Desbunde, transgressão e poesia do Vivencial

Puro lixo, o espetáculo mais vibrante da cidade. foto: Ana Araújo

Puro lixo, o espetáculo mais vibrante da cidade. Foto: Ana Araújo

A trajetória do grupo de teatro Vivencial é um caleidoscópio de múltiplas vozes. É uma história contada por muitos. Nasceu mambembe, marginal, transgressor, político-anárquico, com marcas tropicalismo e sede de liberdade. Neste sábado (13/08) estreia Puro Lixo, o espetáculo mais vibrante da cidade, no Teatro Hermilo Borba Filho. A trupe começou como um trabalho da pastoral com a juventude, ligado à Arquidiocese de Olinda e Recife. Mas se superou e chega ao presente com aquela aura mítica dos times que desafiaram seu tempo.

Escrita por Luís Reis e dirigida por Antônio Cadengue, a peça celebra o Vivencial, que de 1974 a 1983 alimentou os anseios de soberania e emancipação. No seu quadro conviviam artistas marginalizados por suas opções sexuais, políticas, estéticas.  Em meio à precariedade, as vivecas erguiam coletivamente montagens  desbundantes para criticar as repressões política e sexual da época.

O tempo tratou de criar e alimentar os mitos. De Guilherme Coelho, menino prodígio que um dia quis ser abade à teatralização de vivências desses jovens. Transexuais, homossexuais, bissexuais, que sofriam de violência, vítimas de drogas, massificação e da ignorância. A proposta era tirar essas criaturas do lugar de invisibilidade, permitindo que eles assumissem o protagonismo de suas cenas, na vida e no palco.

“O grupo deixou de ser mambembeiro para se instalar numa casa de taipa de taipa que adquiriu em Salgadinho, numa área alagada e desvalorizada, por um preço insignificante de Cr$ 20 mil, em 1978. Ali, instalou sua oficina de trabalho e foi levantando as paredes da casinha, adaptando-a a um salão de funções teatrais. Os integrantes do conjunto passaram, Inclusive,a residir no local, temporariamente, até quando estivesse pronto seu trabalho”, escreveu o jornalista e crítico teatral Valdi Coutinho, para o Diario de Pernambuco, no artigo O Teatro Pernambucano à procura de caminhos alternativos em 1980.

Com elenco formado por Eduardo Filho, Gilson Paz, Marinho Falcão, Paulo Castelo Branco, Samuel Lira e Stella Maris Saldanha, o espetáculo encerra a trilogia Transgressão em 3 atos, iniciada em 2008. O projeto cultural, desenvolvido pelos jornalistas e professores Alexandre Figueirôa, Claudio Bezerra e Stella Maris (também produtora e atriz), debruçou-se sobre três importantes grupos pernambucanos que atuaram nos anos 1960, 1970 e início dos 1980: o Teatro Popular do Nordeste (TPN), o Teatro Hermilo Borba Filho (THBF) e, por fim, o Vivencial.

Renderam as montagens Os fuzis da Senhora Carrar, de Bertolt Brecht (2010), com direção de João Denys; Auto do salão do automóvel, de Osman Lins (2012), com direção de Kleber Lourenço.

Montagem faz 10 apresentações no Teatro Hermilo Borba Filho

Montagem faz 10 apresentações no Teatro Hermilo Borba Filho

Puro Lixo, o espetáculo mais vibrante da cidade estreia neste sábado e terá apresentações todos os sábados e domingos, às 18h, até o dia 4 de setembro, no Teatro Hermilo Borba Filho. E, no último final de semana, com sessões às 18h e 20h. Os ingressos custam R$ 10 (meia) e R$ 20 (inteira).

ator Gilson Paz distribui manifesto contra o racismo

Ator Gilson Paz distribui manifesto contra o racismo

“Esboçamos uma encenação em que relampejam, aqui e ali, pequenos flashes de cenas que, de alguma forma, trazem de volta figuras do Grupo de Teatro Vivencial. Por exemplo: em determinado momento, temos uma “estranha’ Marlene Dietrich, do filme Anjo azul, quase extraída dos Ensaios espontâneos, uma realização de Beto Diniz; em outro momento uma Janis Joplim drogada e bêbada, que vai deixando seringas pelo chão, fisgada do espetáculo Bonecas falando para o mundo, que vai à cena pelas mãos de Guilherme Coelho”, discorre Antonio Cadengue no progrma da peça.

