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Artaud arde na Mostra Capiba

Samir Murad traz ao Recife o espetáculo performático Para acabar de vez com o julgamento de Artaud

Samir Murad traz ao Recife o espetáculo performático Para acabar de vez com o julgamento de Artaud

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Fotos: Divulgação

“O Teatro da Crueldade foi criado a fim de devolver ao teatro uma apaixonada e convulsiva concepção da vida, e é neste sentido de violento rigor e de extrema condensação de elementos cênicos que a crueldade em que se baseia deve ser compreendida. Essa crueldade, que será sangrenta quando necessário, mas não de modo sistemático, pode assim ser identificada com uma espécie de pureza moral severa, que não tem medo de pagar a vida o preço que deve ser pago”, escreve Artaud Artaud em O Teatro da Crueldade, de 1968.

Cartas, poemas, manifestos e pensamentos de Antonin Artaud (1896-1948) formam a carne do espetáculo performático Para acabar de vez com o julgamento de Artaud, que o ator Samir Murad apresenta nesta sexta-feira, às 20h, na 9ª Mostra Capiba de Teatro do Sesc de Casa Amarela. A montagem da Cia Cambaleei, Mas Não Caí, explora a trajetória do dramaturgo, ator e diretor francês do início do século XX, que abalou as certezas do teatro e da vida e por conta de suas ideias foi considerado louco e internado de nove anos em manicômio na França.

Durante esse período, Artaud experimentou no corpo o pavor de ser injustiçado pela sociedade. E sentiu a carga violenta como resposta a quem não se enquadra. A psiquiatria impôs tratamentos à base de eletrochoques. E com isso usurpou o potencial criativo nos meses em que ele ficava esvaziado por essas descargas.

O título da performance é inspirado no poema radiofônico de Artaud, na época censurado, Para Acabar de Vez com o Julgamento de Deus. Essa encenação processual é resultado da tese de mestrado de Murad e se propõe a provocar uma mobilização criativa no espectador. Samir é formado no Centro de Letras e Artes da Uni-Rio, fez pós-graduação em teatro na UFRJ e defendeu a Influência de Antonin Artaud sobre o trabalho do ator Rubens Corrêa.

A encenação busca exibir facetas de Artaud, como sua relação com o movimento surrealista, o teatro, as drogas, a política e o misticismo. Murad usa elementos musicais, das artes plásticas e técnicas orientais psicofísicas – yoga, o tai-chi-chuan, danças xamânicas e mantras. A peça expande a reflexão sobre o espaço do artista na sociedade.

Samir Murad. Foto Divulgação

Artista anda abraçado com Artaud há mais de uma década

SERVIÇO

Para Acabar de Vez com o Julgamento de Artaud – (Cia. Cambaleei, mas não caí…) – Rio de Janeiro – RJ
Quando: Nesta sexta, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira) ​
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 60’
Classificação etária: 16 anos
Sinopse:

Ficha técnica
Textos: Antonin Artaud
Concepção, Atuação e Trilha Sonora: Samir Murad
Supervisão: Paulo Cerdeira
Cenário original: Milena Vugman
Figurino: Pamela Vicenta
Reazlização: Cia. Cambaleei, mas não caí…

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Ode cômica para Olinda e Recife

O Mascate, a Pé rapada e os Forasteiros, com Diogenes D. Lima

O Mascate, a Pé rapada e os Forasteiros, com Diogenes D. Lima

Em seu livro Locuções tradicionais no Brasil, Luís da Câmara Cascudo registra a expressão pé-rapado como sinônimo de “descalço, de pés nus, pé no chão”. Por metonímia é uma qualificação oferecida à “mais humilde categoria social”. Pé-rapado era o pobretão, sobretudo da zona rural, que andava descalço e por isso era obrigado a raspar (ou rapar) os pés para lhes tirar a lama.

Não se sabe exatamente quando surgiu a expressão, mas aponta Câmara Cascudo que o termo é encontrado na segunda metade do século XVII nos versos que Gregório de Matos. A locução também foi muito utilizada na Guerra dos Mascates, no início do século XVIII, aqui em Pernambuco. Os portugueses, os mascates do Recife chamavam a nobreza de Olinda pelo depreciativo apelido de Pés-rapados. Essa aristocracia rural combatia sem sapatos contra a cavalaria de botas.

