“Teatro significa um tempo de vida em comum que atores e espectadores passam juntos no ar que respiram juntos daquele espaço em que a peça teatral e os espectadores se encontram frente a frente”. Essa definição de Hans-Thies Lehmann no prólogo do seu necessário Teatro pós-dramático ficou martelando depois da sessão de Aquilo que meu olhar guardou para você, no festival Trema, ontem à noite. Tempo de vida em comum. Vida que se entrelaça. Vida que pode ser real ou ficção, mas que é verdade, como diz o ator-personagem Pedro Vilela. Vida que emerge não só do palco, mas da plateia.
Geralmente digo isso quando escrevo sobre o Magiluth: como é bom vê-los em cena. Porque eles fazem por completo. São inteiros, se jogam sem rede de proteção. São fieis ao que defendem, não abrem concessões. E assumem as consequências disso.
Nessa montagem, que surgiu a partir de uma troca de fotografias com o grupo Teatro do Concreto, de Brasília, o ponto de partida até poderia ser a memória do lugares pelos quais eles passaram; seja a boate Metrópole ou a Estação Central do metrô do Recife. Essas referências estão lá. Mas são meros detalhes para uma colcha de retalhos; várias cenas curtas que vão compondo um dramaturgia fragmentada, não-linear, que se apoia no episódico e na ação daquele momento.
Pode ser um encontro, um desencontro, as partidas, o afeto imediato, a perda, a ilusão de completude, a memória da infância, a música que me traz tanta coisa à mente. Não é novela. Não precisa ter início-meio-fim.
No jogo teatral que se instala no palco e na plateia há cumplicidade. Tudo ali pode ser teatro (ou não, esse é o jogo) – mas é como se ainda houvesse, por parte do público, uma necessária busca pela ficção, por um história a ser contada. E aí nem sempre esses nós se amarram em Aquilo que meu olhar guardou para você. Talvez não fosse necessária a obrigatoriedade de usar o nome dos atores em cena. Pra quê eu preciso saber que aquele personagem é Giordano, Pedro, Erivaldo? Sim, em determinados momentos, quando o jogo se coloca mais declaradamente e eles até trocam de lugar, sim. Mas logo no começo da montagem, já que não é pra ter personagem tradicional, também não preciso de um nome. Seja um nome ficcional ou real.
Também não é sempre que as cenas conseguem convencer. Que o público consegue esquecer do jogo e, numa linha muito tênue, se entregar. Senti isso ontem no abraço entre Pedro Vilela e Giordano Castro; e, mais uma vez, na briga fake no meio do espetáculo. É como se descolasse da dramaturgia. E nesse espetáculo especificamente (senti isso bem menos no mais recente, Viúva, porém honesta, por exemplo) o elenco está em níveis diferentes. Pedro Wagner e Giordano Castro dão um salto na montagem quando estão em primeiro plano. Há ainda no elenco Pedro Vilela, Lucas Torres e Erivaldo Oliveira. A direção é de Luiz Fernando Marques, do grupo XIX.
Talvez o maior mérito da montagem é o que ela consegue fazer com o público. As surpresas que pode causar. A ida ao palco nos faz ver as coisas sob outro ângulo – mesmo que talvez isso pudesse ser melhor resolvido. (É preciso ser convidado a ir ao palco? Ou já estou no palco? Tenho que me predispor a levantar e a aceitar um convite? Ou poderia já estar lá de qualquer maneira? Não tenho nenhuma certeza sobre isso!). Mas ouvir a música predileta, ler uma carta endereçada a alguém da plateia, ter a oportunidade de estar no meio da dramaturgia – tudo isso encanta muito. E ver todo aquele público no Teatro Apolo numa terça-feira para um festival de teatro de grupo é muito, muito bom.
Notes – Já vi Aquilo que meu olhar guardou pra você três vezes. No Hermilo Borba Filho, no Joaquim Cardozo e agora no Apolo. O melhor lugar é definitivamente o Hermilo. O público ganha muito com a proximidade maior com o espetáculo. Ontem a iluminação – que é linda; não funcionou como geralmente funciona. Talvez por problemas técnicos e do teatro mesmo.
Ficha técnica – Aquilo que meu olhar guardou para você
Direção: Grupo Magiluth e Luiz Fernando Marques
Dramaturgia: Giordano Castro
Atuação: Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Pedro Wagner e Pedro Vilela
Direção de arte: Guilherme Luigi e Thaysa Zooby
Iluminação: Pedro Vilela
Sonoplastia: Grupo Magiluth e Luiz Fernando Marques
Serviço:
Aquilo que meu olhar guardou para você
Trema! Festival de Teatro de Grupo do Recife
Quando: quinta-feira (11), às 21h
Onde: Teatro Apolo (Rua do Apolo, 121, Bairro do Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)