Artistas discordam sobre uso de teatro pela polícia

Teatro Santa Isabel. Foto: Marcelo Lyra

Teatro de Santa Isabel. Foto: Marcelo Lyra

Quando a atriz e produtora Paula de Renor soltou um post no Facebook com a marcação de mais de 60 pessoas, pensei: Aí vem bomba. Virou o principal assunto do pessoal de teatro e das pessoas ligadas à cultura de Pernambuco nesta terça-feira. O Teatro de Santa Isabel foi cedido, na semana passada, para a festa dos 199 anos da Polícia Civil de Pernambuco. A reação da classe artística foi imediata e inundou de críticas as redes sociais quanto à postura da Prefeitura do Recife, em especial da Secretaria de Cultura do Recife e da titular da pasta, Leda Alves.

No decreto municipal de maio de 2006 está registrado que o palco do Teatro de Santa Isabel é exclusivamente dedicado a atividades de caráter cultural, “especialmente nas linguagens artísticas da música, do teatro, da dança e da ópera”.

Não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que o governo do estado ou a prefeitura do Recife, desta ou de gestões anteriores, utilizam (ou cedem) o teatro-monumento para ações que não pertencem ao campo artístico stricto sensu. A casa de espetáculos já abrigou ritual de nomeação de guardas municipais do efetivo que atua no trânsito do Recife, em 2012; Programa de Aceleração de Estudos de Pernambuco – Travessia e aniversário de empresa jornalística, entre outros eventos.

A cerimônia comemorativa da Polícia Civil contou com apresentação da Banda Sinfônica do Recife. E é neste ponto que a Secretaria de Cultura arma sua defesa. Em nota à imprensa explicou que a festividade “não desrespeitou o decreto, uma vez que a solenidade foi marcada pela apresentação da Banda Sinfônica do Recife. Sempre que houver uma apresentação artística é uma norma de ocupação de pauta no teatro”.

Entrega das medalhas pelo governador. foto: Foto: Roberto Pereira/ SEI

Entrega das medalhas pelo governador. Foto: Foto: Roberto Pereira/ SEI

O governador Paulo Câmara destacou no seu discurso “a integração entre as diferentes instituições que atuam no combate à violência”. Isso foi publicado na página da Secretaria da Casa Civil Pernambuco do dia 29 de abril. O evento ocorreu na quinta-feira (28/04), no Teatro de Santa Isabel, às 17h.

O gestor – que não é visto prestigiando as produções teatrais pernambucanas – comandou a entrega das Medalhas de Honra ao Mérito Policial – classe Ouro a pernambucanos que sua administração destaca na promoção da segurança pública. O estado condecorou 200 personalidades: figuras da sociedade civil, oficiais civis, militares bombeiros e polícia cientifica, entre eles o deputado federal que votou a favor do impedimento da presidenta Dilma Rousseff, Francisco Tadeu Barbosa de Alencar.

Reprodução do Facebook

Reprodução do Facebook

“Quinta (28/04) passada tomei um susto ao ver tanto policial civil na porta do teatro [de Santa Isabel]. Achei que alguma confusão estava se armando por ali. Fiquei sabendo, então, que era a comemoração do Aniversário da Polícia Civil com celebração dentro do teatro”
                  Paula de Renor – atriz e produtora cultural

O decreto que regulamento a ocupação do Santa Isabel tem como critérios (1) a excelência da qualidade artística da programação cultural a ser apresentada; e (2) a comprovação da trajetória dos eventos mencionados e/ou da equipe de criação do espetáculo, já testada e devidamente comprovada com base em filmes, crítica em jornais ou revistas, fotografias, CD’s DVD’s, etc.

Paula de Renor questionou em sua conta pessoal no Facebook.

“O Santa Isabel é o único que está funcionando AINDA bem: teatros do Parque e Barreto Júnior fechados, Apolo e Hermilo se ultimando, sem ar, sem equipamentos. Agora estão voltando as carteiradas que conhecemos muito bem, e a Secretaria de Cultura sob pressão, se obriga a ceder o nosso teatro monumento para eventos não culturais, desrespeitando o Decreto nº 21.924 de 2006, que trata exatamente da utilização do teatro, permitindo exclusivamente sua ocupação para eventos culturais?!

Desde quando niver da Polícia Civil é cultura? Só porque uma banda musical tocou no meio da cerimônia?! Se pautas estão sobrando, cedam para ocupação de espetáculos (não falta quem queira!)”.

