No último mês de fevereiro, escrevi uma matéria sobre o projeto Aprendiz Em Cena, promovido pelo Centro Apolo-Hermilo. É um projeto bastante importante, de experimentação e fomento às artes cênicas, que já teve vários formatos. Ano passado, a ideia foi que um diretor estreante pudesse formar um elenco e, sob a coordenação e orientação artística/pedagógica de Vavá Schön-Paulino (que dirige o Centro), montar o texto Terra queimada, o mais premiado do dramaturgo pernambucano Aristóteles Soares (1910-1989). Era condizente, aliás, com outro projeto da Prefeitura do Recife, o relançamento da obra de Aristóteles, que aconteceu durante o Festival Recife do Teatro Nacional de 2010.
Em fevereiro, a matéria era sobre o ensaio aberto da montagem – que tinha previsão de estrear, na realidade, no Janeiro de Grandes Espetáculos, o que não aconteceu. Depois do ensaio, o que foi anunciado é que o espetáculo iria cumprir temporada em abril no Teatro Hermilo Borba Filho, mas isso também nunca saiu do campo das promessas.
Além do diretor Ivan Ferreira, que trabalha com teatro desde 2005 e mantém um espaço chamado Engenho de criação, o processo envolvia, como atores, Aryella Lira, Daniel Barros, Dulce Pacheco, Durval Cristóvão, Rodrigo Félix e Marinho Falcão. A direção, criação e execução musical eram de Diogo Lopes.
Diante da inexistência de uma temporada, do retorno de um projeto supostamente (será que ainda?) tão importante para a cidade, mandamos uma entrevista para os atores de Terra queimada, que foi respondida por Daniel Barros e Dulce Pacheco.
ENTREVISTA // Daniel Barros e Dulce Pacheco
Como foi o processo de montagem? Pessoalmente, houve crescimento? Foi o que vocês esperavam nesse sentido?
A melhor coisa desse projeto foi poder encontrar novas pessoas. Ivan, Ary, Dulce, Durval, Rodrigo, Marinho e Diogo foram como um copo de água gelada no meio do deserto. Especialmente Ivan que, com muita gentileza e amor incondicional pelo teatro, teve a capacidade de semear coisas boas no meio desse caos todo, que foi a produção do Aprendiz. Passamos muitos meses mergulhados no universo de Terra queimada, estudando e descobrindo a nossa forma, juntos, de fazer teatro. Isso foi mais importante dentro do processo: a possibilidade do encontro, a possibilidade das ampliações de consciência propostas por Ivan. Saímos muito modificados e, consequentemente, machucados disso tudo. Esperávamos cuidado e respeito do Centro Apolo-Hermilo. Foi como um filho abortado. Quase um estupro pro artista. Mas pelo menos uma coisa boa aconteceu: crescemos muito e ainda hoje estamos juntos e vivendo essa nossa experiência de se encontrar, independente do Centro.
Qual foi a participação de Vavá Schön-Paulino?
Vavá é o coordenador do centro Apolo/Hermilo. O primeiro dia de reunião do elenco foi com ele, todas as informações do projeto inteiro foram dadas por ele; quanto e quando iríamos receber, quanto tempo de ensaio, espaço cedido pra ensaio, data de estreia, data de temporada. Tudo foi dito no primeiro dia. E também ele seria o orientador pedagógico do Aprendiz. Nada do que foi dito aconteceu. Vava só viu um ensaio nosso, não encontrava Ivan pra falar da parte artística do projeto, não atendia os telefonemas ou respondia e-mails. Nem os cachês foram pagos, nem estreamos no Janeiro de Grandes espetáculos e só fomos informados disso que a programação do festival saiu no Facebook. Não houve uma preocupação em avisar por telefone ou e-mail. A grande participação de Vavá nisso tudo foi na falta de informação, que era grande e total. Não sabíamos de mais nada quanto à produção do projeto, quando iríamos receber ou quando iríamos estrear. Nada!! E não adiantava procurar. Orientador? Produção? Com a gente nunca existiu. Ele tinha uma assistente – Daniela Mastroianni – que teoricamente era pra facilitar a ponte entre Vavá e o grupo, mas que, na prática, sumiu tanto quanto ele. O que mais revolta é a falta de consideração com o profissional da arte. No Recife, nós lutamos tanto pra sairmos do patamar de “amadores” (no sentido não profissional), mas não somos tratados como profissionais. Nem um pouco. Nem por um Centro que deveria cuidar melhor dos profissionais que ali estão.
Porque o projeto nunca foi encenado?