O ator Diógenes D. Lima utiliza vários recursos do humor para tratar dessa relação entre Recife e Olinda de várias épocas no espetáculo O Mascate, a Pé rapada e os Forasteiros, que faz uma apresenta nesta quinta-feira, na programação da 9ª Mostra Capiba de Teatro do Sesc de Casa Amarela.

D. Lima manipula os artefatos e interpreta os personagens, articulando signos visuais e sonoros num tom satírico e sarcástico, mas sem perder a visada lúdica.

Com a linguagem do teatro de objetos, uma narrativa cômica e fictícia sobre a história, o artista celebra criticamente as duas cidades. Ele destaca e subverte símbolos e peculiaridades culturais, de ontem e de hoje.

O encenador Marcondes Lima assina a supervisão artística do espetáculo, juntamente com o ator e diretor Jaime Santos, do grupo La Chana da Espanha.  Jathyles Miranda é o responsável pelo plano de iluminação. O bailarino Fernando Oliveira cuida das coreografias do espetáculo. É do ator e designer gráfico Arthur Canavarro a programação visual do projeto e dos diretores de arte Triell Andrade e Bernardo Júnior a confecção dos adereços. A produção-executiva é de Luciana Barbosa.

SERVIÇO
O Mascate, a Pé rapada e os Forasteiros
Onde: Teatro Capiba, Sesc de Casa Amarela
Quando: Nesta quinta-feira, às 20h
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada)
Duração: 60 min
Classificação: 16 anos

FICHA TÉCNICA
Texto e Atuação: Diógenes D. Lima
Supervisão Artística: Marcondes Lima e Jaime Santos
Coreografias: Jorge Kildery
Adereços: Triell Andrade e Bernardo Júnior
Iluminação: Jathyles Miranda
Execução de Iluminação: Rodrigo Oliveira
Execução de sonoplastia: Júnior Melo
Programação Visual: Arthur Canavarro
Fotografia: Ítalo Lima
Gerente de Produção: Luciana Barbosa
Produção: AGM Produções

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Guerrilheira altiva

Hilda Torres defende papel de guerrilheira política. Foto Rick Rodrigues / Divulgação

Hilda Torres defende papel de guerrilheira política. Foto Rick Rodrigues / Divulgação

Uma coisa aprendi junto a Soledad: que deve-se empunhar o pranto, deixá-lo cantar. Outra coisa aprendi com Soledad: que a pátria não é um só lugar. Uma terceira coisa nos ensinou: que o que um não consiga, o farão dois”, diz um trecho da música Soledad Barret, do cantor, compositor e instrumentista uruguaio Daniel Viglietti. A atriz Hilda Torres defende a história dessa paraguaia no monólogo  Soledad – A terra é fogo sob nossos pés. A peça instiga reflexões sobre o passado e os dias atuais, as formas explicitas e disfarçadas de autoritarismo, a luta pelo sonho de liberdade, o empoderamento feminino, entre outras questões importantes para o exercício democrático. A montagem participa da 9ª Mostra Capiba de Teatro, do Sesc de Casa Amarela, com sessão nesta quarta-feira, às 20h.

Soledad Barrett Viedma foi uma militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) assassinada durante a ditadura militar no Brasil. Em Pernambuco ela viveu os últimos dias de sua vida e foi morta por delação de seu companheiro, o Cabo Anselmo, numa emboscada junto com outros companheiros[1].

A atriz mostra essa trajetória de Soledad e também faz referências ao período atual da política brasileira, utiliza poemas, músicas, elementos sonoros e símbolos.

Com direção da atriz e diretora paulista, Malú Bazan, a peça foi idealizada em janeiro de 2015 a partir do livro do escritor pernambucano Urariano Mota, Soledad no Recife. “O projeto contou, desde o início, com a ajuda de muitas pessoas, como ex-prisioneiros políticos, militantes da época que tiveram contato com Soledad, ou não, além de parentes e compatriotas paraguaios. Também recebeu o apoio de militantes contemporâneos, que entenderam a relevância do projeto como contribuição importante para diversas lutas sociais, como as de gênero, direitos humanos e a do entendimento da arte como instrumento de formação e empoderamento sociopolítico e cultural”, contou Malú Bazán na época da estreia.