Banda Sinfônica. Foto: Andrea Rego Barros

Banda Sinfônica. Foto: Andrea Rego Barros

DECRETO Nº 21.924 DE 10 DE MAIO DE 2006
EMENTA: Regulamenta a ocupação da pauta do Teatro Santa Isabel.
O PREFEITO DO RECIFE, no uso de suas atribuições constantes no Art. 54, IV, da Lei Orgânica do Recife,
CONSIDERANDO a necessidade de definir regras para ocupação da pauta do Teatro Santa Isabel;
CONSIDERANDO a importância do estabelecimento de critérios para a definição da programação do referido Teatro;
DECRETA:
Art. 1º A Pauta do palco do Teatro Santa Isabel deverá ser ocupada exclusivamente por atividades de caráter cultural, especialmente nas linguagens artísticas da música, do teatro, da dança e da ópera.
Art. 2º Além do observado no artigo anterior, deverão ser considerados os seguintes critérios:
I – Excelência da qualidade artística da programação cultural a ser apresentada;
II – Comprovação da trajetória dos eventos mencionados e/ou da equipe de criação do espetáculo no Art. 1º, já testada e devidamente comprovada com base em filmes, crítica em jornais ou revistas, fotografias, CD´S, DVD´s, etc;

teatro-santa-isabel foto Marcelo lyra

Foto: Marcelo Lyra

Repercussão

“Vergonha”, “absurdo”, “vamos compartilhar” foram as frases mais publicadas nas redes sociais. O sentimento de indignação vem na esteira de uma política cultural débil, que não prioriza a cultura como aposta na economia. Mas, ao mesmo tempo, esses gestores estaduais e municipais utilizam da imagem de um estado e de uma cidade de efervescência cultural para projetar suas gestões, mesmo não incentivando devidamente essas “minas de ouro”. É uma contradição.

“Falta respeito aos que fazem cultura. Ouvi uma vez do prefeito que iria trabalhar para os artistas daqui não precisarem ir embora da cidade… Estamos neste lugar e trabalhando aqui há anos e vamos continuar realizando, mesmo que ele ao invés de criar política pública, tire de nós o pouco que ainda temos!!!”
Mônica Lira Coreógrafa e bailarina, fundadora e diretora do Grupo Experimental, que integrou o Conselho de Cultura da Prefeitura da Cidade do Recife (2001-2003), e mais recentemente, ocupou o cargo de gerente de dança da Fundação de Cultura Cidade do Recife.

“Quando Diego Rocha, Presidente da Fundação de Cultura Cidade do Recife, diz que “Cultura não é prioridade”, nós vamos para onde depois disso?”
Maria Paula Costa Rêgo Coreógrafa e bailarina, fundadora e diretora do Grupo Grial de Dança.

“Quando pedimos autorização à Prefeitura para fazer rodas de leitura voluntárias do meu livro Bichos Vermelhos, na Praça de Casa Forte, para uma escola pública estadual, só liberaram o asfalto. Fizemos na grama por teimosia. Já imaginou as crianças sentadas na pedra quente? Isso porque os livros foram doados, viu? É assim que tratam bens imateriais e patrimônios materiais”.
Lina Rosa Vieira Publicitária, diretora de criação da Aliança Comunicação e Cultura, escritora e idealizadora e diretora do Sesi Bonecos do Mundo.

“Isso é uma completa falta de respeito, de compromisso, de consideração com a população, com a comunidade. Infelizmente o poder público deveria se envergonhar cada vez que temos que passar por situações como essa. Infelizmente a classe artística, de pesquisa sofre com esse descaso”.
Fernando Tranquilino Professor

“É assustador como os politiqueiros desse feudo chamado Recife andam tratando os artistas e os equipamentos de cultura. Uma vergonha. Lamentável!!! Bora gritar!!!”
Waldomiro Ribeiro Produtor e diretor de teatro do Grupo Longânime, Ator e Professor de Música

“Absurdo! Tratam os espaços públicos como se fossem suas casas (da mãe Joana!) É preciso que tomemos uma atitude!”
Ana Elizabeth Japiá Mota Dramaturga, professora e diretora teatral

“É realmente um absurdo. Abram o teatro para à infância e juventude!”
Benedito Jose Pereira Ator e diretor de teatro, Tv, cinema e publicidade

“Temos que saber quais os meios pra entrar com uma denúncia formal contra a Prefeitura e a Secretaria de Cultura. Eles não podem agir nessa cara de pau e ficar por isso. Leda Alves, minha filha? Que porra é essa?”
Iara Campos Atriz e bailarina

