Nos últimos anos, os musicais brasileiros – franqueadas ou versionados (Hello Gershwin (1991), As Malvadas (1997), Os Produtores (2008), Cabaret (2011), O homem De La Mancha (2013), Chaplin – O musical (2015), dentre muitos outros); biográficos (Tim Maia, Cassia Eller, Wilson Simonal, Rita Lee, Chacrinha, Cazuza, Luiz Gonzaga e Elis Regina) – viraram fenômenos de bilheteria. O público se identifica com o gênero que mistura dança, canto, música e interpretação. Que utiliza poderosos efeitos visuais, figurinos e cenário e em alguns casos até efeitos especiais. Criatividade ajustada com tecnologia para emocionar plateias, desde temáticas infantis como a Bela e a Fera e O Mágico de Oz; passando por questões políticas como Hair; até peculiaridades como O violinista no telhado ou Cats.
Um boom ocorrido no início do século 21 mostra que esse exemplar da indústria cultural movimenta fábulas de dinheiro e incentivou na consolidação de mão de obra qualificada.
Desde As surpresas do Sr. José da Piedade, de Justino de Figueiredo Novais, em 1859, a trajetória do Teatro de Revista passou por várias fases. Foi olhado de viés, como uma manifestação menor – burletas, comédias musicais e revistas, mas ganhou o público. Depois de um recuo na década de 1970, veio a retomada com montagens como Elas por Ela, com Marília Pêra, de 1989, seguida de crescente profissionalização.
Existem pesquisas sobre o assunto como Breve história do Teatro Musical no Brasil, e compilação de seus títulos (https://www.revistas.ufg.br/musica/article/view/42982/21533), o livro da pesquisadora Neyde Veneziano O Teatro de Revista no Brasil: Dramaturgia e Convenções (Sesi – SP Editora), entre outras coisas.
Mas essas citações são para pensar sobre a montagem Cabaré da Humanidade, produção da Niño de Artes Luiz Mendonça, do Rio de Janeiro). A peça foi apresentada no Teatro Luiz Mendonça (Parque Dona Lindu), nos dias 13 e 14 de janeiro e faz mais uma sessão nesta quarta-feira no braço da programação de Caruaru, no Teatro Rui Limeira Rosal (SESC Caruaru), dentro do 23ª edição do Janeiro de Grandes Espetáculos.
Com texto de Luiz Carlos Niño (1965-2005), músicas de Luiz Carlos Niño e Núbia Moreira e direção de Ilva Niño e Josué Soares, a peça tenta dar conta do trajeto das criaturas de Deus, como diz o título, a partir de pequenos esquetes. A “comédia musical resgata a estrutura do teatro de revista” para criticar, de forma bem-humorada, a sociedade atual, divulga a produção.
O musical não utiliza escadarias, plumas e paetês em abundância, muitas luzes. A aparência de luxo e de sensualidade ficam bem distantes da encenação.
Com um palco limpo, apenas o nome cabaré ao fundo, que remete para uma “boate” decadente ou para as produções politicamente pobres da década de 1970, vemos um quadro atrás do outro, em que Deus mulher peleja com Lúcifer sobre a criação, ou a dona do Cabaré Madame Satã, famoso inferninho da Lapa, rememora os passos dos humanos e suas risíveis ambições e ganâncias.
Pequenas cenas ou imagens-clichês aludem as mudanças do matriarcado para o patriarcado, Revolução Industrial, ascensão da burguesia e o proletariado, guerras mundiais, cinema. A enorme boca de cena do Teatro Luiz Mendonça ainda retarda o ritmo das passagens de quadro, pouco ágeis.
Os elementos da montagem são todos precários. Os figurinos são estereotipados e o próprio elenco satiriza disso. A luz é problemática, a gravação do som traz as marcas do século passado. As atuações se revezam com as danças. Há falas irônicas, duplo sentido, um pouco de escracho, mas não muito. Há inclusive uma simulação do nu explícito, com um strip-tease fajuto (porque não chega a ocorrer) e engraçado.
