O chão da sala ainda está inteiro quando a peça começa. O teatro lotadíssimo. Depois vão se abrindo fendas que se transformam em buracos enormes, até que tudo esteja destruído e o público também seja levado a se sentir caindo ali dentro. Todos acompanham com risos – que podem ser nervosos – ou num silêncio cheio de expectativa e espanto. A cenografia construída por Daniela Thomas não é só um elemento de apoio, complementa a dramaturgia, serve como metáfora e reflexo do espetáculo Pterodátilos, que ganhou três prêmios Shell de teatro (levou a estatueta nas três categorias em que concorreu: melhor ator, melhor atriz e cenário) e quatro categorias no APTR: melhor espetáculo, produção, ator protagonista e cenografia. A montagem estrelada por Marco Nanini, Mariana Lima, Alamo Facó e Felipe Abib foi apresentada ontem no Porto Alegre em Cena no Salão de Atos da UFRGS. A direção é de Felipe Hirsch. A peça deve chegar ao Recife nos dias 28 e 29 de outubro, no Teatro da UFPE.
O texto de Nicky Silver é desconcertante. Tem tiradas rápidas e frases de efeito que surpreendem. Toca em questões como esfacelamento das relações, consumismo exacerbado, ditadura da beleza, sexualidade. Aliás, não é a primeira vez que Nanini entra em contato com esse texto. Em 2002, ele e Marieta Severo encenaram Os solitários, que era formado por dois textos do norte-americano: Pterodátilos e Homens gordos de saia. (Alguém viu essa peça?)
Na família de Pterodátilos, em determinado momento os laços de afeto parecem inexistir. Ou melhor, cada um foi se isolando no seu mundo e depois que os nós que os uniam foram sendo afrouxados, não tinha mais como apertar. Se é que algum dia eles estiveram rígidos. Nanini interpreta Ema e Artur, pai e filha. Depois de uma relação ‘intensa’ de três semanas, Ema decide se casar. Vai apresentar o namorado garçom (Felipe Abib) à mãe (Mariana Lima) viciada em grifes e whisky e o garoto acaba virando empregada da casa. O filho Todd (Alamo Facó) chega de uma longa temporada em Londres com a notícia de que tem Aids. E o pai que só queria ser locutor de rádio até tenta se aproximar do filho (ouvindo detalhadamente as descrições de suas relações) e perde o emprego como presidente de uma grande empresa. Tudo é instável, está em ruínas, mas há egoísmo demais para que alguém consiga olhar para o outro.
Nanini alterna o histerismo da garotinha de 15 anos à austeridade do pai de família apenas com a rápida troca de roupas. E a sua interpretação deixa à mostra a superficialidade dos dois personagens. Quando está no palco, o pernambucano de nascimento concentra as atenções: tem pleno domínio do que faz e das suas potencialidades, seja usando terno ou envergando um vestido de noiva.
Já o papel da Mariana Lima (a rainha Helena em Cordel encantado) parece ‘exigir’ muito mais dela. E ela não deixa barato. É uma mãe louca, que desprezava a filha gorda, tinha adoração pelo filho e (sexual) pelos amiguinhos de adolescência dele, uma mulher que prefere que o marido tenha amantes do que seja um desempregado. Além disso, está sempre com um copo de whisky na mão. Mariana achou o tom certo para que o personagem não virasse uma caricatura. Os outros dois atores – Álamo e Felipe – também estão bem em cena.
Cenografia – Tenho que voltar a falar da cenografia, que é de Daniela Thomas; e da iluminação de Beto Bruel. Daniela imaginou uma sala que é uma plataforma suspensa; como já disse, as madeiras do chão vão sendo retiradas pelos atores e valas se abrem no assoalho. Lá estão os ossos do pterodátilo do título. Além disso, a plataforma pende para um lado ou outro, o que faz com que os atores tenham que lidar com o desequilíbrio e que essa mesma característica na história seja acentuada. A sala tem só três sofás austeros, pretos. Já a iluminação é bastante precisa. Tem sempre uma névoa cobrindo aquelas pessoas e a distância entre elas pode aumentar bastante dependendo da iluminação, mesmo que elas teoricamente estejam travando uma conversa que deveria ser íntima. Como? Se pai nem olha no olho do filho? Foram as relações humanas que entraram em extinção. Não os dinossauros.
Ah…achei esse link no New York Times. É o autor Nicky Silver falando sobre os seus personagens: http://nyti.ms/pKmSiK