“O Teatro de Santa Isabel é “para as linguagens artísticas da música, do teatro, da dança e da ópera”. Exigimos isso!”
Leidson Ferraz Jornalista, pesquisador, ator, diretor e professor

“Fazem o que querem como quem sabe que nada vai acontecer com eles. Se “nossos políticos” “cuidam” do bem público, quem cuida dos nossos políticos?”
Luiz Felipe Botelho Dramaturgo, Diretor de teatro e cinema, professor

“É uma vergonha a maneira como a cultura está sendo tratada em nosso Estado. A degradação total dos aparelhos públicos e a redução de incentivos é uma afronta a todos os artistas e produtores. Pernambuco tem se tornado uma verdadeira ditadura, com sua política cultural aos cacos e um Governo, nos parecendo, cada vez mais preocupado em restringir o direito de acesso à arte, artifício este de uso frequente em outros governos ditatoriais como maneira de subjugar uma população.”
Fabio Pascoal Diretor e produtor teatral.

“Creio que a falta de uma classe organizada em prol do Teatro e da cultura vai de encontro às propostas dos governantes que quase sempre são depreciativas ao teatro e à cultura… E ir de encontro aos governantes ninguém quer, nem sindicatos, nem produtoras, nem grupos… pois todos mamam nas tetas, seja leite tipo A ou leite azedo. Todos mamam!
Ninguém quer se indispor com os senhores gestores e perder uma pauta livre (leite azedo) ou um cargo comissionado (leite tipo A)… Melhor deixar pra lá e ir levando…
Os que falam são rotulados como loucos, faladores, polemizadores…
Tem um mói de gente que meteu a boca no trombone outrora é hoje, anos depois, viraram gestores de diversos escalões e vivem caladinhos… O que era errado antes consertou-se e tá tudo bem? É isso? Claro que não. Resumindo: não vejo previsão de uma classe unida e organizada. Cada um só defende o seu! E é o que inclusive vou fazer agora: O Mascate, A Pé Rapada e Os Forasteiros estreia nesta sexta no Espaço Cênicas e fica em temporada todas sextas e sábados sempre às 20h”
Diogenes D.Lima Ator e produtor teatral

“Engraçado que esta mesma polícia tem um Teatro só deles que não abrem pra ninguém, o Teatro do Derby. Boraaaa cair na real, políticos, vão ver as leis e ponham em prática. … Até porque outubro está chegando…”
Sharlene Esse Atriz, participou do Grupo Vivencial

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2 pensou em “Artistas discordam sobre uso de teatro pela polícia

  1. Luiz Felipe Botelho

    Lamento muito que isso tenha acontecido assim, especialmente neste momento político, onde tudo o que se diz pode ser distorcido com muita facilidade. O fato é que a reação dos artistas talvez não fique clara para a maioria das pessoas que não são da nossa área e não sabem das dificuldades que estamos enfrentando. A um olhar desavisado pode parecer que é uma implicância com a Polícia Civil e a questão não passa por aí. O problema não é de quem pede pautas para o Santa Isabel, mas o modo como essas pautas são concedidas para uns e negadas para outros, sobretudo se estes outros são justamente os integrantes de uma classe teatral, numa cidade onde os demais teatros públicos estão fechados ou sucateados.
    Acho que essa situação demonstra mais uma vez que todos estamos precisando reaprender a dialogar (que entendo como buscar expressar o que se sente e buscar receber/compreender o que o outro expressa numa mesma experiência de interação). Bom que vocês, Ivana e Pollyana, estejam abrindo espaço para viabilizar esse exercício precioso e poderoso. Por enquanto, por força do hábito de tantos anos (estimulado também pela mídia), as falas (e ações) de defesa e ataque ainda continuam ganhando o jogo em toda parte. E esse tipo de abordagem defensiva/agressiva só faz as coisas permanecerem como sempre foram.

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  2. PAULA DE RENOR

    Será que ninguém da Prefeitura sabe interpretar uma lei ou interpretam dentro de suas conveniências?! Não é interpretação da Secretária Lêda Alves, tenho certeza! Ela foi diretora do Teatro e só cederia pautas para esses eventos sob pressão. Claro! Prefeito, Governador, querem lá saber se pode ou não? Nem seus subalternos! A lei é clara! Por que então negaram até o ano passado? Qualquer solenidade que tenha uma apresentação cultural, não caracteriza a permissão de uso! Qualquer leigo entende isso! Próxima assembleia de teatro, para apoio ao governo Dilma, será no teatro Santa Isabel, pessoal! Mas cada um leva um poema para ler , assim conseguiremos a pauta sem problemas!!

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