Mas sem o luxo das superproduções, sem os homens e mulheres sarados, sem as coreografias espetaculares de alguns musicais, sem os cenários e figurinos para encher os olhos. O que tem esse espetáculo de especial?
Além da sátira social e política em doses homeopáticas nos diálogos ou pequenas falas, pois o texto tem uma pulsação inteligente, o que me parece maior é a força da atriz Ilva Niño. Aos 83 anos ela dá lição de que é possível fazer qualquer coisa com garra, alegria e determinação. Ela compensa as limitações de agilidade no deslocamento com técnica, um timing da comédia. E é especial por toda a história de luta que essa pernambucana de Floresta carrega, dos enfrentamentos políticos às vitórias pessoais.
E como ela estava feliz ao encenar no teatro que leva o nome do seu marido, o dramaturgo e diretor Luiz Mendonça (1931-1995). Ambos fugiram do Recife devido às ações do regime militar de 1964, que perseguiu os atuadores Movimento de Cultura Popular (MCP), criado na primeira gestão de Miguel Arraes como prefeito do Recife. Linda sua emoção.
Na primeira cena, em que o locutor avisa que a peça vai atrasar porque uma das atrizes não chegou, ela entrou brincando que morava no subúrbio do Recife, pegou ônibus e metrô para chegar, mas que naquela noite iria dormir na casa de Leda Alves (a secretária de Cultura do Recife, que estava na plateia). Depois apareceu de Cleópatra para disputar o papel de vedete, de japonesa para concorrer a miss mundo e deu a dica: “Primeiramente…”
A equipe sabe da fragilidade material da produção e brinca com isso. Muita coisa não funciona, como as cenas de plateia. Mas no elenco tem atores empenhados.
É interessante o adiamento da participação do personagem Jesus no espetáculo. Por três vezes, ou mais, ele vem reclamar com o Pai / Mãe a sua vez de entrar em cena, sempre protelada. Numa das vezes Deus diz que ele é muito carente e que aguarde sua vez.
E a peça fica muito extensa. Eles dizem que o espetáculo precisa terminar. Pular alguns episódios dessa trajetória humana sobre a Terra. E ao contrário do que está pichado nos muros da cidade, no Cabaré da Humanidade, Jesus não tem chance de voltar.
Como exemplo do que defende o produtor Paulo de Castro, o Janeiro de Grandes Espetáculos é um guarda-chuva generoso, onde cabem as mais diversas manifestações cênicas.
Ficha Técnica
Texto: Luiz Carlos Niño
Músicas: Luiz Carlos Niño e Núbia Moreira
Direção: Ilva Niño e Josué Soares
Direção musical: Lucina
Coreografia: Jandir Di Angelis
Cenografia: Vera Monteiro
Iluminação e operação de som: Josué Soares
Operador e montador de luz: Celso Rodrigues
Arranjos musicais: Lucina e Saulo Battesini
Vinhetas musicais: Beto Menezes
Produção musical e instrumentos: Saulo Battesini
Operador de som: Rodrigo Telles
Operador de luz: Drigo de Lisboa (EAT)
Visagismo: Ilva Niño
Elenco: Ilva Niño, Bruno de Aragão, Flávio Lázaro, Júlio Wenceslau, Márcia Valéria, Rita Grego, Rodrigo Telles e Vera Monteiro
SERVIÇO
Cabaré da Humanidade – Niño de Artes Luiz Mendonça (Rio de Janeiro/RJ)
Onde: Teatro Rui Limeira Rosal (SESC Caruaru)
Quando: Dia 18 de janeiro de 2017 (quarta-feira), às 20h
Quanto: R$ 30,00 (Inteira) e 15,00 (Meia)
Classificação etária: a partir dos 14 anos
Duração: 1h30