“Também se pode presentificar, de maneira fantasmal, figuras arquetípicas como a do ator Petrônio de Sena, que disputava com a Marquesa (o ator Marcos Quenza) a primazia de apresentar o show de variedades Bonecas… ou Frangos falando para o mundo, assim como esparsas menções a Lara Paulina, Paulete Godard, Luciana Luciene e até mesmo Lee Marjories. Mas é Henrique Celibi que, por meio de Cinderela, a história que sua mãe não contou, da Trupe do Barulho, fornece-nos um diálogo transverso com sua inegável herança do Vivencial”, prossegue Cadengue.

O texto-roteiro de Luís Augusto Reis, foi escrito a partir do artigo de João Silvério Trevisan, Vivencial Diversiones apresenta: frangos falando para o mundo, publicado pelo jornal Lampião da Esquina, em novembro de 1979, quando o conjunto inaugurara espaço próprio nos limites entre Recife e Olinda, o Vivencial Diversiones.

Trevisan constata que a experiência mais fascinante de tomar a homossexualidade como alavanca para uma criação transgressora ocorreu no Vivencial.”Os personagens e situações evocados são narrados, comentados, representados, sobretudo tratados com jocosidade e, ao mesmo tempo, pertinência, no que concerne à sexualidade e à realidade brasileira”, explica Cadengue.

O cenário é um café-concerto. Com cores, as plumas e seus alegres travestis. Mas além da purpurina, Puro lixo também toca em questões urgentes. O ator Gilson Paz, por exemplo, protagoniza um manifesto contra o racismo dentro da peça. O espetáculo insere problemática como o preconceito contra homossexuais, contra a mulher e o abuso de poder.

Puro lixo segue os passos das montagens do Vivencial que utilizava de crônicas, reportagens, contos, textos escritos não especificamente para o palco como matéria-prima, para recriar livremente em cena. Na encenação, a “reportagem” de Trevisan é tomada como leitmotiv do espetáculo, posiciona Cadengue no programa do espetáculo. O tratamento cênico do texto vai dando voz não dramática aos personagens que, hoje, ganham o nome dos próprios atores que interpretam a peça.

Alegria e debohe são ingredientes da montagem. Foto: Ana Araújo

Serviço
Puro lixo, o espetáculo mais vibrante da cidade
Quando: De 13 de agosto a 4 de setembro, sempre aos sábados a partir às 18h
Onde: Teatro Hermilo Borba Filho
Quanto: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00
Indicação: Para maiores de 16 anos
Recursos de áudio-descrição: espetáculos encenados nos dias 20 e 21

Ficha Técnica
Elenco: Eduardo Filho, Gil Paz, Marinho Falcão, Paulo Castelo Branco, Samuel Lira, Stella Maris Saldanha
Texto: Luís Augusto Reis
Consultoria: João Silvério Trevisan
Encenação: Antonio Cadengue
Dramaturgismo e Assistência de Direção: Igor de Almeida Silva
Figurinos, Adereços e Maquiagem: Manuel Carlos de Araújo
Consultoria de Figurinos: Anibal Santiago
Cenografia: Otto Neuenschwander
Trilha Sonora Original e Gravação: Eli-Eri Moura
Música ao vivo (acordeão): Samuel Lira
Voz Off 1: Valdir Oliveira
Voz Off 2: Cássio Uchôa
Voz Off 3: José Mário Austregésilo
Técnico de som (gravação e edição): Francisco Rocha
Iluminação: Luciana Raposo (Coletivo Lugar Comum)
Coreografias, Direção de Movimentos e Preparação Corporal: Paulo Henrique Ferreira>
Preparação Vocal: Leila Freitas
Programação Visual: Claudio Lira
Fotos para o Programa: Yêda Bezerra de Mello
Fotos para Registro e Divulgação: Ana Araújo
Filmagem e Fotografias (Registro): Antônio Rodrigo Moreira
Cenotécnica: Israel Marinho e Ernandes Ferreira
Confecção dos Figurinos: Helena Beltrão
Confecção de Adereços: Jerônimo Barbosa, Charly Jadson e Tarcísio Andrade
Operação de Som: Igor de Almeida Silva
Operação de Luz: Luciana Raposo e Sueides Leal
Contrarregra e Camareira: Madelaine Eltz
Maquinaria: Gaguinho
Audiodescrição: COM Acessibilidade Comunicacional
Roteiro: Liliana Tavares e Túlio Rodrigues
Narração: Liliana Tavares
Consultoria: Roberto Cabral
Técnico dos aparelhos de AD: Eduardo Eugênio
Assistência de Produção Executiva: Antonio Cadengue, Manuel Carlos de Araújo
Produção Executiva: Clara Angélica e Jô Conceição
Produção: Stella Maris Saldanha

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