Por Daniele Avila Small – Revista Questão de Crítica
(www.questaodecritica.com.br)
No dia 3 de agosto, no Centro Cultural São Paulo, aconteceu o primeiro encontro de intercâmbio entre companhias da IX Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo. A conversa foi breve, tendo em vista o potencial de assuntos e curiosidades, bem como o número de participantes. Como o encontro aconteceu bem no começo da Mostra, apenas um ou outro grupo tinha apresentado seu trabalho. Assim, a tônica da conversa foi mais a de apresentação e apontamento de questões da formação de cada grupo do que a de uma troca artística sobre questões estéticas ou de pensamento sobre teatro. Participaram os integrantes dos seguintes grupos: Cia Experimentus Teatrais, de Itajaí, SC; GRRR (Grupo Risos, Raiva e Resistência) da França e da Argentina; Contralviento Teatro, do Equador; e Redimunho, da cidade de São Paulo.
Uma das questões que logo se fez presente – e que me chamou a atenção porque tem me interessado particularmente – é o que constitui um grupo na prática. Foi o comentário de Susana Lastreto, do grupo GRRR, que suscitou a questão: ela disse (não me lembro das palavras exatas) que o GRRR é um grupo mas também não é, pela natureza informal da sua constituição. Então me vem à mente que esta na verdade deve ser a condição da grande maioria dos grupos de teatro que não têm uma subvenção do estado ou patrocínio constante. Cada grupo tem a sua dinâmica de constituição, sua política interna e seu entendimento específico do que é ser um grupo. Aquela ideia de um único diretor com um grupo fixo e imutável de atores já me parece um pouco distante, quase velha – não apenas economicamente inviável, mas engessada do ponto de vista das possibilidades de trânsito entre competências técnicas.
No Rio de Janeiro, por exemplo, em que – fora raríssimas exceções – os agrupamentos só conseguem patrocínio para montagens de novos espetáculos e, mais recentemente e em muito menor medida, para uma breve circulação, a continuidade do trabalho é pautada por estas ocasiões em que é preciso muito jogo de cintura para conciliar agendas. Nos intervalos entre espetáculos patrocinados, a continuidade fica dissolvida, atravessada pelas demandas financeiras e por trabalhos pontuais em outros contextos. Nas outras capitais do Brasil, a situação não é diferente. É muito comum que o sustento dos integrantes venha de outras fontes que não o grupo. Com isso, quero dizer que não existe de fato um jeito certo de ser grupo, que ser grupo é justamente essa tentativa, sempre meio ameaçada, de costurar uma continuidade na marra, com seus buracos, perdas e desvios.
A definição de Patrício Vallejos, do Contalviento Teatro, ofereceu uma imagem que me parece bastante precisa: a ameba. Um grupo é uma ameba na medida em que tem um núcleo muito forte e uma forma maleável. A ameba, uma forma de vida pré-histórica, é capaz de se desenvolver em ambientes diversos. Ela se alimenta por um processo de fagocitose – uma imagem coerente com a nossa maneira de se apropriar de materiais para a criação e com a forma como um grupo às vezes “captura” um colaborador. Numa breve pesquisa no Google, descubro que a ameba tem um recurso muito parecido com o nosso: em ambientes inóspitos, ela se transforma num cisto e assim sobrevive até poder ser ameba novamente.
Outra associação possível seria com a condição do caracol, que carrega a casa nas costas, como os artistas que não conseguem ter sede própria – outro assunto levantado no debate e que, como apontado por Marcelo Bones, curador da Mostra, é um problema em evidência – ou que estão sempre migrando ou tentando migrar, para apresentar seus trabalhos pelo mundo (um desejo quase unânime).
A condição de estrangeiro e migrante também foi levantada e comentada. E pode ser pensada não apenas no seu sentido literal. A identidade, tema em questão na Mostra e que foi amplamente discutido no debate que se seguiu ao encontro, com ainda outros integrantes de outros grupos, foi colocada como uma identidade tensa: uma tensão a ser habitada.
* Esse texto faz parte da ação do DocumentaCena – Plataforma de Crítica formada por Daniele Avila Small (Questão de Crítica – Revista Eletrônica de Críticas e Estudos Teatrais), Ivana Moura (Satisfeita, Yolanda?), Luciana Eastwood Romagnolli (Horizonte da Cena), Maria Eugênia de Menezes (Teatrojornal – Leituras de Cena), Pollyanna Diniz (Satisfeita, Yolanda?), Soaraya Belusi (Horizonte da Cena) e Valmir Santos (Teatrojornal – Leituras de Cena), que acompanha a IX Mostra Latino-americana de Teatro de Grupo