Assisti à montagem Aquilo que meu olhar guardou para você duas vezes. No Teatro Hermilo Borba Filho, durante o festival Janeiro de Grandes Espetáculos e durante a curta temporada no Teatro Joaquim Cardozo, ambas no Recife. Gostaria de conferir a performance dos rapazes em Curitiba, mas um engarrafamento qualquer (de vontades, de quedas de reserva, de avião, de agilidade) não permitiu. Voilà
Gosto do espetáculo. Aquela inquietação de cada um deles, aquelas micro histórias que se confundem (e nos confundem), a estrutura fragmentada, as pulsações libertárias em cada gesto pequeno quase imperceptível do cotidiano. E o humor… Um humor inteligente, às vezes sarcástico, com um olhar crítico sobre minúsculas mazelas. De coisas que tocam. Tocaram a mim. Com muitas flutuações de assuntos.
Gosto da “sujeira” pop das marcas.
Achei muito divertida a crítica (meio sarro com humana pontinha de despeito) aos prêmios. Quando Pedro Vilela morre em cena e Giordano diz que não é justo porque ele não ganhou nem um prêmio da Apacepe (Associação dos produtores de Pernambuco).
Isso me fez lembrar como é engraçada e complexa a relação que as pessoas têm com os prêmios, como se fossem um certificado incontestável de competência. Tô falando do geral e não só da abordagem da peça. E não é por aí. Tudo é muito mais complexo e depende das forças que atuam naquele momento, dos gostos e muitos coisinhas miúdas, etc…
Voltando à peça. Os pequenos episódios cotidianos, que ganham uma proporção enorme na vida das pessoas, são explorados de forma corajosa, correndo riscos.
A cidade, o Recife, muitas vezes aparece pouco de forma macro. Mas está ali em pequenas proporções, quase como a memória que carregamos e se mistura com outras lembranças que produzem um jeito de corpo, uma expressão.
Aquilo que meu olhar guardou para você explora as contradições, de sentimentos, de atitudes, de parcerias. E cria uma interação bem particular com a plateia. Mas é algo vivo e pode seguir contornos bem específicos em cada apresentação. Como já disse o diritor Luis Fernando Marqueso, o elenco – formado por Giordano Castro, Pedro Vilela, Pedro Wagner, Erivaldo Oliveira e Lucas Torres – tem “uma displicência poética, uma liberdade de amarras”. Isso está na forma, no conteúdo, no jeito de explorar.
Mas também diz muito desse ser contemporâneo, que pode estar em cidades periféricas e com grande vocação para o desenvolvimento como o Recife. Ou na capital do poder político, como Brasília.
O espetáculo foi concebido a partir de uma investigação da urbanização das cidades, em projeto patrocinado pelo Itaú Cultural. De início a peça chamava-se Do Concreto Ao Mangue: Aquilo Que Meu Olhar Guardou Para Você, baseado na troca de conteúdos entre os dois grupos.
Dos 46 fragmentos contabilizados por eles, os atores desconstroem a quarta parede desde o início do espetáculo e, no final, o público se torna personagem decisivo.
A cena, o sentimento da cena, do personagem se volatiza rapidamente para encaixar em outras cenas. O elenco expõe esperanças e ambições de seus personagens para em seguida desconstruir essas ilusões. É um quebra-cabeças afetivo, marcado por escolhas que poderiam ser feitas no dia a dia, por qualquer um.
Enquanto o pulso, pulsa e a poesia brota dos pequenos gestos, os atores esbanjam humor. Um humor característico do lugar. Outras trupes já tiveram a sua gréia. A do Magiluth tem um pouco mais de leveza, para dizer que estamos todos perdidos e o fim do fim para os humanos não muda tanto assim. Mas enquanto não chega a morte, ou coisa parecida (ai Belchior dos bons tempos!) seus personagens estão repletos de luz, intensos, correndo atrás, mas que podem acabar a qualquer hora. São encontros e despedidas, o tempo inteiro, em que eles depositam todo o ser.
Boa sorte e sucesso, zebrinhas.
Serviço:
Aquilo que meu olhar guardou para você
Teatro Contemporâneo | Recife-PE |
Onde: Teatro Paiol (em Curitiba)
Quando: 5 e 6 de abril às 21h
Quanto: R$ 25 e R$ 50