Algumas trocas de mensagens por celular e estava marcada a entrevista com o ator principal da montagem Os 39 degraus, sucesso de público em São Paulo, que fez quatro apresentações no Festival de Curitiba. Dan Stulbach chegou ao hotel, depois do almoço, por volta das 14h30, com um aspecto cansado. Já tinha apresentado por duas noites a montagem e, naquele dia, tinha ido fazer uma palestra para alunos às 9h30. Fomos ao bar do hotel, ele pediu um café, e confessou que precisava dormir.
Mas esse era só o início da conversa. Quando fala em teatro, os olhos azuis brilham ainda mais. Só vi o mesmo acontecer quando ele virou empolgado para o ver o gol que o Real Madri tinha feito num time qualquer. Estrategicamente, antes do início da entrevista, já sabendo do seu amor pelo futebol, tinha colocado-o numa cadeira de costas para a televisão. Besteira. Independentemente da partida, Dan Stulbach é um ator compromissado, apaixonado pela técnica teatral, pelo desafio. Gosta de falar de arte e também de televisão, cultura, política. Depois de uma hora e meia de conversa, parecia que o cansaço não existia mais. “Poderia ficar aqui a tarde inteira conversando. Mas tenho espetáculo à noite”.
A peça Os 39 degraus possui mais de 30 personagens, interpretados por quatro artistas. E você é o único que faz um só personagem e está em cena quase o tempo todo. Como foi essa preparação?
Comecei a malhar, a correr. Sempre fui um cara saudável, sempre fiz esporte, nunca tive problemas com isso. Mas a peça quis treinar mais. Mas não era só a questão física. Demorei a pegar o ritmo da encenação, correr, falar, isso muda o ritmo da respiração.
Porque você aceitou o convite para fazer Os 39 degraus? Já tinha feito comédia?
Fiz uma comédia no teatro há muito tempo. Foi Guerreiras do amor, em 1995, do Domingos de Oliveira. Quis fazer Os 39 degraus porque é uma homenagem ao teatro, à imaginação. Celebra o lugar do faz de conta, da brincadeira. É isso o que me interessa. Além disso, a peça trabalhava com várias linguagens. Drama, romance, comédia. Isso me encanta. E o jogo de você enganar a plateia, de todo mundo se arrumar, sair de casa, para isso.
Na peça, em determinado momento, há uma brincadeira com o personagem que te deixou conhecido para o grande público, o Marcos, de Mulheres Apaixonadas. Ter ficado “marcado” por esse personagem te incomoda de alguma forma?
De forma nenhuma. Eu acho ótimo. Discutimos isso antes de levar para a peça. Mas foi um personagem que mudou mesmo a minha trajetória, pelo menos para o grande público. E mudou uma realidade. Conseguimos transformar as coisas. Hoje, o homem que bate em mulher vai para a cadeia. E você faz televisão porque quer ficar mesmo mais conhecido. Não dá pra ficar irritado porque as pessoas vem falar com você, querem um autógrafo, tirar foto. Então você foi pra televisão por quê?
Você já trabalha com teatro desde a década de 1980. Mas realmente se tornou conhecido depois da televisão. O trabalho em televisão trouxe alguma mudança para o seu trabalho no teatro?
Na televisão, busquei trabalhos que fossem um desafio artístico para mim. Trago a televisão para o meu trabalho. Ao contrário do que as pessoas pensam, a televisão exige muita disciplina. É um trabalho exaustivo. Mas o que estamos fazendo é mais ou menos a mesma coisa. Tive a oportunidade de criar na televisão, propor coisas, amadureci. Até porque eu comecei a ter que falar mais sobre o meu trabalho, dar entrevistas. Entender melhor o que eu faço. Mas eu queria dizer que temos que tomar cuidado. Para que o ator que faça televisão não seja execrado por fazer TV, que ele não seja considerado menor; ou o contrário também. Acho que o teatro fica maior com as diferenças, juntando as pessoas. Não vejo esse preconceito comigo, mas ele existe. Até dos meios de comunicação. Sou o “global” Dan Stulbach. E esse título é um mérito ou demérito? Lembro que tinha começado há duas semanas a fazer a novela Mulheres apaixonadas e fui apresentar Novas Diretrizes. Aí me chamaram de global no jornal…O que é um demérito é ser reduzido, taxado.
E qual o papel do teatro?
O lugar do teatro no mundo é o lugar da imaginação, da provocação. Quanto mais o mundo fica digital, violento, e tudo isso, o teatro ganha mais espaço. Porque é o lugar de lembrar o que é ser humano. O teatro te surpreende, te emociona. Essa é a função da arte e do teatro. É um lugar de artistas que não se conformam, que querem o risco. Gosto do teatro como linguagem. Porque quando você lê, você usa a imaginação, como seria aquele personagem, como se portaria, como seria a voz. E o teatro é o próximo passo.
