O Santo e a Porca é uma das mais deliciosas comédias brasileiras, que ataca um dos pecados capitais, a avareza. Todo mundo é um pouquinho avarento, mas Euricão – “Engole Cobra” ou Eurico Árabe, o protagonista, passou de todos os limites e suas atitudes provocam o riso da plateia. A peça escrita por Ariano Suassuna em 1957 tem todas as qualidades de uma boa comédia, com uma trama com reviravoltas, tipos engraçados e questão de fundo filosófico da rivalidade do mundo material e espiritual. E apesar da quantidade de personagens e dos seus três atos, encontramos de vez em quando uma montagem num festival pelo país afora. No Janeiro de Grandes Espetáculos o Teatro Popular de Arte – TPA, de Petrolina, apresentou sua versão no Teatro Barreto Júnior, no último sábado (22).
A comédia de Ariano Suassuna é um clássico da dramaturgia brasileira e põe em confronto elementos do sagrado e do profano. O texto é inspirado na obra do escritor latino Plauto, composta antes do nascimento de Cristo, chamada Aululária. O nosso Suassuna traz o conflito para solo nordestino, e usa referências da literatura de cordel. Na peça, o velho sovina e ranzinza guarda, mas não desfruta de sua riqueza. E todos ao seu redor têm que amargar do mau-humor, das esquisitices e da economia que Euricão faz em casa, chegando ao cúmulo de só bancar uma refeição por dia para a família e agregados. Enquanto ele reza para Santo Antônio, sem acender uma vela para não gastar um tostão, pede proteção para sua porca, onde guarda o dinheiro.
Coroba, a empregada com cara de tonta, tem certo parentesco com Chicó, o amarelinho do Auto da Compadecida. Ela também usa da esperteza para tentar resgatar o dinheiro não pago durante anos pela exploração do patrão. O avarento tem uma filha Margarida. Ela será disputada por pai e filho (sem que um saiba da intenção do outro). Benona é a irmã solteirona de Euricão, que foi noiva de Eudoro, que por sua vez quer casar com Margarida. Dodó é filho de Eudoro e o “dono” do coração de Margarida. Pinhão é noivo de Coroba e tão esperto quanto ela, mas o povo só vai saber disso no final da peça.
A montagem de Petrolina, apesar de não atropelar o texto, carrega nas tintas. A iluminação é chapada, com predominância do amarelão no primeiro ato, o que dá um efeito muito estranho às figuras. As perucas dos atores que interpretam Euricão e Benona são simplesmente ridículas. O figurino é pobre. O cenário interage pouco com as cenas. Mas o maior problema é o elenco e inadequação de alguns atores aos personagens. Eudoro e Dodó, interpretados respectivamente por Godoberto Reis e Severo Filho não têm peso para as personagens. O menino Dodó, com a boca troncha e sua corcunda não convence nem um pouco. Já o pai desse também faz uma performance ruim. No conjunto, o elenco é fraco. A atriz que interpreta Coroba, Francine Monteiro, soube tirar proveito de seu personagem, tem vivacidade. Domingos Soares, que faz o avarento Euricão, se prende ao clichê fácil. A direção também é de Domingos Soares e infelizmente não traz algo de intepretação particular desse grande texto.
Era a primeira vez que o grupo fazia uma apresentação no Recife. E eles estavam emocionados com isso. O público aplaudiu entusiasmado, e riu durante boa parte da apresentação, (inclusive eu) com sinceridade, mas é porque o texto é muito bom. Sabemos das dificuldades de fazer teatro em qualquer lugar do mundo. No interior talvez isso seja mais complicado. Mas às vezes para crescer é preciso ter os pés no chão e ter consciência das limitações. O grupo já tem mais de 20 anos de atividade e isso merece todo o nosso respeito. Mas o teatro exige, além da paixão demonstrada pelo grupo, disciplina, estudo, condicionamento.
E, além disso, mesmo que muitos grupos que montam O Santo e a porca não percebam, esse texto tem uma sofisticação interna na construção de seus tipos, nas significâncias que não podem ser resolvidas com macaqueamento das figuras. Isso pode provocar o riso, mas diz pouco.