Arquivo da tag: 15ª edição do Cena contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília

Grupo bom é grupo morto

Performance de Gabriel F. em Adaptação. Foto: Junior Aragão

Performance de Gabriel F. em Adaptação. Foto: Junior Aragão

A companhia Teatro de Açúcar, de Brasília, “morreu” em 2012. Mas depois disso montou alguns espetáculos, inclusive o criativo Adaptação, monólogo defendido por Gabriel F., que foi exibido na 15ª edição do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. (Adaptação estreou em Brasília em janeiro de 2013, financiado pelo Ministério da Cultura do Distrito Federal. E no início deste ano participou do Janeiro de Grandes Espetáculos, no Recife). Os motivos do óbito são fáceis de adivinhar: dificuldades financeiras para manter as atividades da equipe – sintomas que acometem outros conjuntos Brasil à fora.

O monólogo leva ao palco uma transexual, atriz, que ensaiou durante três ou quatro meses com um encenador de ideias vacilantes e hoje é sua estreia. Precisa improvisar.

Adaptação_Foto Junior Aragão1

Vermelho para celebrar a vida, de toda forma

E para falar de ameaças de desaparecimento, o bando institui paralelismos dentro da cena com personagens que buscam driblar a extinção. No caso um diretor que vive uma crise de criação do espetáculo e já pensa em mudar de profissão, uma atriz que veio do interior e precisa se acostumar ao novo estilo na capital, uma transexual – que por sinal é a atriz- às voltas com sua nova identidade e um dinossauro de futuro incerto.

Os procedimentos para tratar de todas essas questões são inventivos. O que fica é que todos querem sobreviver.

Para formar o quadro estão na cena um minúsculo piano, um microfone com pedal, uma caixa de equipamentos sonoros, uma mesa coberta por toalha, um dinossauro de brinquedo e uma taça. No chão, um jarro.

Entra uma figura estranha, mas bonita. Traz flores. Peruca loura, sapatos vermelhos de salto alto e um ar que mistura uma personagem interiorana com uma figura que vai sobreviver. Mesmo que para isso precise adaptar-se.

O verbo que faz referência ao fato de ajustar uma coisa à outra. Então, se acomodar a diversas circunstâncias e condições. A personagem faz bem isso e o registro do intérprete a esse processo é o meio-tom em que alguém vai expondo sua situação, seus limites, e ao dizer coisas com tanta sinceridade dribla o ato ridículo e consegue a cumplicidade da plateia.

É um progressivo conquistar do público, ao falar da crise do teatro, das estacas do contemporâneo, das técnicas ironizadas pelo ator.

A primeira parte de Adaptação é uma sequência de justificativas sobre o vazio da cena, com frases de inteligência mordaz e pelo menos dois momentos de uma beleza crítica desconcertante. Quando ele mostra, com as mãos, um dinossauro (e neste caso a iluminação é determinante) e a evolução disso quando o ator explora gestos e finaliza com uma frase de que adora dança contemporânea.

Toca música de Ângela RoRô

Toca música de Ângela RoRô

Esse discursar sobre o vazio é redirecionado para a música (Gota de Sangue, de Angela Rô Rô e uma outra autoral) e para uma pequena fábula de um encontro quase amoroso e sua impossibilidade diante das convenções sociais. No caso, da atriz transexual e seu professor de piano na sua cidade do interior.

O registro interpretativo, num tom de negociação, vai conquistando o seu interlocutor aos poucos, também me parece um pouco dessa camuflagem como mecanismo de defesa da qual fala a personagem sobre o camaleão que engana os possíveis predadores.

É uma encenação que destaca a ironia desse viver contemporâneo, sem lições de moral. Tem potência, mesmo quando parece falar do nada. É uma dramaturgia original, com humor sutil, uma peça divertida para falar do medo do fim. A caracterização do ator é ponto alto da montagem.

Dispensaria apenas o cigarro fumado em cena.

FICHA TÉCNICA
Texto, direção e interpretação: Gabriel F.
Música original e direção musical: Marco Michelângelo
Produção musical: Rubi
Assistência de Direção e Luz: Igor Calonge
Cenotécnico: Rodrigo Lelis
Cenografia e Figurino: Gabriel F.
Produção: Gercy Fernandes
Piano: Renio Quintas

Outras notícias sobre o festival, programação completa e as atividades formativas no próprio site do Cena Contemporânea:

* A jornalista Ivana Moura viajou a convite da organização do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. Texto escrito no âmbito da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, iniciativa que envolve os espaços digitais Horizonte da Cena, Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Teatrojornal.

