Quem nunca pensou em “parar” o tempo e refazer o destino? Na montagem A dona da história, o dramaturgo João Falcão manipula as grandezas de espaço e tempo com deslocamentos, superposições, subversões, expandindo e comprimindo acontecimentos e, com isso, criando outras perspectivas ficcionais. Sabemos que o físico Albert Einstein martelou a ideia de que o tempo é uma ilusão. Ver essa noção ser articulada no palco se transforma numa viagem divertida e emocionante.
Embarquemos nessa ficção cênica deliciosa, em cartaz no Teatro Apolo, com direção de Duda Maia e elenco formado por Lívia Falcão e Olga Ferrário, mãe e filha, numa cumplicidade absoluta.
A dona da história provoca o rompimento dos limites de tempo e espaço. Nessa fantasia, a protagonista tem seus campo de poder expandidos. Como se fosse possível refazer a vida, corrigir erros, apagar as opções equivocadas.
A partir de uma narrativa bem elaborada, repleta de labirintos verbais e totalmente fascinante, o público é conduzido a conhecer as possíveis escolhas da mãe de Claudinho Luís, Luís Claudinho, Claudinha Luísa e Luisinha Cláudia, casada com Luís Cláudio.
O palco está nu. E isso me parece uma decisão da diretora de traçar paralelos com o mundo do teatro. Isso evidencia também as apostas da encenação: a potência do texto e a interpretação das atrizes.
Como em outras peças de João Falcão, A dona da história está povoada por frases de efeito e conteúdos emocionais facilmente reconhecíveis pela plateia.
Lívia Falcão e Olga Ferrário interpretam a mesma figura, em tempos distintos. Aos 50 e aos 20, respectivamente. A peça abre no momento em que essas criaturas vão tomar decisões importantes, mas aparentemente banais, que podem modificar o futuro ou o passado, numa engenharia de fôlego criativo. As duas são colocadas no presente ou em suspensão.
A Mais Nova se prepara para para ir a um baile, onde será pedida em casamento pelo homem da sua vida. A Mais Velha, “por coincidência”, casada com o homem de sua vida, se encaminha para outro desfecho. Com passado e futuro lado a lado, elas podem testar alguns detalhes cruciais da existência. Como uma vidraça quebrada com um pedaço de pau, que desencadeia uma mudança de itinerário.
“Um dia eu tinha 20 anos e tudo que eu queria era viver uma história. Eu queria, um dia, ter uma história para contar”. Mas não é uma história qualquer, mas de amor, com muito romance e cenas dignas do cinema dos galãs de Hollywood.
Nessa existência simultânea, as atrizes brincam, às vezes levitam (em sentido figurado) com o jogo de elementos caricatos, repetições, surpresas e reviravoltas. Com um gestual simples, elas aceleram ou deixa a vida no ar. Para trabalhar essa instância espaço-temporal, elas andam, correm, deitam e rolam conduzidas pela iluminação de Luciana Raposo.
A diretora imprime uma leveza ao espetáculo e tira partido do timing cômico de Lívia e seu domínio cênico. Olga Ferrário está muito bem na montagem, cresceu como atriz desde o último trabalho. Está bela e delicada no papel.
A dona da história é um espetáculo para alegrar o coração. Pelo tributo ao teatro, por carregar no melodrama doses de ironia contemporânea contra as mazelas do tempo, quer dizer, do mundo, pelo texto inteligente que parece um labirinto com suas idas e vindas e repetições. Pela atuação segura das duas atrizes. Pela poética do espetáculo assinado por Duda Maia. É uma encenação despojada e que encontra um caminho bem diferente da montagem com Marieta Severo e Andrea Beltrão, a primeira que o texto recebeu ainda no século 20.
Serviço:
A Dona da História
Onde: Teatro Apolo
Quando: Até 30 de março, de quinta a domingo, às 20h
Ingressos: quintas – R$ 8 (preço promocional para todo o público); sexta a domingo – R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)