Puro Lixo é uma das atrações desta terça-feira. Foto: Ana Araújo
A 23ª edição do Janeiro de Grandes Espetáculos – Festival Internacional de Artes Cênicas de Pernambuco chega à última semana. A programação extensa e intensa é composta por 58 produções, entre exemplares de teatro adulto, teatro para a infância, dança, circo, shows musicais e duas leituras dramatizadas e outras ações. Além da programação paralela com mais dez peças ou performances diferentes. E a exposição de quadros do artista Cleusson Vieira, ainda em cartaz no foyer do Teatro de Santa Isabel. Diante desse mapa, amigos e leitores têm pedido sinalizações sobre o que ver. Sabemos que arte não é receita de bolo de rolo ou Souza Leão e a recepção de cada obra é algo subjetivo e intransferível. Mas vamos pontuar alguns aspectos do nosso ponto de vista, com pitadas de nosso gosto.
Neste ano, o Janeiro de Grandes Espetáculos apostou na estreia de 10 produções pernambucanas, sendo três inéditas em dança, seis de teatro adulto e um para a infância, além de uma leitura dramatizada inédita. Desse fluxo que segue até o dia 29 deste mês, sete ainda podem ser vistos: Microclima, com Iara Campos; Grito, com Anne Costa e Marta Guimarães; Terror e Miséria no Terceiro Reich – O Delator, com Germano Haiut e Stella Maris Saldanha; Martelada, com texto e interpretação de Cláudio Ferrário; Alguém Pra Fugir Comigo, com encenação de Analice Croccia e Quiercles Santana; A Gaivota, do Curso de Interpretação Para Teatro do SESC Piedade (Jaboatão dos Guararapes/PE), com direção cênica de Sandra Possani e Baba Yaga, da Cênicas Cia. de Repertório, interpretação de Sônia Carvalho. Dessas estreias já conferimos dois espetáculos: O Delator e Martelada, que falarei brevemente na sequência.
Temos ainda as atrações em Caruaru com sessões de Angelicus Prostitutus e Olha para o Céu meu amor.
Dinho Lima Flor interpreta o bispo Dom Helder Camara, no espetáculo O avesso do Claustro. Foto: Alecio Cezar
Do festival sugiro com entusiasmo O Avesso do Claustro, da Cia do Tijolo, uma montagem em homenageia Dom Helder Camara, o saudoso arcebispo emérito de Olinda e Recife, que se apresenta no Santa Isabel nos dias 28 e 29. O espetáculo recria episódios da vida do bispo católico progressista, mas explora essas passagens em sintonia com inquietações atuais, explorando de forma magistral as substâncias utópicas e poéticas do teatro. Como grupo é sediado em São Paulo (mas tem no seu elenco e direção o pernambucano Dinho Lima Flor) e este é um espetáculo custoso para circular acho uma oportunidade imperdível. Sobre a montagem publicamos Peça sobre Dom Helder Camara vem ao Janeiro
Vamos falar das atrações por data, Vanessinha.
Terça-feira
Josildo Sá no Show Sons de Latada. Foto: Normando Siqueira / Divulgação
TEATRO: Puro Lixo , o Espetáculo mais Vibrante da Cidade, inspirado no Grupo Vivencial. Humor, deboche e música com um talentoso elenco pernambucano.
DANÇA: Microclima. As políticas e o viver no Recife impregnado no corpo da bailarina Iara Campos. Não está totalmente descartada as motivações do Ocupe Estelita, da resistência e de que a luta continua.
MÚSICA: Sons de Latada, com Josildo Sá. Ano passado fez uma década que Josildo e o maestro o maestro Paulo Moura gravaram juntos o CD Samba de Latada. O samba nordestino ganhou uma carga mais emocional, de raiz suingada, que se mistura a muitos ritmos. No repertório do show sucessos da carreira do cantor como Pra não morrer de tristeza, Quixabinha, Tem frevo na Latada e Forró de Mané Vito.