Hilda Torres pensa que discorrer sobre ‘Sol’ é “falar de um pedaço de todos nós que nos impulsiona diariamente a enfrentar, resistir, sem nunca abrir mão do brilho nos olhos ao imaginar um mundo melhor com direitos iguais para todos e todas na compreensão das nossas diferenças”.

[1] Cabo Anselmo é apontado como um dos líderes do protesto dos marinheiros em 1964. Integrou o movimento de resistência à ditadura nos anos 1960 e, na década de 1970, atuou como colaborador do regime militar. A suspeita é que em todos os episódios ele atuava como um agente policial infiltrado.
Foi Anselmo quem entregou o esconderijo dos membros do VPR em Pernambuco, uma chácara no loteamento São Bento, no município de Paulista. Junto com outros companheiros, Eudaldo Gomes da Silva, Pauline Reichstul, Evaldo Luís Ferreira de Souza, Jarbas Pereira Marques e José Manoel da Silva, estava Soledad. Detalhe, em diversos depoimentos de conhecidos de Soledad afirma-se que ela estava grávida, esperando um filho do próprio cabo Anselmo.
Segundo a versão oficial, os militantes foram mortos numa troca de tiros na chácara. O jornalista Elio Gaspari, em A ditadura escancarada, classifica o episódio como “uma das maiores e mais cruéis chacinas da ditadura”.
Foto: Flávia Gomes / Divulgação

Foto: Flávia Gomes / Divulgação

Ficha técnica
Dramaturgia: Hilda Torres e Malú Bazán
Atuação: Hilda Torres
Direção: Malú Bazán
Cenário e figurino: Malú Bazán
Desenho de luz: Eron Villar
Direção musical: Lucas Notaro
Produção geral: Márcio Santos
Produção executiva: Karuna Paula
Realização: Cria do Palco
Fotografias: Rick de Eça

Serviço
Soledad – A terra é fogo sob nossos pés 
Quando: Nesta quarta-feira, 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira) ​
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 70’
Classificação etária: 14 anos

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Vingança temperada na cozinha

 

Espetáculo A Receita, com Naná Sodré. Foto: Thais Lima

Espetáculo A Receita, com Naná Sodré. Foto: Thais Lima

A Receita, produção de O Poste Soluçōes Luminosas, com a atriz Naná Sodré, projeta a vingança de uma mulher comum, que ano após ano sofre com a violência, o descaso, o desamor e a intolerância masculina dentro da própria casa. A peça, que leva a assinatura de Samuel Santos na direção, dramaturgia, encenação e figurino, faz uma apresentação nesta terça-feira no Sesc de Casa Amarela, dentro da 9ª Mostra Capiba de Teatro.

Na chave do tragicômico, Naná Sodré expõe os desatinos dessa anônima de meia-idade como reação à brutalidade e ao abandono do marido e dos filhos.  Ela passa a maior parte do tempo na cozinha tentando temperar suas ilusões com sal, alho e coentro com cebolinha. Sua narrativa projeta as naturezas do seu ser no processo de intolerância, loucura e morte.

A plateia é cúmplice desse desabafo, em que palavras faladas disputam com os gestos em excesso.

A montagem A receita foi erguida a partir do embrião de cinco minutos, um experimento dirigido por Eugenio Barba e Julia Varley, no VI Masters-in-Residence, ocorrido em Brasília em 2013. Ao voltar ao Recife, Naná e o diretor Samuel Santos prosseguiram com a pesquisa, com o apoio do edital de ocupação do Teatro Joaquim Cardozo/UFPE, no período de maio a julho de 2014.

Com foco no teatro físico, Samuel Santos leva para cena teorias e técnicas de Michael Chekhov, Vsevolod Meyerhold e Eugenio Barba. A dramaturgia atorial[1] da peça, tenta dar conta dessa persona: mulher, negra, casada e mãe, que passa a maior parte de seu tempo na cozinha, sublimando, com a arte culinária, sua condição de oprimida.