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Cacá Carvalho brinca com máscaras da aparência

cacá carvalho em trilogia Pirandello

Cacá Carvalho levou Trilogia Pirandello ao Cena contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília

O monólogo umnenhumcemmil, com o ator Cacá Carvalho, é a terceira peça de uma trilogia que o artista desenvolve a partir da escritura de Luigi Pirandello. Os três espetáculos (O homem com a flor na boca, A poltrona escura e umnenhumcemmil) foram apresentados na 15ª edição do Cena contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília, e tem assinatura do diretor italiano Roberto Bacci. Um nenhum cem mil é o último romance de Pirandello e trata de assuntos caros e recorrentes na obra do escritor italiano, o “ser” e o “parecer”, a sobrevivência de identidades e no fundo o próprio teatro e seu leque de simulacros.

O romance Um, nenhum e cem mil, de 1926, é desconcertantemente atual nos questionamentos das identidades a partir do olhar do outro, que nessas épocas são cada vez mais manipuláveis. A encenação explora as sutilezas desses motes num monólogo de 80 minutos, verborrágico e cativante.

Um dos principais teóricos da modernidade líquida, o polonês Zygmunt Bauman atesta que a identidade é um “beco sem saída”. E defende que é um “conceito altamente contestado”. E que a palavra remete à batalha. Já o sociólogo francês Michel Maffesoli fala de sistemas de significação e representação cultural que são multiplicados.

Para trabalhar esses pontos complexos, a montagem conta com um magnifico ator, com domínio de diferentes estéticas e formas cênicas plurais, por onde Cacá Carvalho desliza com sobriedade.

umnenhumcemmil é um drama existencial de Vitangelo Moscarda (o Genge), 28 anos, casado com Dida, sem filhos, dono de um banco e de Bibi, uma cadela. Ele mora na cidade de Richieri e tem dois amigos fieis, Quantorzo e Stefano Firbo, que cuidam de seus negócios. Uma figura ordinária, comum.

Um belo dia, um comentário da esposa sobre seu nariz, que se inclina para a direita, desencadeia uma crise sem precedente. Genge não é, nem para Dida, aquilo que imaginava ser. Isso provoca a investigação de outros defeitos físicos: descobre que tem sobrancelhas semelhantes a dois acentos circunflexos “^^”; que as orelhas são mal grudadas; que em uma das mãos o dedo mindinho exibe desproporcionalidade; além de outras pequenas “anormalidades”.

Espectadores viram testemunhas privilegiadas da intimidade. Foto: Humberto Araújo.

Espectadores viram testemunhas privilegiadas da intimidade. Foto: Humberto Araújo.

O protagonista conclui, então, que cada pessoa que o enxerga vê̂ um Moscarda diferente. E esse indivíduo não suporta o peso da opinião pública. Ele quer uma unidade, mas ao mesmo tempo não aguenta ser mais um.

O sujeito mergulha num abismo de reflexões. E diante da situação bizarra, abandona sua vida vulgar, funda um asilo, onde vai trabalhar. Se livra da identidade pública e abraça o anonimato.

As máscaras vão caindo. Com poucos recursos cenográficos de Marcio Medina (uma poltrona, algumas cadeiras, balde), o ator assume essa figura que limpa o chão, que treme em nervos expostos numa interpretação visceral de Cacá Carvalho. Ele constrói um personagem patético, ridículo, poético. Seus gestos e vozes se transformam em lâminas de corte para essas pulsações contemporâneas. Tão vibrantes em suas identidades descartadas. Metateatro erguido com competência diante dos olhos do público.

Ao convidar alguns espectadores a se sentarem no palco, acompanhando de perto a encenação, a montagem explora mais um link da superexposição da vida íntima. Uma pertinente metáfora. A luz de Fábio Retti e a música de Ares Tavolazzi compartilham desse processo.

A inteligência cênica da parceria entre ator e diretor joga no palco um intérprete de vários personagens, fragmentado em diversas vozes, multifacetado. Num atuação luminosa de Cacá Carvalho.

caca carvalho em umnenhumcemmil

Atuação luminosa em umnenhumcemmil

FICHA TÉCNICA
umnenhumcemmil
Com: Cacá Carvalho
Direção: Roberto Bacci
Dramaturgia: Stefano Geraci
Cenário e Figurino: Márcio Medina
Iluminação: Fábio Retti
Fotos: Lenise Pinheiro e Jorge Etecheber
Operação de Luz/Som/Montagem: Yuri Cumer
Assistente de Figurino: Maristela Tetzlaf
Tradução: Cacá Carvalho
Produção: FondazionePontedera de Teatro
Realização: Casa Laboratório para as Artes do Teatro e Fondazione Pontedera Teatro/Itália
Produção: Iza Marie Miceli

Outras notícias sobre o festival, programação completa e as atividades formativas no próprio site do Cena Contemporânea: www.cenacontemporanea.com.br/#”

* A jornalista Ivana Moura viajou a convite da organização do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. Texto escrito no âmbito da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, iniciativa que envolve os espaços digitais Horizonte da Cena, Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Teatrojornal.

