Pernambuco é um celeiro de escritores e poetas, com obras importantes para a literatura brasileira. João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é um dos grandes, adverte de cara o ator Giordano Castro ao ser perguntado sobre a escolha do texto. O centenário do poeta pernambucano ocorreu em 2020 no auge do isolamento social. Se o mundo não tivesse parado, a montagem do Grupo Magiluth inspirada em Morte e Vida Severina – Um Auto de Natal teria estreado para celebrar os 100 anos do autor de O Cão Sem Plumas. Muita coisa pifou com a pandemia da Covid-19. O trabalho do Magiluth, que primeiro seria um espetáculo de rua, ganhou outras feições durante esse percurso. Chega ao palco do Teatro Ipiranga, em São Paulo, como Estudo Nº1: Morte e Vida.
Com encenação de Luiz Fernando Marques, Lubi, parceiro da trupe pernambucana desde 2012 e diretor dos espetáculos Aquilo que meu olhar guardou para você e Apenas o Fim do Mundo, esse último juntamente com Giovana Soar, essa quase “peça-palestra”, vale-se do livro como disparador para discussões das migrações contemporâneas, a questão climática, da seca, e a repercussão na vida de pessoas de várias partes do planeta. Perpassada pela política, a montagem expande a figura do Severino para fluxos mundiais de deslocamentos.
O estudo do título expõe elementos que muitas vezes ficam ocultos nas encenações, como os sistemas de som e luz. A direção musical é de Rodrigo Mercadante, que reforça a ideia dos ciclos de vida e morte da peça em sua trilha, com sonoridades originais e músicas de artistas do punk e do hardcore de Pernambuco.
O retirante Severino, protagonista da peça cabralina, se apresenta como sujeito individual e coletivo. Ao investigar as migrações forçadas, o Estudo Nº1: Morte e Vida cavouca as perspectivas geográficas, simbólicas e humanas dos impulsos que se deslocam.
Entrevista || Giordano Castro
Por que João Cabral?
É importante levar em consideração que Pernambuco é um estado com muitos escritores, muitos poetas que têm uma obra importantíssima para a literatura brasileira. E de um caráter estético muito inovador e peculiar. Cada um tem uma identidade muito forte. Dentre eles, João Cabral é um dos que chama bastante atenção para a gente por causa da questão do rebuscamento da própria escrita. Algo que ele levava com muito cuidado e muita atenção. Ele é conhecido por ser um poeta que lapidava muito os seus trabalhos e que ainda assim conseguia manter uma dureza naquilo ele falava.
Para nós, Morte e Vida Severina – apesar de ser uma obra que João Cabral não era muito carinhoso por ela – guarda uma célula muito potente de apontamentos de caminhos para abrir discussões. É como se dentro daquele poema-peça ele abrisse muitas questões. Ele não fala apenas sobre um homem que se vê na necessidade de migrar por problemas naturais e da seca, o que não seria pouca coisa, mas ele coloca questões sobre o trabalho, sobre o próprio homem, sobre a característica desse homem, sobre a terra, sobre a reforma agrária. Enfim, são muitos apontamentos e talvez esse trabalho tenha chamado a atenção da gente por causa disso. E dentro do Magiluth cada um foi atravessado por algo diferente, então acaba sendo uma poesia muito plural de abordagem. E a própria palavra, a forma como ele, João Cabral, como escolhe as palavras dentro do seu poema e como aquelas palavras têm uma maneira de organizar aquela poesia. A escolha foi por uma questão estética mesmo e também por uma questão política.
As migrações e travessias são marcas de cada tempo, que traduzem colonizações e buscas por territórios. Como o Magiluth atualiza esses movimentos nesta montagem?
As questões de migração e de travessia como você fala, de fato, são coisas que continuam acontecendo. Desde a ideia da existência humana até os dias de hoje a necessidade de migrar se faz. A gente sempre entende isso como um movimento político. Nas migrações hoje temos encontros com outros Severinos. O Severino que João Cabral aborda, nordestino, ganha ares mundiais. A gente entende hoje que os Severinos não são somente outros sotaques, mas outras línguas. As questões climáticas que fizeram com que o Severino do Morte e Vida saísse da sua região, hoje atinge e vai continuar atingindo e piorando para cada vez mais outras pessoas. Serão outros Severinos saindo de Quiribati, que vão começar a sair das cidades mais baixas do mundo depois do aquecimento global, com o derretimento das geleiras e o aumento dos oceanos. Serão Severinos americanos, italianos, recifenses. E essas questões climáticas, elas estão – hoje e ontem – absolutamente ligadas às questões políticas – como o homem politicamente usa a natureza, como como tudo isso interfere em ganhos, na estrutura, está tudo interligado
O que essa pandemia trouxe para o trabalho de vocês?
A pandemia, o que a gente consegue falar em muitas camadas. Ela foi desesperadora no começo, forçar o Magiluth a uma série de situações, parar as atividades e tudo mais. Depois ela foi uma descoberta para gente, o que gerou os três trabalhos online – (uma trilogia de experimentos sensoriais em confinamento, composta pelas obras Tudo que coube numa VHS, Todas as histórias possíveis e Virá)
Mais especificamente falando do Estudo Nº1: Morte e Vida, a pandemia deu um molde poético para o trabalho. O trabalho começou a ser pensado no final de 2019, passou por muitas possibilidades. Esse espetáculo já foi pensado, por exemplo no princípio, de um espetáculo de rua; depois foi pensado para se fazer no palco; depois ele virou o estudo. E a cada retomada por causa da pandemia, a gente também se encontrava com uma nova proposta poética. E aí eu acho que o resultado é uma soma de todos os momentos. Eu acho que a gente conseguiu amontoar todos eles.
Ficha Técnica
Criação e realização: Grupo Magiluth
Direção: Luiz Fernando Marques
Assistente de direção e direção musical: Rodrigo Mercadante
Dramaturgia: Grupo Magiluth
Elenco: Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres e Mário Sergio Cabral
Produção: Grupo Magiluth e Amanda Dias Leite
Produção local: Roberto Brandão
Estudo Nº 1: Morte e Vida, com o Grupo Magiluth
Quando: De 28 de janeiro a 6 de março de 2022, sextas e sábados às 21h, domingos, às 18h
Onde: Sesc Ipiranga )Rua Bom Pastor, 822 – Ipiranga – São Paulo SP)
Quanto: R$ 40(inteira) e R$ 20 (meia)
Classificação indicativa: 16 anos