Sons da Latada – Josildo Sá – Samba de Latada Produções (Recife/PE)
FICHA TÉCNICA
Direção e produção musical: Herbert Lucena
Produção executiva: Luciane Ferraz e Rita Chaves
Assistentes de produção: Gabriel Oliveira e Cláudia Macena
Coordenação: Josildo Sá/Samba de Latada Produções
Coordenador técnico e iluminação: Antônio Antunes
Cenário: Leopoldo Nóbrega
Figurino: Período Fértil e Jailson Marcos
Técnico de som: Fumato Snaidefight
Músicos: Josildo Sá (voz), Lu Miliano (acordeon e vocal), Adilson Bandeira (clarinete e sax), Pablo Ferraz (zabumba, congas, surdo, ilú e vocal), Nino Silva (congas, prato, caixa, pandeiro, tonel, caxixi, alfaia, chocalhos), Daniel Coimbra (cavaquinho e vocal), Danillo Silva (contrabaixo), Karine Vieira (bateria) e Andreza Karla (backing vocal e pandeiro)
SERVIÇO
Sons da Latada – Josildo Sá – Samba de Latada Produções (Recife/PE)
Onde: Teatro de Santa Isabel
Quando: Dia 24 de janeiro de 2017 (terça-feira), às 20h
Quanto: R$: 40,00 (Inteira) e 20,00 (Meia)
Classificação etária: a partir dos 12 anos
Duração: 1h20
Stella Maris Saldanha, em Puro Lixo. Foto: Ana Araújo
Puro Lixo – O Espetáculo Mais Vibrante da Cidade tem como provocação/ inspiração a ousadia e o espírito anárquico do Vivencial, grupo do teatro pernambucano que abalou as estruturas caretas da cena nas décadas de 1970/ 1980. Como os fenômenos ocorrem no tempo e no espaço, as vivecas exerceram um fascínio naquela época e esse ideário foi esticado por estudiosos, fãs e os próprios integrantes na esteira de uma imagem de liberdade incondicional (se isso funcionou ou não, não sabemos. Ou eu não sei. Mas a aura persiste!). No cinema essa glamourização da trupe se faz presente no filme Tatuagem, de Hilton Lacerda.
Com poucos recursos, mas muita criatividade, as vivecas criavam a cena dos restos, fazia arte com o lixo. Talvez venha daí a sugestão do título da peça que tem texto de Luís Reis, criado a partir do artigo Vivencial Diversiones: Frangos Falando Para o Mundo, de João Silvério Trevisan, que registra a experiência de uma noitada na sede do grupo, no final dos anos 1970.
Com encenação de Antonio Cadengue, Puro Lixo – O Espetáculo Mais Vibrante da Cidade traça uma alegoria queer, carnavalesca, entre o camarim e a cena de um bando para extrair alegria na pulsação da necessidade de brilhar e no desejo do luxo. O ser marginal das vivecas fica na periferia da montagem. Mas a ânsia de pontuar o que é criar nessa época de outros tremores e temores se ergue nas várias cenas em que o metateatro potencializa a narrativa.
Da trilha sonora, a derradeira canção celebra os transgressores do passado/presente servindo (metaforicamente) como objeto de consumo. Como eu pontuei em outro texto sobre o espetáculo Puro Lixo diz até já :“Do espelho do camarim até o público vira simulacro de si mesmo…”.
Ainda nessa seara musical, o ator Gil Paz dubla Elza Soares em um trecho da canção de Chico Buarque Meu Guri. Esse quadro ganha outras projeções do mundo cotidiano recifense com a exaltação da negritude. E expõe as injúrias do passado escravocrata da passagem cênica Meu Sobrado no seu Mocambo.
A peça traz um acabamento estético, nos figurinos, no cenário que distancia do Vivencial original. Mas Puro Lixo – O Espetáculo Mais Vibrante da Cidade investe no protesto velado e declarado, no deboche, na cumplicidade e intriga de bastidor, no glamour e na crítica da crítica.