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Cena Contemporânea resiste com dignidade

Tomorrow, do Vanishing Point, é a primeira coprodução do Cena Contemporânea. Foto: Victor Franowski

Tomorrow, do Vanishing Point, é a primeira coprodução do Cena Contemporânea. Foto: Victor-Franowski-3

Realizado entre a bilionária Copa do Mundo de Futebol no Brasil e as eleições presidenciais vindouras, o Cena contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília faz da 15ª edição um ato de resistência e dignidade. Com menos recursos, o programa reduziu a quantidade de atrações (com a interrupção neste ano do braço musical), mas verticaliza o ato de refletir sobre o é que fazer cultura num país em que este setor não é prioridade nem na capital do poder.

“Enquanto isso”, destaca o curador Guilherme Reis no livreto do Cena Contemporânea, “a humanidade segue em sua complicada caminhada em direção a um futuro incerto, convivendo com a violência, os conflitos, o preconceito e a perversidade de uma sociedade globalizada que se baseia no consumo e em uma falsa riqueza. E o teatro segue nos auxiliando a compreender toda essa complexidade, apontando para a poesia que persiste entre os homens”.

O festival começou no último dia 19 de agosto e segue até domingo, 31/08, com 23 encenações da Espanha, Escócia, França, Argentina e Brasil. E tem o patrocínio da Petrobras, copatrocínio do Banco do Brasil e Funarte. Guilherme Reis assina a curadoria e direção do evento, que é uma realização da Cena Promoções Culturais e da Fundação Athos Bulcão.

A falta e o excesso que movem a humanidade nestes tempos de fúria e incertezas palpitam nos espetáculos do programa, com questões sobre identidade cultural, utopia, velhice e a prosaica poesia cotidiana. Esses alumbramentos podem ocorrer de mãos dadas com Plínio Marcos, Shakespeare, Pirandello ou dramaturgias mais autorais.

O Grupo Sutil Ato [DF] retrabalha trechos de peças do Plínio Marcos em Autópsia I e Autópsia II). Luigi Pirandello (1867-1936) comparece com a trilogia do ator Cacá Carvalho, dirigido pelo italiano Roberto Bacci – O homem com a flor na boca, A poltrona escura e umnenhumcemmil. Além da adaptação do clássico Seis personagens à procura de autor pela companhia espanhola Kamikaze, em La función por hacer.

A moda chama para uma contradança na montagem A Feia Lulu, de Fause Haten (SP) inspirada em La Vilaine Lulu, personagem de quadrinhos criada pelo estilista francês Yves Saint Laurent.

Tomorrow (foto no alto), do grupo Vanishing Point, da Escócia, dirigido por Matthew Lenton é a principal aposta do festival. A dura realidade de quem envelhece e carece de cuidados especiais está no centro de uma reflexão que se propaga na medida que atitudes podem de (des)respeito podem ser repetidas por outros jovens. A montagem é uma coprodução entre Vanishing Point (Escócia), Cena Contemporânea, Brighton Festival (Inglaterra), Tramway (Escócia) em associação com Platform (Escócia) e National Theatre Studio, Londres (Inglaterra).

Peça Noctiluzes, da Cia Plágio de Teatro. Foto: Alexandre Magno/Divulgação.

Peça Noctiluzes, da Cia Plágio de Teatro. Foto: Alexandre Magno/Divulgação.

Othelo, a tragédia de William Shakespeare com suas intrigas de engano, traição e vingança, ganha ares de clown na versão do argentino Gabriel Chame Buendía. Sob encomenda, outro argentino, o dramaturgo Santiago Serrano (mesmo autor de Dinossauros), escreveu Noctiluzes, para a Cia. Plágio de Teatro para tratar de uma combinação explosiva entre covardia e solidão e sobrevivência da amizade.

O Cena Contemporânea deste ano já tem uma fortuna crítica dos espetáculos apresentados nos primeiros dias. Indicamos o nosso parceiro, o site Teatro Jornal, onde o leitor pode conferir mais informações sobre o festival e algumas críticas.

http://teatrojornal.com.br/2014/08/brasilia-abraca-pirandellianos-e-coproduz/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/ o-circulo-de-giz-da-resignacao/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/outras-portas-de-entrada-para-a-danca/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/transfusao-rodriguiana/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/um-intimo-mal-estar-de-seculo/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/nos-dobras-de-plinio-marcos/

http://teatrojornal.com.br/2014/08/as-fontes-vivas-em-cenas-e-narrativas-ageis/

Outras notícias sobre o festival, programação completa e as atividades formativas no próprio site do Cena Contemporânea: www.cenacontemporanea.com.br/#”

* A jornalista Ivana Moura viajou a convite da organização do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília. Texto escrito no âmbito da DocumentaCena – Plataforma de Crítica, iniciativa que envolve os espaços digitais Horizonte da Cena, Satisfeita, Yolanda?, Questão de Crítica e Teatrojornal.

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