“Ela é muito liberta, não é mais virgem e me confessou que os pais nem se incomodam”, foi o comentário carregado de preconceito de uma “dona” sobre o comportamento de uma garota linda, negra e pobre. Em outra ocasião, quando reproduzi uma indiscrição de um amigo de sua filha – de que a criatura bela, branca e de poder aquisitivo estava pegando uma menina, enquanto o namorado viajava ao Rio – essa mesma criatura asseverou que sua filhota era livre e podia exercer sua sexualidade como bem entendesse.
Essas interpretações bem diferentes sobre o exercício pleno do feminino me veio à cabeça com a história da peça argentina La Wagner, em cartaz nesta sexta-feira e sábado no Festival Internacional de Londrina – FILO 2016, no norte do Paraná. A obra foi apresentada na 17ª edição do Cena Contemporânea – Festival Internacional de Teatro de Brasília, em agosto. E no Cena Cumplicidades de 2015, em novembro, no Recife.
As bailarinas de Paul Rotemberg em La Wagner são mais guerreiras do que meigas donzelas. A música e aspectos da vida íntima do controverso compositor alemão Richard Wagner são explorados na encenação que articula quatro mulheres nuas, como quatro Valquírias. Elas se empenham na tarefa de desmanchar estereótipos de feminilidade, sexualidade, erotismo, pornografia e submissão à violência masculina, em sequências em que esses elementos estão juntos ou separados.
Na peça, o coreógrafo impulsiona as bailarinas ao limite do poder expressivo de seus corpos e a transcender o próprio sexo e nudez. Ayelen Clavin, Carla Di Grazia, Josefina Gorostiza e Carla Rimola são torcidas violentamente, caem, se chocam, levantam-se e voltam novamente a colidir dentro de uma dinâmicos de excessos. Em solos, duetos , trios ou quartetos , assumem papéis de homens ou mulheres, agressor ou golpeado.
O diretor explora sentimentos de rejeição e aceitação sobre os papéis e amplia como denúncia o olhar machista ou misógino sobre as mulheres.
O showman Eduardo Dussek carrega um humor irreverente, um deboche refinado e um romantismo pungente para suas canções há 40 anos. De carreira multifacetada, ele ataca nas frentes da música, da televisão e do teatro, como cantor e compositor, ator, autor, diretor. Suas aparições são divertidas e performáticas e nesta sexta-feira ele é o protagonista do “grande show”, que marca os 48 anos do FILO 2016. Sucessos dos anos 1980 e 90, além de músicas novas estão no repertório com rock, pop, MPB, marchinhas e sambas carnavalescos.
O Filo começou sexta-feira, 26 de agosto e segue até 11 de setembro com 64 apresentações de 33 espetáculos. Ao todo são 17 dias de apresentações de teatro, dança, circo e música. Sendo quatro encenações internacionais, 20 montagens nacionais e nove peças de grupos londrinenses.
O ator Matheus Nachtergaele com seu Processo de Conscerto do Desejo, que esteve no Recife durante o Janeiro de Grandes Espetáculo deste ano, abriu a programação do FILO 2016.
Mas o festival esquentou com a polêmica estreia nacional de O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, da companhia paulista Queen Jesus BR, exibida no final de semana (27 a 29 de agosto).
A peça já nasceu controversa desde que estreou em 2009 na Escócia e provocou protesto de conservadores, com mensagens como “Deus: Meu filho não é um pervertido”. O texto da dramaturga Jo Clifford, recria histórias bíblicas com uma “inclinação diferente”, com um Jesus transgênero.
Apresentada dentro da Capela Ecumênica da Universidade Estadual de Londrina (UEL) O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu acendeu a revolta de católicos e evangélicos em Londrina. Tanto o Conselho de Pastores Evangélicos quanto a Arquidiocese de Londrina tentassem censurá-la.
