Denise Fraga e o elenco de Galileu Galilei recebem o público na entrada do Teatro de Santa Isabel. É o início de um ritual que vai durar duas horas e meia sem intervalo. Com esse gesto a trupe, sob direção de Cibele Forjaz, ressalta o caráter da presença ao vivo dessa arte e as opções brechtianas da encenação: de ser e se mostrar teatro (em que os atores entram e saem dos personagens), de ser político, de costurar reflexões na carnadura da encenação, de tomar partido. Tudo isso vai sendo aprofundado ao longo da encenação.
Galileu Galilei é a segunda montagem de Denise Fraga de uma peça do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956). A outra foi A alma boa de Setsuan, que também esteve no Recife.
Esse derradeiro texto de Brecht A Vida de Galileu, rebatizado aqui como Galileu Galilei, pode chegar a quatro horas de duração. A encenação de duas horas e 20 para ser mais exata é puxada. Mas os atores são tão bons, o jogo é tão interessante, as músicas animam, as conexões com a realidade brasileira incendeiam os pensamentos, as reflexões sobre verdade, simulacro, manipulação, coragem e covardia fervilham na nossa cabeça.
Brecht criou três versões da biografia do cientista que confirmou que a Terra orbita em torno do Sol. Dirigia a quarta com o Berliner Ensemble, mas morreu em agosto de 1956, antes da estreia em Berlim.
Na Itália do século 17, Galileu (1564-1642) prova por A + B a doutrina de Copérnico – o Sol como centro do Universo . A Igreja não aceitou essa constatação de Galileu, que foi perseguido pela Inquisição e obrigado a negar publicamente seus estudos.
Por defender a infinitude do Universo, o frade dominicano, filósofo e teólogo italiano Giordano Bruno (1548-1600) foi acusado de prática de heresia e queimado na fogueira pela Inquisição, na cidade de Roma (Itália) em 17 de fevereiro de 1600. Galileu não quis seguir esses passos.
O que é a verdade? Questiona o espetáculo do começo ao fim. No palco eles falam sobre a Terra que orbitava em redor do Sol e se bulia ao redor do próprio eixo; da Lua, que se mexia em torno da Terra e de que esses movimentos ocorriam em outros planetas. A peça de Brecht também fala sobre verdades, manipulações.
Galileu esbarrou na interpretação da Bíblia. Hoje a intolerância religiosa pelo mundo afora produz atentados com vítimas. E levando a questão para o campo mais cotidiano calamos, nos abraçamos com meias-verdades para sobreviver, fazemos concessões, estamos atolados em contradições, evitamos o conflito para não perder o emprego, a amizade, o poder, a aventura amorosa. Para pular as fogueiras diárias. Ou mesmo ao assumir as posturas de que eu não tenho nada a ver com isso.
O elenco brada todas as imperfeições desse Homem, que teima em ser o centro do universo, com todas as alegorias que a encenação utiliza.
A peça cutuca o retrocesso político do Brasil. Projeta a realidade do desmonte, da manipulação midiática, da defesa de teses insustentáveis mas insistidas à exaustão de propaganda. Expõe interpretações equivocadas e ridículas do comportamento dos políticos e da covardia de quem não aceita o embate da discussão de ideias.
A aviltante votação da abertura do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff na Câmara Federal (em 17/04) ganha cena na peça. O trecho evidencia o absurdo da situação e o vexame que os deputados impuseram aos brasileiros frente ao mundo, com suas “argumentações” pífias, sórdidas, desprezíveis. A diretora Cibele Forjaz também inseriu um flash com os “coxinhas batedores de panela” na encenação.
Em 1968, no dia 13 de dezembro, dia da promulgação do Ato Institucional número 5 – o AI-5 (que deu início ao recrudescimento da ditadura militar no país) José Celso Martinez Corrêa e seu Teatro Oficina estrearam a peça São Paulo. Nessa montagem emblemática de Galileu Galilei, a cena do Carnaval era a crítica do grupo a quem apoiava o novo governo. Cibele Forjaz faz referência a essa ação na sua montagem.
