado por empresas petroleiras. Nossa alegria é tão nossa que nenhum cartel será capaz de monopolizar. É muito bom saber que a arte, a poesia e a beleza são patrocinadas por empresas tão bacanas, ecológicas e pacíficas. Obrigado gente, por essa oportunidade de falar com vocês. Até o próximo bombardeio… quer dizer, até a próxima premiação!!!”

A atriz Bel Kowarick com o marido, o o jornalista Marcelo Tass

No site do Terra, o apresentador Marcelo Tas, casado com a atriz Bel Kowarick, indicada ao prêmio por Dueto para Um disse que “Foi uma atitude de visão pequena da parte deles, são extremistas”. E arrematou: “Eles não conseguiram enxergar a coisa maior de tudo isso e se igualaram a quem só quer aparecer na revista Caras.” Para a atriz Beth Goulart, apresentadora do prêmio, a atitude foi desnecessária. “Receberam um carinho e deram um tapa”. Já o autor premiado da noite, Leonardo Moreira, da peça Escuro disse não se incomodar com o protesto contra a Shell. “Cada um faz seu discurso. Acho legal ter esse espaço.”

Hoje, o grupo soltou uma nota sobre o ocorrido no seu site oficial:

Nota pública do Coletivo Dolores sobre ato na 23ª edição do Prêmio Shell

“É evidente para quem acompanha a trajetória do Coletivo Dolores que somos avessos às premiações como instrumento de eleição dos “melhores”. Este mecanismo, além de naturalizar hierarquias e competições, faz com que determinados grupos detenham o poder de decidir o que é ou não é arte.

Atualmente, em nosso país, o fazer cultural é dominado por grandes empresas privadas que, baseadas em critérios falsamente neutros e na força do dinheiro, ditam qual filme devemos ver, qual música devemos escutar, qual peça teatral devemos assistir. O financiamento privado exclui e, até mesmo, inviabiliza o fazer artístico que não se enquadre em seus critérios, sejam eles estéticos ou mercadológicos.

A liberdade de expressão, tão amplamente defendida, é restringida quando meia dúzia de financiadores domina a produção cultural. Muitas vezes, esses financiadores privados se utilizam de dinheiro público por meio de isenções fiscais e ainda se beneficiam do marketing propiciado. Esta engrenagem é viabilizada pela Lei Rouanet, à qual nós e inúmeros outros coletivos artísticos frontalmente nos opomos.

Também não deixa de ser tristemente irônico que uma das premiações mais conceituadas no meio artístico seja patrocinada por uma empresa que participa ativamente da lógica de produção de ditaduras perenes, guerras e golpes de Estado. Assim sendo, publicamente nos irmanamos a todas as lutas de emancipação de povos que possuem a riqueza do petróleo, mas que não podem usufruir deste recurso devido à ingerência de potências militares em seu território e à presença de empresas petrolíferas nacionais e transnacionais que usurpam essa riqueza.

Aproveitamos para declarar publicamente que aceitamos o prêmio. Em nosso entendimento, esta é uma forma de restituição de uma ínfima parte do dinheiro expropriado da classe trabalhadora. Recebemos o que é nosso (enquanto classe, no sentido marxista) e debateremos um fim público para esta verba”.

Cada um com seu troféu do 23º Prêmio Shell de Teatro de São Paulo

Confira a lista de premiados e comente o que você achou do protesto na entrega do Shell:

Música: Fernanda Maia por Lamartine Babo

Iluminação: Caetano Vilela por Dueto Para Um

Figurino: Theodoro Cochrane por Escuro

Cenografia: Marisa Bentivegna e Lenardo Moreira por Escuro

Categoria Especial: Grupo Dolores Boca Aberta Mecatrônica das Artes pela pesquisa e criação de A Saga do Menino Diamante- uma ópera periférica

Direção: Rodolfo Garcia Vázquez por Roberto Zucco

Autor: Leonardo Moreira por Escuro

Ator: Luciano Chirolli por As Três Velhas

Atriz: Bete Dorgam por Casting

Homenagem: Maria Alice Vergueiro, paladina do teatro experimental brasileiro

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