A vontade que dá, ao final de Contrações, é xingar, bater, virar a mesa em cima da personagem interpretada por Yara de Novaes. Uma gerente fria e manipuladora que assimilou toda a filosofia da empresa no que diz respeito às proibições sobre envolvimentos românticos ou sexuais entre funcionários. A montagem do Grupo 3 de Teatro estreou em São Paulo, participou do Festival de Curitiba, e agora terá uma nova temporada em Belo Horizonte.
O humor do inglês Mike Bartlett, autor do texto, se mostra irônico e sagaz. O ciclo vicioso de se deixar manipular é evidenciado na repetição das situações. Acompanhamos a história de Ema, interpretada por Débora Falabella, sempre a partir de uma mesma realidade: a chefe convoca e ela vai cedendo às pressões. Começa por ler os conceitos da empresa sobre o que seria romântico, acaba por confessar que se envolveu com um colega de trabalho, e então noções como privacidade perdem o sentido. A vida pessoal de Ema passa a ser completamente acompanhada e devassada pela empresa, ao ponto de ela precisar avaliar quão bom foi o sexo e (descobrir que o parceiro julgou excelente e ela só bom) quanto vai durar a relação.
As situações levadas ao extremo provocam o riso; mas, no decorrer da montagem, o que se instaura é um clima de opressão. As relações de poder e os embates se estabelecem pelas ações, pelo discurso, pelo movimento dos corpos. Grace Passô, diretora convidada pelo grupo para assinar a montagem, conseguiu imprimir um ritmo ágil e potente para a peça e explorar as nuances de duas atrizes talentosas e entrosadas em cena. O jogo entre as duas atinge imediatamente a plateia.
O cenário de André Cortez, que também é responsável pelos figurinos, contribui com isso. Estamos dentro de um Big Brother? Ou de uma empresa? Com seus grandes janelões de vidro onde tudo é observado e as paredes não têm só ouvidos – sabem mesmo de tudo em detalhes.
Parte da trilha sonora é executada ao vivo inclusive por Débora, que descarrega na bateria toda a raiva que sente da gerente, a incompreensão diante daquela realidade, a paralisia que não consegue romper. A atriz mostra a derrocada da personagem no próprio corpo; vai se curvando e perdendo as forças diante da figura do carrasco. O frio e a distância evidente entre chefe e subordinada tomam conta da cena. Yara garante sutileza e refinamento na sua interpretação; apesar do equilíbrio entre as duas atrizes, ela realmente se destaca. Não altera a voz – consegue o que deseja de outra maneira – tem a situação nas mãos o tempo inteiro e manipula Ema tanto quanto consegue provocar a plateia.
O que é público? O que é privado? De que maneira as relações de poder evidenciadas em Contrações não estão apenas no ambiente corporativo? Quem sair por último – ou conseguir se libertar – desligue o ar-condicionado.
Texto – A primeira encenação que vi com texto do dramaturgo Mike Bartlett foi em 2012, no Royal Court Theatre, em Londres. Love, love, love era uma trama que tratava de uma família, uma peça também bastante irônica, e que mostrava duas passagens de tempo. Confira o que escrevi sobre o espetáculo.
*O blog está no Festival de Curitiba a convite da produção do evento