Humor zombeteiro da Burralheira

Espetáculo é dirigido por Henrique Celibi.

Flavio Andrade (Príncipe) e Filipe Enndrio (Burralheira) no espetáculo dirigido por Henrique Celibi

A “gréia” pernambucana brota de farrapos de orgulho e de deboche crítico. O povo das terras João Cabral e de Chico Science tem a mania de achar defeito. E aponta, mete o dedo na ferida. Mas com humor. Um humor zombeteiro, é verdade. Essa galhofa, que chega a níveis extremos e imprevisíveis, é muito apreciada nas artes. No cinema faz o maior sucesso. E no teatro é defendida por alguns. Entre eles o autor, diretor e ator Henrique Celibi, que criou uma Cinderela suburbana, da periferia do Recife, gay e que vai à luta pelo bofe magia. Ela aprendeu “a dar o truque” na família exploradora, com a ajuda da fada-madrinha.

Há muitas versões da história da Gata Borralheira. Dizem que são mais de 700 e tem até apontamentos para 850 a.C. Não fui tão a fundo.

A bicha borralheira, a variante de Celibi foi erguida em 1985, para ocupar os intervalos dos habituais shows de dublagem que ocorriam na extinta boate Misty, na rua das Ninfas, no bairro da Boa Vista. Depois ganhou os palcos com a Trupe do Barulho, já com o título de Cinderela, a estória que sua mãe não contou. E se transformou no maior sucesso recifense de bilheteria da década de 1990.

Para celebrar 31 anos do texto original, Celibi e seu grupo fizeram uma meteórica temporada de A Bicha Burralheira, a estória que sua mãe não contou, em abril, no Teatro Hermilo Borba Filho. Ficou pouco tempo por escassez de pauta nos teatros municipais.

A Bicha Burralheira ganha mais duas sessões, hoje e amanhã, no Teatro Apolo, às 19h30.

Elenco

O espetáculo ressalta a ideia de que todos trapaceiam. Alguns para o seu próprio bem, outros em proveito próprio associado à ação de prejudicar, humilhar ou arruinar o outro. Ninguém é totalmente bonzinho, como nas historietas para crianças.

A protagonista é maltratada pela meias-irmãs e pela madrasta. Sofre Bullying por ser gorda. Mas responde à altura. Tem autoestima robusta. Essa Burralheira tem andar desengonçado, gestual largo com direito a gestos licenciosos, e um vocabulário e pronúncia do subúrbio recifense, pleno de gírias e palavras obscenas. E um “baile” na ponta da língua.

Essa paródia de humor escrachado marca discussões de gênero, de quem está à margem sob vários quesitos. Os personagens são gays ou trans e sabe que não pode contar muito com a comunidade. É cada um por si.

Mas a Cinderela arranja uma fada-macumba, interpretada por Celibi, que tem por missão viabilizar um cartão do sistema VEM para que a Gata possa ir ao baile encontrar seu Príncipe, em algum ponto do centro do Recife.

Há espaço para improviso, show de bizarrices. Manifestações de fetiche, arriação e gozação. As interpretações estão coladas ao que o Grupo Vivencial desenvolvia em Olinda nas décadas de 1970/1980, brilho e purpurina. Irreverência e uma devoção tão grande em fazer teatro que transforma o lixo em cenário, figurinos, adereços.

É tudo meio precário. Mas o grupo dá um truque da pobreza; um tapa na falta de politicas públicas.

Prima pela estética da sujeira na cena. Em todos os elementos, inclusive nas interpretações. E dela tira a vivacidade das gags, a força das palavras toscas, de expedientes vulgares, a comunicação imediata e rasteira com o público. É para rir. Mas um teatro mesmo com toda gozação, político. De um lugar da periferia que não se deixa calar.

Elenco

Elenco

Ficha técnica:
Texto, direção, produção: Henrique Celibi
Elenco: Carlos Mallcom (Madrasta), Filipe Enndrio (Burralheira), Flavio Andrade (Príncipe), Renê Ribeiro e Robério Lucado (as irmãs), Henrique Celibi (Bicha Madrinha), Ítalo Lima (vassalo do rei)

SERVIÇO
A Bicha Burralheira, a estória que sua mãe não contou,
Onde: Teatro Apolo (Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife)
Quando: 15 e 16 de junho, às 19h30
Preço único: R$ 20

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