Grace Passô é invadida por Uma Voz

Grace Passô no colo Grão da Imagem: Vaga Carne. Foto: Kelly Knevels

Grace Passô no solo Grão da Imagem: Vaga Carne. Foto: Kelly Knevels

As peças da dramaturga, atriz e diretora mineira Grace Passô têm um toque surreal, porque a realidade – sob determinada perspectiva – é mesmo um absurdo. Na ciranda de medos e afetos, abacates desabam sem pudor na montagem Por Elise, do grupo Espanca!. “Cuidado com o que planta no mundo!”, avisa a mulher que cultivou a árvore e tem medo das frutas que caem. O homem dorme, mesmo quando acordado em Amores Surdos, também do Espanca!, porque os personagens não se ouvem, não se enxergam, não se percebem. Um estranho acordo de amor. Na peça Grão da Imagem: Vaga Carne, com texto, direção e atuação de Grace Passô, os elementos kafkianos se aproximam da realidade ilógica (ou perversa) subvertendo seu status a partir de temas identitários.

Grãos da Imagem: Vaga Carne é a atração desta sexta-feira (6), no Teatro Hermilo Borba Filho, às 20h, da programação do Trema Festival.

A personagem é Uma Voz errante, que invade matérias sólidas, líquidas ou gasosas, e decide, pela primeira vez, apossar-se de um corpo humano. “A peça parte da noção de construção da identidade, do contraste do ser social e subjetivo, dos conflitos e comunhão entre público e privado, do que há entre o julgamento social e as existências”, conta Grace no relato íntimo sobre o espetáculo, publicado na revista Trema!.

É uma jornada de auto reconhecimento, onde Uma Voz ocupa o cenário, “um corpo de mulher”, narrando o que sente ou finge sentir; o que é insondável em si, como sua imagem chega aos outros que veem. A proposta é de uma experiência complexa. São investigações e urgências estéticas de Passô contaminadas pelas inquietações do real.

Em Grãos da Imagem: Vaga Carne a atriz verticaliza sua identidade de mulher e negra. Uma instigação contra prescrições de nossa sociedade falocêntrica e racista. E nessa plataforma de gênero e étnica que o discurso é desenvolvido, os fragmentos de vida dessa Uma Voz vão aquém e além do corpo.

Jeito de moleca da atriz camaleônica. Foto: Lucas Ávila

Jeito de moleca da atriz camaleônica. Foto: Lucas Ávila

O espetáculo estreou no Festival de Curitiba em março, mesmo evento que a projetou junto com seu ex-grupo Espanca! em 2005. A atriz de 35 anos tinha 24 quando apresentou Por Elise no Fringe. Seu domínio técnico e carisma ficam mais apurados no decorrer dos anos.

Grace Passô é uma intérprete admirável. Que cria e encara provocações, que surpreende, que modula com expressões corporais e vocais, que sabe carregar bem as emoções, que faz seus gestos transbordarem de sentidos. E que usa tão bem a ironia com poderosa arma crítica. É incrível como ela pode se transformar nos seus personagens. Com uma propriedade que desperta a cumplicidade do público. É uma alegria acompanhar desde Por Elise da trajetória dessa artista brasileira.

Ficha Técnica
Direção, texto e atuação: Grace Passô.
Fotografia: Lucas Ávila.
Identidade Visual: 45 Jujubas.
Interlocutores: Ricardo Alves Jr. e Kenia Dias.
Luz: Nadja Naira.
Produção: Nina Bittencourt.
Gênero: Drama
Classificação indicativa: Livre
Duração: 60 minutos

Serviço
Grãos da Imagem: Vaga Carne
Quando: Sexta-feira, 6 de maio, às 20h
Local: Teatro Hermilo Borba Filho (rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Ingressos: R$ 20 e R$ 10
Informações: (81) 3355-3320

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