Stella Maris Saldanha representa as mulheres do Vivencial. E os rapazes Gil Paz, Eduardo Filho, Marinho Falcão, Samuel Lira e Paulo Castelo Branco desfilam de salto alto para garantir o humor e brilho da montagem.
Outros textos postados sobre Puxo Lixo:
Uma festa para o Vivencial, no dia 11 de agosto de 2016.
Desbunde, transgressão e poesia do Vivencial, no dia 13 de agosto de 2016.
“A liberdade era vivida na imediatez daqueles tempos”, uma entrevista com o encenador Antonio Edson Cadengue, publicada em 15 de agosto de 2016.
E As nervuras do luxo, crítica ao espetáculo publicada no dia 28 de agosto de 2016.
FICHA TÉCNICA
Texto: Luís Augusto Reis
Consultoria: João Silvério Trevisan
Encenação: Antonio Cadengue
Dramaturgismo, assistência de direção e operação de som: Igor de Almeida Silva
Figurinos, adereços e maquiagem: Manuel Carlos de Araújo
Cenografia: Otto Neuenschwander
Trilha sonora original e gravação: Eli-Eri Moura
Música ao vivo (acordeão): Samuel Lira
Vozes em off: Valdir Oliveira, Cássio Uchôa e José Mário Austregésilo
Iluminação: Luciana Raposo (Coletivo Lugar Comum)
Coreografias, direção de movimentos e preparação corporal: Paulo Henrique Ferreira
Preparação vocal: Leila Freitas
Operação de luz: Luciana Raposo e Sueides Leal
Assistência de produção executiva: Antonio Cadengue, Manuel Carlos de Araújo
Produção executiva: Clara Angélica e Jô Conceição
Produção geral: Stella Maris Saldanha
Elenco: Eduardo Filho, Gil Paz, Marinho Falcão, Paulo Castelo Branco, Samuel Lira e Stella Maris Saldanha
SERVIÇO
Puro Lixo, o Espetáculo Mais Vibrante da Cidade
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quando: Dia 24 de janeiro de 2017 (terça-feira), às 20h
Quanto: R$: 40,00 (Inteira) | 20,00 (Meia)
Classificação etária: a partir dos 16 anos
Duração: 1h15
Iara Campos em Microclima. Foto
O caos urbano fruto da falta de planejamento domina cidades brasileiras. O crescimento desordenado, o trânsito insuportável, a natureza arrasada, verticalização predatória, a violência assustadora são golpes contra o planeta. A resposta chega em catástrofes, picos de calor ou de frio em nível global.
A partitura corporal da bailarina Iara Campos traduz essas sensações no espetáculo Microclima, pensado a partir do Recife e suas contradições. E mostra como o corpo também é afetado nesse processo.
Recife, Cidade Lendária, nas suas noites sem fim de Capiba. Constructo humano de sonhos, mas também sítio cruel de Carlos Pena Filho; cidade do mangue, onde a lama é a insurreição com seus homens caranguejos de Chico Science. Capital de muitas revoluções, essa urbe sofre em sua beleza açoitada.
Para erguer o espetáculo, que tem direção de Sebastião Soares, a artista fez experimentações na rua e na sala de ensaio, mergulhou em leitura bibliográfica de arquitetura e urbanismo. E o solo prossegue em mutação. Inquietações e vivências urbanas em diálogo com a cidade e seus problemas, E o reflexo das mudanças dessa paisagem, que geram instabilidade física e emocional nos seus habitantes.
FICHA TÉCNICA
Microclima, com Iara Campos
Concepção: Iara Campos e Sebastião Soares
Direção: Sebastião Soares
Música original: Júlio Morais
Figurino: Carlito Person
Design de luz: Eron Villar
Intérprete: Iara Campos
SERVIÇO
Microclima, com Iara Campos
Quando: 24 de janeiro, terça-feira, às 20h
Quanto: R$: 20,00 (Inteira) e 10,00 (Meia)
Onde: Teatro Arraial (Rua da Aurora, 457, Boa Vista – Fone: (81) 3184.3057 )
Classificação etária: a partir dos 12 anos
Duração: 45 min.
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