Depois da frustração de não estrearmos no Janeiro de Grandes Espetáculos, procuramos o coordenador para uma reunião. Pressionamos e conseguimos uma data uma semana antes do carnaval para fazer um ensaio aberto, pois foi muito tempo de trabalho, muita dedicação, muito dinheiro gasto por todos pra estarmos ensaiando o projeto Aprendiz Em Cena. Não era um projeto nosso, era um projeto do Centro Apolo-Hermilo. Enfim, no meio disso, vai batendo uma indignação, pois foi muita falta de respeito. Dia 10 de fevereiro foi realizado o ensaio aberto, sem figurino, sem cenário…mas com muita vontade de mostrar para as pessoas nosso processo, mostrar o resultado de nossos quatro meses de trabalhos intensos. Foi engraçado que, ao final da apresentação, com casa cheia, o orientador enfim apareceu, com toda pompa de orientador, batendo no peito e falando: “nós criamos!”. Nós onde? Que a pessoa nunca viu nada, nunca orientou? É o efeito plateia. E então depois do ensaio aberto teríamos uma temporada marcada para os finais de semanas de abril. Vejam bem, isso foi dito ao final do ensaio para as pessoas que presenciaram nosso ensaio aberto e combinado com todo elenco. Nos programamos para essa temporada. Mesmo sem receber um centavo fizemos o ensaio aberto. E logo depois retomamos os ensaios para a temporada em abril. Como Recife é uma cidade muito pequena, todo mundo sabe e se conhece, ficamos sabendo que já teria outro grupo no mês de abril ocupando o mesmo horário que foi prometido à temporada de Terra queimada. Esperamos uma informação e nada aconteceu. Nada foi dito e passou o mês e a gente nunca soube de nada. Então resolvemos parar o projeto, até hoje, dia 9 de agosto de 2012 (dia em que a entrevista foi concedida, por e-mail). É importante ressaltar que o grupo tentava incessantemente entrar em contato com o “coordenador” e ele nunca atendia os celulares. Parecia que tudo estava jogado, não só o nosso grupo com o projeto do Centro, mas vários outros que, em conversas informais, nos informavam que estavam na mesma situação.
Vocês receberam pagamento? E cenário, figurino, foram pagos?
Depois de muito esquecimento, perguntas sem respostas, falta total de respeito aos artistas envolvidos estamos no processo de recebimento do cachê, mas somente os cachês do elenco e do diretor. O projeto, isso dito pelo coordenador, é de 20 mil. E juntando os cachês do elenco e do diretor só chega a 13 mil. Para onde vão os outros 7mil? Não sabemos. E iremos receber sem nunca fazer uma temporada. É dinheiro público. Esse dinheiro, talvez, nunca volte para o povo. Pois quase um ano depois ainda não sabemos se iremos fazer uma temporada.
Qual o sentimento que fica?
Frustração, todo mundo muito frustrado, decepção. Decepção com relação aos tipos de profissionais que estão no poder. Que tomam conta da verba pública e do espaço público como quem toma conta de uma coisa qualquer, sem importância.
O grupo não pensa em apresentar o projeto por iniciativa própria?
Sim, mas temos o entrave de ser um projeto que leva o nome do Aprendiz em cena. Não é nosso, teoricamente, ainda tem o vínculo com o Centro. E ficamos desestimulados.
Procuramos uma resposta da Prefeitura do Recife e publicamos na íntegra a nota que recebemos:
“A Secretaria de Cultura do Recife e o Centro Apolo-Hermilo estão empenhados em solucionar pendências do projeto Aprendiz Encena. A equipe da Secult entrou em contato com o responsável pelo grupo selecionado para a retomada do projeto e para efetuar o pagamento do valor previsto para o desenvolvimento das atividades. Atenta a importância do processo de formação, característica do projeto, a Secult convidará um coordenador artístico-pedagógico para dar continuidade a criação da montagem”.
Ah, também recebemos outro e-mail da assessoria da Prefeitura do Recife. E, qual a surpresa, convocando para uma “ouvidoria”. Qualquer semelhança não é mera coincidência, caro leitor. Segue, então, a convocatória:
“A Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Cultura, convida a classe artística e Entidades Representativas do Teatro e da Dança, para a Ouvidoria que irá proceder no dia15 de agosto próximo, às 18:30h, na Sala Beto Diniz do Teatro Hermilo BorbaFilho, na Rua Martin Luther King s/n, Bairro do Recife, onde irá ouvir os anseios e necessidades acerca do Centro de Formação e Pesquisa das Artes Cênicas Apolo-Hermilo e, na oportunidade, apresentar as ações e providências já realizadas.
Atenciosamente,
Secretaria de Cultura do Recife”
Espero que essa situação se resolva logo, tanto esforço e dedicação não podem morrer na praia. Por mais que o “processo” seja importante, ele existe por causa de um produto final, que tem que ser apresentado. Parabéns aos atores e ao diretor por não desistirem.
É realmente lamentável. Já não temos espaços para o exercício e a investigação da arte teatral na cidade… E quando tal atitude vem de um centro que se diz “de formação”? É aí que bate uma sensação de abandono. Desesperança, esta é a palavra.