O ritual do espetáculo A Sagração da Primavera foi deslocado para a tribo Tikunana na releitura do Corpo de Dança do Amazonas. A exuberância da região Norte é transposta para o palco em uma movimentação frenética. A partitura gestual explora as pulsões de fertilidade, os ímpetos sexuais, os hormônios à flor da pele nos jogos juvenis entre machos e fêmeas. A versão amazonense da obra A Sagração da Primavera foi apresentada na penúltima noite da 12ª Mostra Brasileira de Dança, com casa lotada no Teatro de Santa Isabel.
Na saída da apresentação de A Sagração da Primavera uma mulher conversava com seu companheiro que a música a deixou muito nervosa, que achou a peça muito agoniante. Quando estreou, o espetáculo original do compositor russo Igor Stravinsky, com balé em dois atos assinado por Vaslav Nijinsky, causou controvérsia. Com cenário do artista plástico e arqueologista Nicholas Roerich, o lançamento ocorreu no Théâtre des Champs-Élysées, em Paris, no dia 29 de maio de 1913. O público à época não soube assimilar tantas mudanças e subversões musical e coreográfica. Abundaram vaias. A história dessa polêmica sessão quem sabe seja mais popular que a própria obra.
Na versão original coreográfica de Vaslav Nijinsky, uma garota é escolhida como sacrifício à divindade primaveril, no apogeu de um ritual pagão eslavo, com a finalidade de atrair para seu povo uma colheita farta a cada ano. Nesta variante dos coreógrafos Adriana Góes e André Duarte, o ritual da Moça Nova explora o rito de passagem feminino da infância para a fase adulta.
A cada nova montagem os criadores inventam uma historinha. A índia chamada Wörecu menstrua pela primeira vez é privada do convívio social e isolada num cubículo construído pelos índios homens. A coreografia passa por jovens celebrando a primavera sob os acordes brutais de Stravinsky. A sedução dos jovens, o jogo do rapto e o jogo dos rivais, a procissão de adoração à terra, são alguns marcos dos movimentos.
Essa versão tem um teor sensual forte e apresenta uma dança apaixonada e furiosa. A escolha da virgem a ser sacrificada traz a beleza da possível presa tentado escapar. É um jogo de força. Carregando cestos que são utilizados na coreografia como objetos para colheita e outras atribuições, o elenco numeroso usa um figurino de cores com variações da terra. Os homens dançam sem camisa e esbanjam vigor viril. A iluminações traça os claros e escuros da floresta e pontua os momentos de celebração e os episódios sinistros. Cenas ancestrais e excêntricas. A música de Stravinsky segue desconcertando.