A arte da palhaçaria é algo bem delicado, que trafega em uma fronteira tênue entre o tom perfeito e exagero. Quando falo tom perfeito não me refiro a nenhuma fórmula consagrada, forma ou coisa do gênero. A piada pode ser batida, mas o artista, quando tem uma graça só dele, subverte sentidos fazendo com que pareça algo inusitado.
Não fui uma criança de muitas gargalhadas. Achava tudo sério. Todo mundo ria de uma topada do outro, ou quando alguém escorregava numa casca de banana. Era automático para eles. Pra mim não. Ficava com pena da criatura, ali esborrachada, humilhada. Mas mesmo com toda seriedade, desde sempre adorei teatro, circo e palhaços. Ficava vidrada na performance daqueles caras que conseguiam arrancar ondas de risos da plateia. Nunca deixei de gostar deles.
Ontem fui assistir novamente ao espetáculo Palhaços em ConSerto, com os Doutores da Alegria. Posso garantir que minha tarde ficou muito mais feliz.
O teatro Marco Camarotti (do Sesc de Santo Amaro – que fica ali perto do cemitério) estava lotado. E muitas crianças estranharam aquelas figuras de nariz vermelho e cara pintada. Alguns choraram. Mas a maioria se divertiu muito. Os adultos também.
Fui com Rocco Wicks e sua querida avó, Suzana Costa. O menino de dois anos se comportou como um príncipe. Bateu palmas, riu muito e tirou fotos depois. Eu adoro o espetáculo e não me contive; soltei sonoras gargalhadas. Suzana disse que gostou, mas ela é a mais crítica de nós três… talvez de todo o teatro.
Mas vamos voltar o foco para o palco. Uma trupe de palhaços que também tem sua lista de remédios contra a dor, a tristeza, a falta de ânimo, essas coisinhas que deixam um ser humano meio jururu.
É uma gente muito talentosa. Nesse elenco tem médico para praticamente todos os males. Anderson Douglas é o dr. Cavaco; Arilson Lopes é o Dr. Ado, Eduardo Filho, o Dr. Dud Grud; Enne Marx, a dra. Mary En; Fábio Caio, o dr. Eu Zébio; Greyce Braga a dra. Monalisa; Juliana Alemeida, a dra. Baju; Luciano Pontes, o dr. Lui; Marcelino Dias, o dr. Micolino; Tâmara Lima, a dra. Tan Tan.
As paródias musicais são hilárias e as personalidades que eles criaram transbordam de humor. Cada um explora um detalhe. Há melancólicos, bobinhos, espertos, graciosos, abusados. Eu tenho os meus preferidos. É sempre um prazer assistir a algo com Arilson Lopes ou Fábio Caio, por exemplo. Eduardo Filho está bem como o mais bobo e o jeitinho e os cabelos da dra. Tan Tan me conquistam. Mas o espetáculo fica grande pelo conjunto de talentos. Um ou outro se destaca em algum momento, mas a proposta parece que é mesmo o investimento no trabalho coletivo para vencer os desafios de plantar humor na vida das pessoas.
A montagem é dividida em três partes: momento besteirológico (com as canções trabalhadas nos hospitais), Momento ‘bolsa Nova’, com músicas da bossa nova, e momento ‘no quintal de casa’, que remete ao cancioneiro popular.
Nas músicas criadas pelo grupo e outras de domínio público há muitas referências que os pequenos talvez não entendam, como alusões à Amy Winehouse, Michael Jackson, as popozudas, os sertanejos, à cultura que capitulou… E a musicista Rosemary Oliveira que tentar colocar um pouco de ordem à zona que se estabelece com tantas sonoridades.
O musical tocado e cantado ao vivo está alicerçado na simplicidade, numa ingenuidade que constrói semelhanças. Parece dizer que todos têm direito à felicidade, mas que isso é uma construção constante. Esses palhaços fazem a parte deles. E divulgam a ideia de “que é melhor ser alegre que ser triste”.
Faz falta um DVD, um CD com o repertório do espetáculo, que é bom. Já tem muita coisa gravada no mercado, mas com certeza os Palhaços em ConSerto tem um lugar certo no nosso tocador de música (Ai pode, tu podes, ele pode, CD, DVD).
ÚLTIMA SESSÃO DA TEMPORADA – Neste domingo, às 16h30, no Teatro Marco Camarotti, do Sesc de Santa Amaro, o grupo faz a última apresentação desta temporada. Posso garantir que eles têm a capacidade de fazer o dia de qualquer um mais feliz.