As obras artísticas também são contaminadas pelas circunstâncias em que são exibidas. Elas incorporam um determinado tempo e são ressignificadas por ele. Isso pode ocorrer no próprio objeto ou em sua recepção. O espetáculo Nem mesmo todo o Oceano, da Cia OmondÉ , estreou em 2013, antes da reeleição para o segundo mandato da presidenta Dilma Russeff. E apesar dos ânimos tensos, não era possível vislumbrar com clareza a crise institucional, jurídica e política que o país atravessa atualmente, com uma ameaça real de um golpe, comandada pela plutocracia, a partir dos seus ferozes representantes situados em pontos estratégicos.
Nem mesmo todo o oceano expõe a história fictícia de um médico, sua infância pobre no interior de Minas Gerais, seu período de estudante em pensões no Rio de Janeiro, as desilusões amorosas, as frustrações e a batalha por sobrevivência. Uma forma de encarar. Outra, a trajetória de um arrivista e sua ambiciosa, deslumbrada e abominável escalada até assumir o cargo de médico legista do DOI-CODI.
A partir da narrativa dessa figura, o espetáculo explora os momentos que antecederam o golpe militar (1964), seus modelos de repressão desvelando os “porões” da ditadura.
A montagem faz uma curta temporada na CAIXA Cultural Recife, de 31 de março a 9 de abril. É uma adaptação da diretora Inez Viana do romance homônimo de 800 páginas do escritor, dramaturgo e pensador mineiro Alcione Araújo (1945-2012).
Os atores Leonardo Brício, Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Junior Dantas, Luis Antonio Fortes e Zé Wendell se revezam nos diversos personagens, inclusive os femininos. O elenco está metido em calças sociais entre o cinza e o azul marinho, sapatos pretos e camisetas de física, no figurino assinado por Flávio Souza. O espaço utiliza poucos objetos de cena. A diretora Inez Viana busca com isso valorizar o trabalho do ator e o jogo teatral.
O livro de Alcione Araújo reconstitui uma época adversa da História do Brasil (1950 a 1975). A cena mostra o protagonista, que narra sua biografia, atravessada por seus filtros cognitivos e por suas emoções. O médico assistia torturas durante a ditadura militar brasileira. Acusado de ter estuprado uma das prisioneiras, ele sente novamente a hostilidade do mundo diante desse seu crime abominável. Ameaçado de morte, ele tenta se explicar a um grupo de jornalistas.
A peça embaralha fatos reais e ficção. Entre facínoras e torturadores cruéis, o médico tenta se convencer, e nos convencer, enquanto a grande angular expõe o processo de perversão espiritual do ser humano.
Se há dois anos discutir artisticamente essa passagem dos 50 anos do Golpe Militar de 1964 era uma necessidade, hoje se tornou urgente conhecer – de verdade, com todas contradições – essa parte da história horrenda desse Brasil. Para não permitir que nunca mais isso se repita.
FICHA TÉCNICA
Autor: Alcione Araújo
Adaptação e Direção: Inez Viana
Consultoria Dramatúrgica: Pedro Kosovski
Elenco: Cia OmondÉ – Leonardo Bricio, Iano Salomão, Jefferson Schroeder, Junior Dantas, Luis Antonio Fortes e Zé Wendell
Figurino: Flávio Souza
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves
Iluminação: Renato Machado
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Programação Visual: Dulce Lobo
Assistentes de Direção: Carolina Pismel, Debora Lamm e Juliane Bodini
Produção Executiva: Jéssica Santiago e Rafael Faustini
Direção de Produção: Claudia Marques
Projeto da Cia OmondÉ
Patrocínio CAIXA
SERVIÇO:
Nem mesmo todo o oceano
Onde: CAIXA Cultural Recife (Avenida Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife, Recife/PE)
Quando: 31/03 a 02/04 e de 07 a 09/04/2016, de Quinta a sábado, às 20h.
Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia)
Vendas: a partir das 10h do dia 30 (para as apresentações de 31/03 a 2/04) e do dia 06 (para as apresentações de 07 a 09/04)
Informações: (81) 3425-1915 / 3425-1900
Classificação Indicativa: 16 anos
Duração: 80 minutos