O que o espectador de hoje busca no teatro? No tempo das emoções afloradas, da “felicidade” estampada virtualmente, do simultâneo? Em Olivier e Lili: Uma história de amor em 900 frases, montagem com direção de Rodrigo Dourado e Fátima Pontes e Leidson Ferraz no elenco, há uma projeção de universos particulares no palco. O tom autobiográfico e confessional permeia o espetáculo, que vi quase no fim da temporada no Teatro Hermilo Borba Filho e agora mais recentemente na VI Mostra Capiba.
O texto base é da atriz francesa Elizabeth Mazev; ela conta, desde a infância, a sua relação com o diretor Olivier Py. Os dois estudaram na mesma escola, descobriram o teatro juntos, viveram perdas e amores. A partir das memórias evocadas pelos personagens, surgiram aquelas dos próprios atores e do diretor, que também foram transformadas em dramaturgia, numa tentativa de trilhar os limites da ficção-realidade.
Estão em cena a infância de Leidson Ferraz e Fátima Pontes, os aniversários, as lembranças da casa de quando criança, o colégio, o teatro, a morte de alguém muito querido. E aí preciso fazer um adendo: é bom explicar que esta é uma apreciação escrita sem imparcialidade; muitas daquelas memórias, principalmente as Leidson, me são muito próximas. Tanto eu quanto ele somos de Petrolina; e ele fala da cidade, do colégio tradicional de freiras, do padre Bernardino. Além disso, nós nos conhecemos desde que entrei no curso de Jornalismo; então a narrativa dele me cativa muito.
Independente disso, da maneira como foi construída a dramaturgia, em algum momento você vai se sentir tocado – e me parece muito deliberada e perceptível ao espectador essa intenção de fazer o público se emocionar, se reconhecer no palco em alguma daquelas histórias.
O que queria discutir é o quanto a montagem se tornou muito mais autobiográfica do que qualquer outra coisa. Em determinado momento cheguei a me questionar: mas e Olivier e Lili? Quem são esses personagens? O tratamento dado à dramaturgia, por exemplo, é claramente distinto.
Quando Olivier e Lili estão no primeiro plano, as frases são mais telegráficas (como imaginei que seria a proposta do espetáculo como um todo); há um distanciamento perceptível entre ator-personagem. Quando no momento seguinte vira vida pessoal, o texto é longo, há um desprendimento de emoção, outra energia se instaura. Claro, estão falando de si mesmos. Mas isso provoca quebras na encenação.
Além disso, as relações são estabelecidas de forma muito clara e cúmplice com o espectador. É diferente, por exemplo, para dar uma referência próxima, do que faz o Grupo Magiluth em Aquilo que meu olhar guardou para você. Ali há uma fusão – o público não sabe o que é ficção e realidade. Em Olivier e Lili as cartas estão postas na mesa: bom, aqui estou vendo o personagem (que também é ‘real’, mas distante de mim, então personagem) e aqui é Leidson e Fátima, o que eles falam aconteceu de verdade. Talvez por isso o diretor tenha optado por colocar em cena também vídeos de Elizabeth Mazev e Olivier Py. Mas que são longos por demais, cansativos, necessários apenas para justificar essa questão do real-ficcional. Para a dramaturgia e para a montagem acrescentam muito pouco ou quase nada. E eles ainda aumentam o tempo da peça – que já é longa. Parece ter sido difícil para a direção o exercício da síntese. Vi pelo menos um momento em que a plateia se perguntou se aquele não seria o final da peça.
Enxergo tanto em Leidson quanto em Fátima muitas possibilidades interpretativas que ainda não se instauraram efetivamente. Faltam nuances e a transição para a adolescência e para a fase adulta na história também não parece muito bem resolvida. Mas são dois atores que se entregam, inteiros em cena; é como se esse projeto também fosse uma declaração de amor deles dois não só à amizade, mas a tudo que o teatro os proporcionou, ao próprio teatro.
Muitos dos elementos do teatro contemporâneo estão na montagem, desde a importância da musicalidade, a profusão de signos, o depoimento, os microfones no palco. Símbolos que juntos constróem uma obra que reverbera muita afetividade e consegue atrair o público.
Minhas impressões passam pela sua narrativa, Pollyanna! 🙂
corrigindo: climaxes / amigos que nao se veem ha muitos anos