Os figurinos feitos com jornais para a histórica montagem de Macunaíma (1978) , de Antunes Filho (adaptada do livro de Mário de Andrade) também entra no espetáculo numa passagem breve como celebração ao potente teatro contemporâneo brasileiro.
A trilha sonora de Lincoln Antônio e Théo Werneck reelabora músicas originais de Hanns Eisler para a obra original de Brecht e inclui sons inéditos, com direito a marchinha cuja letra é distribuída para que a plateia cante junto. Um clima de festa.
O espaço cênico lembra um picadeiro. O cenário, assinado por Márcio Medina, sustenta uma área circular dianteira, que deixa o palco mais próximo da plateia. Os atores também percorrem corredores. Na cena, um volumoso retângulo de madeira reporta a uma gigantesca escrivaninha: as gavetas, quando puxadas, transformam-se em escadaria. Os figurinos e adereços de Marina Reis trabalham com o conceito de montagem e desmontagem. A luz de Wagner Antônio segue em harmonia com esses movimentos.
Denise Fraga tem um talento cômico, que é bem conhecido da televisão. No teatro ela brinca com as sutilizas de Brecht entre o popular e o engraçado. Ao longo da peça, a atriz retira a peruca e mostra os enchimentos na barriga, narrando e comentando o personagem. Seu Galileu é humano, obsessivo, que se debate entre questões éticas, mas não é um herói impecável, e sim um cientista que sabia do valor da sua própria vida para o avanço da ciência. Um composição que merece aplausos.
O elenco afiado e dentro do espírito brechtiano – Lúcia Romano (a filha de Galileu), Théo Werneck, Maristel Chelala, Vanderlei Bernardino, Jackie Obrigon, Luís Mármora, Silvio Restiffe e Daniel WarrenJackie Obrigon, Ary França (inspirado no papel de um cão ou como o cardeal inquisidor) – defende com distinção e elegância seus personagens .
É louvável o modo articulado da encenação para falar de temas como astronomia, física, matemática, teologia de forma fluida e com linguajar compreensível. Tem vitalidade, crítica humor, ironia, uma narrativa de um personagem histórico, efeitos de estranhamento, como o uso de cartazes que anunciam o título e os acontecimentos de cada cena, e as songs, executadas com música ao vivo pelo elenco.
Com muito humor e ironia fica o recado do cientista: “Desgraçada é a terra que precisa de heróis”. Galileu é um espetáculo festivo. Intensamente brechtiano, surpreendente, de comunicação expressiva com a plateia numa encenação potente e rica em detalhes de Cibele Forjaz.
Ficha técnica
Texto: Bertolt Brecht
Elenco: Denise Fraga, Ary França, Lúcia Romano, Théo Werneck, Maristel Chelala, Vanderlei Bernardino, Jackie Obrigon, Luís Mármora, Silvio Restiffe e Daniel Warren
Direção: Cibele Forjaz
Trilha Sonora: Lincoln Antônio e Théo Werneck
Cenografia: Márcio Medina
Figurinista: Marina Reis
Iluminação: Wagner Antônio
Produção Executiva: Lili Almeida
Direção de Produção: José Maria
Assessoria de Imprensa: Barata Comunicação
Transportadora Oficial: AVIANCA | Patrocínio Exclusivo: BRADESCO
Realização: NIA Teatro, Ministério da Cultura e Governo Federal
Serviço
GALILEU GALILEI
QUANDO: de 18 a 21 de Agosto; Quinta, Sexta e Sábado às 20h; Domingo às 19h
ONDE: Teatro de Santa Isabel – Praça da República, s/n
Quanto: R$70 (inteira) | R$35 (meia-entrada) *** R$52,50 (clientes Bradesco para compra de até 02 ingressos para o titular do Cartão Bradesco, AMEX. Desconto válido para compras na bilheteria, não acumulativo com outros descontos). *** R$ 35,00 (Para clientes e funcionários Avianca na compra de até́ 2 ingressos, mediante apresentação do bilhete aéreo ou do crachá Avianca e documento de identificação. Desconto válido para compras na bilheteria, não acumulativo com outros descontos).
Duração: 130 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Informações: (81) 3355-3322