Espetáculo nasceu de aula com Eugenio Barba

Espetáculo nasceu de aula com Eugenio Barba

Vestida de avental, a personagem transborda em metáforas e gestos situações do seu cotidiano infeliz. Samuel Santos quer traduzir nessa figura todas as mulheres que sofrem com maus-tratos em qualquer lugar do mundo. Ela sublinha, reforça situações, num ritual que se repete. Sua fala carrega a musicalidade de uma ladainha.

Como parte da investigação dos processos culturais de raízes africanas, também são incluídos cantos e orações de matizes africanas. Que se embaralham na composição de uma partitura sonora, que cruza as orações da cultura cristã.

A atriz investe nos seus recursos psicofísicos, para construir essa dramaturgia atorial  e despertar o interesse do espectador na vida dessas mulheres violentadas física e psicologicamente. A peça tem duração de 50 minutos.

[1] Composição atorial, intérprete-criador e dramaturgia corporal são algumas expressões que tentam dar conta do descentramento do discurso textual/verbal para processos de enunciação que emergem das interações complexas do corpo do ator – através de suas ações, gestos, estados, construções – com os demais elementos constitutivos da cena. Tais terminologias refletem também um processo de maturação criativa e propositiva por parte dos atuantes. CURI (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – BRASÍLIA/DF, BRASIL), Alice Stefânia. Dramaturgias de Ator: puxando fios de uma trama espessa. Revista Brasileira de Estudos da Presença, [S.l.], v. 3, n. 3, p. 907-919, set. 2013. ISSN 2237-2660. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/presenca/article/view/38126/27110>. Acesso em: 18 out. 2016.
A direção é de Samuel Santos

A direção é de Samuel Santos

Ficha Técnica
Direção, autoria, adereços, sonoplastia e iluminação:
Samuel Santos
Atuação, figurino e maquiagem:
Naná Sodré
Técnica em rolamento:
Mestre Sifu Manoel

SERVIÇO

A Receita, com Naná Sodré  (O Poste Soluções Luminosas) – Recife – PE
Quando: Nesta Terça, às 20h
Onde: Teatro Capiba. SESC Casa Amarela (Av. Professor José dos Anjos, 1190. Bairro: Mangabeira)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
teatrocapiba@gmail.com
81 – 3267-4410
Duração: 50’
Classificação etária: 16 anos

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O gozo do discurso amoroso

No se puede vivir sin amor. foto Ivana Moura

No se puede vivir sin amor, espetáculo com Nara Keiserman. Fotos: Ivana Moura

 No se puede vivir sin amor, da atriz e professora Nara Keiserman. foto Ivana Moura

Peça leva ao palco contos, cartas e outros escritos de Caio Fernando Abreu

“Parecia que alguém tinha recém pintado o céu, de tão azul”, descreve Caio Fernando Abreu em sua crônica Quando Setembro Vier, do livro Pequenas Epifanias. E sai narrando um tempo idealizado pelo protagonista quando o emprego é bom, o mundo está em paz, o amor volta para uma viagem paradisíaca. Até anuncia que Fred e Ginger dançam vertiginosamente. Mas há uma ponta de ironia no P.S. ou uma resposta aos que reclamaram da tristeza de seus escritos publicados no jornal O Estado de S. Paulo (esse de 27/8/1986). São formadas de crônicas como essa e contos, cartas e programas do escritor gaúcho a dramaturgia do espetáculo No se puede vivir sin amor, da atriz e professora Nara Keiserman, que abriu a 9ª Mostra Capiba.

O trabalho nasceu como homenagem a Caio Fernando Abreu, pela passagem de seus 60 anos, para a Feira do Livro de Porto Alegre. E segue na trilha do compromisso com a investigação teatral. A teatralidade experimentada pela atriz (no Núcleo Carioca de Teatro, assim como no grupo Atores Rapsodos, criado em 2000 com alunos formados na Escola de Teatro da UNIRIO), aposta em dois conceitos: a utilização da literatura não dramática e a exploração das linguagens de texto e de movimento, como canais diferenciados na comunicação com o espectador.