Mas você faz teatro em São Paulo, que tem a lei de fomento ao teatro há dez anos, onde estão os artistas mais conhecidos. E os outros lugares?
É um espaço de resistência. Essa realidade paulista passa por São Paulo também por que, é verdade, lá estão atores conhecidos. Então no momento da empresa escolher um espetáculo para apoiar, ela quer visibilidade. Essa decisão fica nas mãos dos gerentes de marketing. Mas tem outras possibilidades, empresas que apóiam trabalhos continuados. O que eu acho é que há espaço para todo mundo e para o teatro de qualidade.
Podemos dizer que estão surgindo algumas tendências no teatro brasileiro, como os musicais. Como você vê isso?
Os musicais estão se consolidando, assim como o movimento dos stand ups. As pessoas querem ver. Mas o meu teatro, como já disse, é o da imaginação. Não aquele em que a pessoa é o que é. E o público tem se desacostumado com imaginação. Ele quer mais realidade, mesmo que seja a brincadeira com a realidade, a ironia. Muita gente tem raiva dos stand ups. Eu não tenho. Tem espaço pra todos. Mas pode ser só uma fase. O teatro já passou por muitas..pela fase da imagem, da fumaça, quando toda cena tinha que ter fumaça! Eu gosto da palavra, do diálogo, da discussão. Gosto do cinema argentino, por exemplo, que é muito calcado nisso. Gosto de tentar formular coisas. Foi o teatro que me deu isso.
Você se interessa por política? O que acha do nosso Ministério da Cultura?
É o Ministério mais discutido atualmente…Há ministérios, como o dos Esportes, que deveriam ser tão julgados quanto, que são muito incompetentes. O dinheiro para a Cultura é ínfimo. E isso acaba limitando as ações. Mas acho que a ministra ainda não teve tempo. Ela está sendo muito julgada antes do tempo. Falo do ministério dos Esportes porque acho que ele é mais próximo da saúde, um dos nossos grandes problemas. Não é para ter atletas campeões, ganhadores de medalha. Não só para isso. Para o país, era melhor ter 200 pessoas correndo do que um atleta profissional, campeão. Fora isso, me preocupa a intervenção na Vale, a infra-estrutura para o nosso país crescer na medida em que a economia está crescendo, mais portos, mais estradas.
O que você acha, por exemplo, do Vale-Cultura?
Não conheço bem o projeto. Mas acho a ideia muito boa. Só é preciso ter cuidado para não virar uma meia-entrada, que quem paga é o artista e o próprio público. No mínimo, acho que poderia ser opcional, facultativa.
Você continua no programa de rádio (Fim do Expediente, na CBN)?
Sim. O Paulo Autran disse que eu não deveria fazer. Que o artista não pode ser conhecido. Que ele não pode se dissolver nas suas opiniões. E eu concordo com ele. Mas lá eu falo da vida. Não falo de mim. Elas vão continuar não me conhecendo. E essa é a melhor resposta para aqueles veículos ou pessoas que querem que você seja uma celebridade. Coordeno também a programação do Teatro Eva Herz, da Livraria Cultura, há três anos e meio. Eles até vão abrir salas em outros lugares.
No Recife?
No Recife ainda não estou sabendo. Mas Recife é uma cidade que me interessa muito. Estive lá com a peça Novas Diretrizes, com o Tony Ramos, num teatro lindo (o Santa Isabel). É uma cidade que se interessa por cultura, que recebe as coisas de fora, mas que produz. É muito bacana.
Você sempre cita o Paulo Autran. É uma referência?
Gosto de celebrar a existência do Paulo. Meus pais sempre me levavam ao teatro e uma vez, quando decidi que queria ser ator, fui falar com ele, no camarim. Saber como era ser ator, ver o que ele me diria. Anos depois, ele entrou no meu camarim e me perguntou se eu era aquele rapaz que tinha ido falar com ele. Tenho um carinho muito grande por ele. Ele sempre estava ligando, dando dicas. Depois tive a oportunidade de fazer um espetáculo com ele, o Senhor Green. Aprendi com ele o respeito ao teatro. Ele vivia só para isso, abriu mão da televisão, até falava mal da TV. Tinha uma técnica…
E o que você diria para um ator que viesse te procurar hoje, como você fez com o Paulo Autran?
Que não perca a sua diferença. Que não tente fazer do jeito que o outro faz. Que aprenda a respiração, a técnica. Mas que não entre na “pastelaria’.