A peça Matador fez estreia nacional no Recife, no Teatro Marco Camarotti, no último fim de semana. No palco transformado em arena, um homem – um toureiro aparentemente cheio de si, e um touro cheio de sonhos. Eles duelam. Os conflitos são traduzidos em movimentos e em diálogos fortes, mas também repletos de sutilezas. Gustavo Falcão interpreta o touro miúra Florentino, de 490 quilos. Daniel Dias da Silva o toureiro El Niño, que se acredita um grande profissional da tauromaquia (arte das touradas).
O texto, (Mirando al tendido, no original ), do dramaturgo venezuelano Rodolfo Santana é inteligente, com doses generosas de humor e muitos questionamentos entre os universos de touros e homens, que podem ser transpostos para conflitos cotidianos de qualquer relação. As diferenças artificiais criadas entre patrão e empregado, chefe e subalterno, colegas de trabalho, onde alguém quer brilhar mais ou se acha (realmente) melhor que os outros.
É uma relação de antagonismo que se instala no palco. O toureiro acredita que para ser grande precisa destruir o touro. E levar as orelhas e o rabo do animal como troféu. Muita gente pensa assim, que para brilhar deve pisar no (des)semelhante (um mundo de guerras veladas e com muitas camadas de verniz). O miúra Florentino quer um indulto. Quer dizer, um final diferente para ele e para o toureiro, que não seja a morte de um ou de outro. A disputa é a base de uma metáfora para questões sociais, éticas, morais e políticas.
A direção, dividida entre Herson Capri e Susana Garcia explora bem as nuances do texto, a movimentação dos atores e aproxima artimanhas do esporte com a ética dos humanos, e as sucessivas quebras de regras. As marcas são muito boas e os corpos dos atores ganham forma. Os movimentos oscilam entre a tourada e o tango. O cenário tem pinturas do espanhol Francisco de Goya.
Mas o que realmente encheu os olhos (pelo menos os meus) foi o desempenho do elenco. Os dois atores Gustavo Falcão e Daniel Dias da Silva entram num jogo em que cabem a sensualidade e a tristeza das touradas. Uma disputa pelo poder que ora está nas mãos de um, ora de outro.
Nos diálogos eles humanizam os personagens e falam dos homens de qualquer lugar do planeta. Com suas ambições e arrogâncias, seus medos indizíveis e sua sede de poder (por menor que seja). Na disputa entre touro e toureiro parece que eles viram meninos de novo quando fazem um pacto com a sinceridade, ou quando revelam um pouco de suas intimidades ao inimigo.
Já assisti outros trabalhos do Gustavo Falcão, A máquina, Para um amor no Recife e Fogo da vida, por exemplo. Mas em Matador ele está maduro, mais seguro no palco. E brilha na mudança de intenções do personagem em tirar partido das ironias do texto. Entre a fúria do touro e as reflexões sobre poder, futuro, medo e glória do personagem, ele explora cada detalhe. Mostra-se um ator grande, que supera seus limites.
Além dos intérpretes principais, o ator Danilo Gomes é a terceira figura da cena, que coloca objetos, que interage com os personagens em pequenas aparições.
Matador é um espetáculo que deve ter uma bonita carreira. Pelo conjunto da obra e principalmente pela alegria de ver bons atores no palco.