A dramaturgia é composta pelos contos Metâmeros, Mergulho II, Como era verde meu vale, Fotografias, Quando setembro vier e Creme de alface; trechos de Última carta para além dos muros e de Dodecaedro; além de inéditos escritos especialmente para Nara: um poema, uma carta e um texto para o programa de Morangos Mofados, que ela montou.

O tom é amoroso. Não quer dizer que a temática do amor se reduza à paixão dual. Esse foco está ampliado e amplificado para o próprio gozo do discurso amoroso. E remete também para as contradições humanas, a falhas humanas, a falência do sonho ou promessa de felicidade.

Com uma escrita intimista e passional, Caio Fernando Abreu poetizou o amor, o sexo, o medo, a solidão e a morte. De uma forma bem particular e numa matiz de sinceridade. Nara e seu diretor Demétrio Nicolau escolheram os textos em que personagens passeiam às voltas com suas questões amorosas e existenciais.

 No se puede vivir sin amor, da atriz e professora Nara Keiserman.,foto: Ivana Moura

Poucos objetos de cena: uma mesa, duas cadeiras…

A encenação é simples, despretensiosa e com gotas de encanto. Nara Keiserman trafega da ternura à agressividade. E começa pontuando sua ligação espiritual com a vida e com o próprio autor de quem foi amiga. Em cena apenas uma mesa, com alguns objetos, duas cadeiras. A luz define o ambiente e ressalta os passos da intérprete.

Tudo é afetuoso. Desde o tratamento aos seres evocados, – mesmo que tomados por uma sensação de estranhamento diante do ambiente hostil, – a percursos por subjetividades que vão do esfuziante à melancolia. Fotografia, narrativa da obra Inventário do ir-remediável, faz um instantâneo de uma mulher que espera há horas por alguém que não chega. Gladys, “a loura trintona e gostosa, dezoito por vinte e quatro, como se dizia antigamente”, de Morangos Mofados, exalta suas formas. Ou da mulher que descarrega toda sua agressividade na garotinha que pede uns trocados na porta do cinema, do conto Creme de Alface.

A experiência amorosa é uma busca, às vezes apontada como única saída digna para chegar a àquele momento luminoso. O discurso é polifônico. Mas há também uma crítica implícita a essa busca idealizado do amor romântico.

foto ivana moura

Claro escuro provoca efeitos

A atriz é dona de recursos admiráveis. Uma voz límpida, ao falar e cantar, força mas com delicadeza para saltar de uma personagem a outra. Ela começa como uma técnica terapêutica de um baralho, que vai dar o norte da noite.

Inicia com os exercícios dos meridianos corporais e de voz, uma espécie de apresentação de método, um ritual. Serena e consciente de seu talento e da celebração que escolheu fazer, ela quase flutua pelo palco. Com um figurino branco, saia longa, assinado por Carlos Alberto Nunes (também é dele o cenário), ela segue o “caminho das estrelas” e se altera em o visível e o invisível com a luz de Demetrio Nicolau. Nessa espacialidade ela dá o texto – interpretado ou narrado – de locais apontados como os Chakras. E Nara canta lindamente e seus gestos convocam as festas dos orixás.

Ao ler as cartar que Caio lhe endereçou a atriz é tomada por uma emoção especial que aciona suas lembranças dos tempos idos de comunhão.

A peça No se puede vivir aglutina sentimentos, conflitos, melancolia, amores e verdades, mas de forma serena, próxima de uma tranquilidade. Embala com a envergadura da arte de apaziguar a vida, mesmo que o efeito seja provisório. Por pouco tempo tudo se torna mais leve.

Ficha técnica
Textos: Caio Fernando Abreu
Concepção, Dramaturgia e Atuação: Nara Keiserman
Direção, Iluminação e Arte: Demetrio Nicolau
Cenografia e Figurino: Carlos Alberto Nunes
Orientação Musical: Alba Lírio
Maquiagem: Mona Magalhães
Produção: Natasha Corbelino
Assistente de Produção: Vanessa Garcia
Realização: Atores Rapsodos

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