Magiluth para doer no osso

Magiltuh estreia O ano em que sonhamos perigosamente. Foto: Renata Pires

“Vocês tão muito ‘fudidos’, né?”. A pergunta, quase cúmplice, aos atores do Magiluth, veio do vigilante do Centro Apolo-Hermilo, no Bairro do Recife, onde foi ensaiado o novo espetáculo do grupo: O ano em que sonhamos perigosamente. A estreia é nesta quinta-feira (11), às 20h, no Teatro Apolo. O mesmo vigilante – que também fez outros comentários igualmente afetivos, sempre terminados por um ‘né?’, do tipo “a peça de vocês é muito cabeçuda, né?” – foi um dos funcionários do Centro que acompanhou a intensa rotina de trabalho.

Desde o segundo semestre do ano passado, com as apresentações pelo país por conta do Palco Giratório e o aumento do preço das locações de imóveis, o Magiluth entregou a sede que ocupava no Recife Antigo. Como não houve inscrições para o Programa Espaço de Criação, do Centro Apolo-Hermilo, o grupo foi convidado a ocupar o local.

Em entrevista no Bar Central, em Santo Amaro, onde os atores de 30 e poucos anos circulam bastante, eles deixam claro, no entanto, a postura política adotada pelo grupo: “a gente continua sendo oposição a essa Prefeitura e a esse Governo, principalmente pela atuação deles na Cultura, mas não podemos perder espaços. Não é um favor. O Centro Apolo-Hermilo é um espaço nosso. Se a gente não se utiliza disso, eles vão fechar. Não é uma oposição cega. Estamos ocupando porque é da cidade. Não é da Prefeitura. É público”, explica o ator e dramaturgo Giordano Castro. As críticas à gestão não se ampliam aos funcionários do Centro, todos citados nos agradecimentos do programa do espetáculo. “As pessoas que administram o Centro também são artistas. Eles estão lá defendendo aquele local e aquele fazer. Os técnicos, por exemplo, são muito disponíveis”, complementa Giordano.

Erivaldo Oliveira

Erivaldo Oliveira

Cena 2 – O ano em que sonhamos perigosamente, título emprestado do livro do filósofo esloveno Slavoj Žižek (a peça não é baseada na obra), é o trabalho mais político da trajetória de 11 anos do Magiltuh. Em Aquilo que o meu olhar guardou para você a cidade era um pano de fundo, mas vista de maneira bastante afetiva e simbólica; nas performances realizadas em vários pontos no projeto Intervenções urbanas com mídias locativas, a postura era bem mais crítica. Foram detidos, por exemplo, quando resolveram mudar os nomes das ruas do Bairro do Recife: adesivaram todas as placas com o nome do então governador Eduardo Campos.

Em O ano em que sonhamos perigosamente, no entanto, a crise política, social, econômica e existencial é detonadora do espetáculo. As provocações teóricas que ajudaram a construir o espetáculo começaram quando Pedro Wagner, que assina direção e dramaturgia, essa última em parceria com Giordano, apresentou ao grupo a filmografia do grego Yorgos Lanthimos, especialmente o filme Dente canino (Dogtooth). “No filme, o pai tranca a família dentro de uma casa. Ele faz as próprias regras, até vocabulário novo. E a premissa é que eles só poderiam sair de casa quando o dente canino caísse. Yorgos usa o microcosmo de uma família para falar da Grécia e da situação que o país vivencia”, pontua o ator Erivaldo Oliveira.

Passaram por outros filmes gregos como Miss Violence (Alexandros Avranas) e Attenberg (Athina Rachel Tsangari), chegaram a Žižek, intelectual que consegue analisar, quase que concomitantemente, movimentos como a Primeira Árabe o Ocuppy Wall Street. Também leram Adorno. Revisitaram a Ditadura no Brasil, na América Latina. E se agarraram à Deleuze, com suas “máquinas desejantes” e à noção de estrutura rizomática, onde elementos e conceitos entrecruzam-se, apresentam incidências uns sobre os outros, se alteram.

Cinco atores do grupo estão em cena

Cinco atores do grupo estão em cena

Cena 3 – Mas o espetáculo, mesmo cabeçudo (o vigilante deve mesmo estar certo), traz uma fábula? Com começo, meio e fim, não. O espetáculo, tentam explicar os atores, é divido mais ou menos em três etapas: na primeira, cinco homens estão buscando construir um momento belo. Ensaiam e treinam pra isso; na segunda, eles encenam trechos de Tchékov (A Gaivota, O jardim das cerejeiras e As três irmãs); e a terceira…bom, nosso texto não podia ter spoiler.

Mas eles já avisam que estão jogando no nível hard. “Antes de chegar ao espetáculo que temos hoje, tínhamos outro. Todo montadinho. Foi quando paramos e nos questionamos. A gente ‘tava falando em Deleuze, em rizoma, mas ainda estávamos presos a Aristóteles. Peraí: vamos sair do nível 4 e vamos para o nível 6. Bagunçar tudo!”, anuncia Giordano.

Assim como para outros grupos da cena contemporânea, o Magiltuh está mais preocupado com a presentificação do ator do que com a construção tradicional de um personagem. Criaram um jogo próprio, que vem se desenvolvendo ao longo dos trabalhos do grupo. “Não é improviso. É um trabalho de composição, mas que está aberto. É um risco. Todas as noites poderemos ter espetáculos diferentes”, opina o ator Thiago Liberdade.

Cena Ad infinitum com ou sem hiatos – Se você é daqueles que detesta ser chamado ao palco, a possibilidade de ter que participar com uma frase que seja no espetáculo já te deixa tenso ou cansado, nem se preocupe. “Aqui a maneira de afetar foi exatamente não tentar aproximação com o público. Não vamos te tocar, não vamos te olhar, não vamos fazer nada. Estamos aqui e vocês aí”, adianta Castro.

“Mas não vá assistir com expectativas”, é o que diz Erivaldo Oliveira. “Talvez algumas pessoas não entendam. Talvez não seja pra entender tudo. É duro. Não tem como lidar com esse tema de forma delicada, fazendo graça ou de maneira superficial”, complementa. Incensados como grupo cult-pop-queridinho da cena contemporânea, o Magiluth tem um público cativo – de artistas, mas principalmente de não artistas. Mas, se chegaram até aqui, é porque não se furtaram ao risco, pautado naquela máxima tão conservadora da labuta diária. “Rapaz, a gente se problematiza, enfrenta as crises de todas as formas num processo desse. Mas, no final, a percebemos que só sabemos fazer isso: só sabemos fazer teatro. E queremos estar juntos, ali, no palco”.

Serviço:
O ano em que sonhamos perigosamente
Quando: Dias 11, 12, 18, 19, 25 e 26 de Junho de 2015, às 20h
Onde: Teatro Apolo (R. do Apolo, 121 – Bairro do Recife)
Quanto: R$ 20 e R$ 10 (meia-entrada)
Informações: (81) 3355-3320

Ficha Técnica:
Direção: Pedro Wagner
Dramaturgia: Giordano Castro e Pedro Wagner
Atores:  Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner, Thiago Liberdade
Preparação corporal: Flávia Pinheiro
Desenho De Som:Leandro Oliván
Desenho De Luz: Pedro Vilela
Direção De Arte: Flávia Pinheiro
Fotografia: Renata Pires
Design Gráfico: Thiago Liberdade
Caixas De Som: Emanuel Rangel, Jeffeson Mandu e Leandro Oliván
Técnico: Lucas Torres
Realização: Grupo Magiluth

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