A atriz e professora Renata Carvalho defende uma Jesus brasileira, travesti , ambígua e multifacetada, que denuncia o preconceito e a intolerância. A diretora Natália Mallo, que assistiu ao espetáculo na Escócia e fez uma adaptação em parceria com Jo Clifford e Susan Worsfold, diretoras da obra original, quer viajar com a peça pelo Brasil. Já tem agenda em São Paulo, no mês que vem. E uma apresentação especial num festival de arte LGBT em Belfast, na Irlanda do Norte.
Em nota, a organização do Filo afirma que “repudia os atos de intolerância que a produção do espetáculo tem recebido em Londrina, uma vez que prega justamente o contrário: o amor e o respeito ao próximo”.
A peça atualiza passagem como o Bom Samaritano, o Filho Pródigo, a Mulher Adúltera e a Última Ceia para o universo da diversidade sexual. A atriz finaliza sua performance denunciando o assassinado de duas travestis em Londrina, notícia que não ganhou espaço de destaque na grande mídia, nem mobilizou manifestações.
Para o diretor do FILO, Luiz Bertipaglia, o papel do Festival é esse mesmo, de provocar reflexões. “Pensamos em espetáculos que instigassem as pessoas a refletirem sobre o que a sociedade está vivenciando”.
O coreógrafo e bailarino francês Fabrice Lambert (l’Expérience Harmaat), aterrissa no FILO com o espetáculo Nervures, nos dias 3 e 4 de setembro. A montagem, que circula por várias cidades pelo projeto France Dance Brasil 2016, traça um jogo com um móbile criado pelo artista Xavier Veilhan. A montagem não virá ao Recife.
Mas a operação FranceDanse, concebida pelo Institut français, vai enviar à capital pernambucana os espetaculos Hyperterrestres – uma viagem nas profundezas de si e do esquecimento, com coreografia e interpretação de Benoît Lachambre e Fabrice Ramalingom. E Accidens (Ce qui arrive) que explora a onipresença magnética do corpo atormentado e desarticulado do bailarino Samuel Lefeuvre. O primeiro está agendado para ser exibido no dia 1º de novembro, e o segundo no dia 2 de novembro, ambos na programação do Festival Cumplicidades, dirigido por Arnaldo Siqueira.
A terceira obra programada para o Recife do France Dance Brasil 2016 é o Conférence Dansée, uma particular história da dança contada e bailada por Fabrice Ramalingom, a ser mostrado nos dias 2 e 3 de novembro, na Aliança Francesa do Recife.
Da programação de Londrina estão ainda o Caranguejo Overdrive, peça do grupo carioca Aquela Companhia que recebeu três prêmios Shell Rio de Janeiro e a montagem da Cia Livre (SP), Maria que Virou Jonas ou A Força da Imaginação, da diretora Cibele Forjaz.
Nos dias 7 e 8 de setembro Alexandre Guimarães apresenta O Açougueiro. A montagem pernambucana se debruça sobre a história de Antônio, um cara que sonha em fugir do fantasma da fome virando empresário da carne. Mas a paixão por uma prostituta dificulta seus planos devido a intolerância da sociedade. Entre aboios e toadas, o ator se desdobra em sete personagens.
Toda a programação do FILO 2016 pode ser conferida no site www.filo.art.br.
Serviço
Festival Internacional de Londrina – FILO 2016
De 26 de agosto a 11 de setembro
Realização: Associação dos Amigos da Educação e Cultura Norte do Paraná e Universidade Estadual de Londrina
Patrocínio: Petrobras, Governo Federal, Prefeitura de Londrina / Secretaria Municipal da Cultura / Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), Universidade Estadual de Londrina, Unimed Londrina, Horizon – John Deere.
Ingressos: Ponto de vendas no Royal Plaza Shopping (Rua Mato Grosso, 310) e pela internet: www.diskingressos.com.br.
Valor: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada).
Informações: www.filo.art.br